domingo, 7 de fevereiro de 2010

AULA DE ECONOMIA REAL.

Recebi hoje e-mail do Professor CARLOS PIO, com o 1º artigo publicado pelo JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS no ESTADÃO. José Roberto é irmão do nosso colega LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, que postamos neste espaço sempre que possível. Abaixo o texto do JOSÉ ROBERTO com as nossas boas vindas.

Inicio hoje minha colaboração com O Estado de S. Paulo e a faço com muita satisfação. Conheço boa parte dos jornalistas da área econômica e também acompanhei a construção da nova fase do Caderno de Negócios e de Economia. Poucas vezes conseguiu-se reunir um time tão parrudo de profissionais.

Nos artigos, tratarei de três temas complementares: macroeconomia, análise setorial dos segmentos mais relevantes da economia brasileira e, cada vez mais importante num mundo incerto, de questões ou exigências estratégicas que se colocam para as empresas.

Existe uma linha importante a ligar essas três abordagens, que, na verdade, são complementares. Como me foi dito recentemente por Fábio Barbosa (do Santander), o volume e as incertezas futuras são de tal natureza que se exige dos países e das empresas, antes de tudo, flexibilidade para que o custo do ajuste a uma situação imprevista seja o mais reduzido possível.

A proposta de elaborar uma regra rígida para distribuição de lucro das empresas, tentando transformá-las numa repartição pública, vinda dos Ministérios da Justiça e do Trabalho e das centrais sindicais, é o último dos exemplos de como construir uma perda de flexibilidade e competitividade da economia, como analisado por José Pastore nesta semana.

O que mais chama a atenção quando se analisa a economia internacional é a enorme disparidade de situações no que tange ao crescimento econômico. De fato, em algumas regiões prevalece a mais profunda recessão, enquanto em outras a recuperação está tão rápida que coloca riscos inflacionários a serem combatidos.

China, Índia, Austrália, Vietnã, Noruega e Brasil são os casos mais relevantes. Todos eles já começaram a reverter os incentivos concedidos logo no início da crise, seja elevando as taxas de juros, seja aumentando os depósitos compulsórios, controlando crédito, etc.

Mesmo essa situação favorável não é totalmente segura, uma vez que as autoridades devem operar com cuidado a velocidade de retirada dos incentivos para não matar a recuperação. Além do mais, todos sofrerão caso a economia americana venha a mergulhar na temida segunda recessão.

No caso chinês em particular, alguns analistas temem que, findo o programa de gastos fiscais, a economia passe a viver um grave problema de realização, ou seja, de insuficiência da demanda interna e externa frente a capacidade produtiva. Não acredito nessa segunda possibilidade, uma vez que a maior parte dos programas de investimentos chineses está na infraestrutura e busca uma elevação da produtividade sistêmica da economia. Mesmo onde o sol brilha, remanescem incertezas que geram volatilidade.

Por outro lado, a recuperação americana deverá ser sustentada, porém lenta. Ao longo de 2010, passado o ajuste de estoques que inflou o crescimento no fim de 2009, a economia americana deve convergir para um crescimento de algo como 2,5%. Entretanto, mesmo esse crescimento enfrenta dúvidas, pois muitos analistas acreditam que teremos uma segunda recessão, e não apenas uma desaceleração, à medida que se esgotem os incentivos fiscais com uma situação de alto desemprego. Temos aqui apenas duas certezas: o melhor cenário é o de crescimento baixo por alguns anos; e a volatilidade seguirá alta, tal é o volume de desafios a enfrentar (redução do desemprego, estratégia fiscal e redução do déficit, enxugamento adequado do excesso de liquidez, retomada do crédito, regulação do sistema financeiro, etc).

O terceiro e maior bloco de países é o da recessão, capitaneados por Japão e Europa. O caso do Japão é extremamente significativo, pois o país parece estar saindo do jogo ao completar a segunda década sem crescimento. Como todos percebem, já não se trata da purga de um período de excesso, curável com uma dose de restrição fiscal e de gastos de consumo. Fatores mais permanentes estão presentes: um sistema político envelhecido, sem liderança e criatividade; uma dinâmica demográfica horrível, com forte queda da natalidade e envelhecimento da população, resultando numa trajetória de redução absoluta do tamanho da população. A questão populacional fica ainda mais perversa pela absoluta antipatia e rejeição aos imigrantes, mesmo quando esses tem antepassados japoneses. O resultado é uma fraqueza do mercado de consumo que o governo tenta compensar, sem nenhum sucesso, com gasto e elevação da dívida pública. Com o consumidor retraído, as empresas não têm estímulo para investir, especialmente quando o mercado externo se torna mais competitivo e restrito, acumulando-se recursos líquidos direcionados ao mercado financeiro. Nessa sociedade não existe volta da confiança que possa trazer a retomada do crescimento; tudo indica que o país seguirá envelhecido, rico e estagnado.

Na Europa, os problemas se acumulam. A Europa oriental tem de digerir uma crise de excesso de dívidas denominadas em moeda estrangeira. Ao mesmo tempo, a fragilidade da situação fiscal da Grécia levantou o espectro de um default soberano. Não acredito nessa ocorrência, mas ela contaminou os riscos de vários países, como Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, e vai exigir uma prolongada recessão nos mercados antes que se volte à normalidade.

O que completou o quadro ruim foi o recente enfraquecimento de Alemanha e França. Recentemente, a chanceler alemã levantou, em um discurso, o risco de o país iniciar uma trajetória à la Japão, com uma demanda interna estagnada, externa fraca e empresas sem vontade de investir, mesmo com caixa. No geral, a falta de confiança no futuro é generalizada: apesar de uma vigorosa expansão monetária na comunidade (de 12%), o crédito não cresce. Nem bancos nem as empresas e os consumidores estão dispostos a correr riscos.

O cenário internacional aponta para uma leve recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) global, uma valorização do dólar muito mais decorrente da fraqueza da Europa e do Japão e razoáveis preços de commodities (peso da China e Índia). O euro pode vir abaixo de 1,30 por dólar e o real deve se desvalorizar para a faixa de 1,90/1,95, como resultado da tendência internacional, da piora acelerada do déficit em conta corrente e das incertezas políticas.

Finalmente, existe uma grande lição dessa crise para a nossa política comercial. Uma das forças do Brasil é ser um global trader, pois permite manter as exportações crescendo mesmo em crise. Exportar muitos produtos para muitos mercados é um grande ativo. Daí porque ser lamentável que um antiamericanismo infanto-juvenil tenha colocado a busca por mercados na última prioridade do Itamaraty, em parte responsável pela redução do peso das exportações para os EUA a meros 10% do total.

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