segunda-feira, 18 de julho de 2011

Vai mesmo faltar trabalhador no Brasil?

Octavio de Barros é economista-chefe do Bradesco, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO, sobre “Vai mesmo faltar trabalhador no Brasil?”

Aquecimento convencional não geraria as pressões que estamos assistindo.

Na verdade já estão faltando trabalhadores em algumas áreas. O desemprego no Brasil, nesse momento, é um dos cinco mais baixos do G-20. Está cada vez mais difícil aferir a taxa de "desemprego natural" diante de tantas mudanças estruturais observadas na economia brasileira, possivelmente relacionadas a um silencioso aumento de produtividade. Qual seria a taxa de desemprego compatível com uma estabilidade inflacionária, considerando a meta de inflação perseguida? Se alguém me disser que esse número passou a ser 5% ou menos, confesso que eu não teria a menor convicção para desqualificar essa previsão. Estaria o mercado de trabalho dando os sinais qualitativamente adequados sobre o aquecimento da atividade ou estaríamos assistindo a transformações que vão muito além disso? Acredito nessa segunda hipótese. Um simples aquecimento convencional da economia não teria jamais, por si só, a capacidade de gerar as pressões que estamos assistindo. O fio condutor das pressões inflacionárias recentes vem inequivocamente da dimensão difusa do investimento privado.O ciclo de investimentos em curso no Brasil, que tem uma abrangência setorial sem precedentes, faz com que praticamente todas as empresas pressionem o mercado de trabalho (e também o mercado de bens) ao mesmo tempo. Estamos falando de algo raro, depois de muitos anos de sub-investimento. O investimento, que é uma variável cíclica, circunstancialmente tem se tornado menos cíclico. O que quero dizer com isso é que o empresário que investe nesse momento está, em certa medida, desprezando o cenário de curto prazo de desaceleração do PIB, resultante do combate à inflação, e está mirando 10 anos à frente. Em outras palavras, é como se as empresas tivessem um "departamento de investimento" que recebe instruções do comando da organização para não olharem para a conjuntura. "Olhem só para frente! Deixem que para a conjuntura olho eu!", diria um controlador típico sem querer perder um minuto sequer, porque sabe aonde quer chegar lá na frente com o seu negócio. Isso tem tudo a ver com a resistência da economia brasileira exibida durante e após a crise. O país tornou-se mais previsível, a despeito de todos os problemas que ainda perturbam muito a vida das empresas e das famílias brasileiras.

O que quero transmitir aqui é que a velha ideia de que a oferta de trabalhadores no Brasil é ilimitada está gradualmente deixando de ser verdadeira, na medida em que os investimentos se espraiam setorialmente. O aperto monetário em curso circunstancialmente tem impactado relativamente pouco na demanda por mão de obra. Há muitas evidências de falta de caminhoneiros, carência de engenheiros e até mesmo dos chamados "peões de obra". Eu tenho uma tese, que venho testando com várias empresas, de que o problema não é tanto a falta mão de obra qualificada, apesar de este ser cada vez mais um tema desafiador para o Brasil. O que falta no Brasil, neste momento, é pura e simplesmente mão de obra barata. Os salários reais aumentaram muito, a política de salário mínimo tem sido historicamente agressiva e as políticas sociais geraram novas oportunidades para jovens e mulheres que estudam cada vez mais e adiam o ingresso no mercado de trabalho. Mudou o patamar salarial no Brasil. Empregadas domésticas tornaram-se manicures. Manicures progrediram a vendedoras de lojas. Vendedoras de loja tornaram-se gerentes de loja e assim por diante. O que se paga hoje para um trabalhador não especializado é o que se pagava há três anos para o trabalhador qualificado. As empresas me sinalizam que os projetos em curso não estão se inviabilizando por isso e que nem tampouco serão abandonados. Mas os novos custos salariais já redefinem a taxa de retorno dos mesmos apesar dos aumentos de produtividade obtidos nos últimos anos.

A população economicamente ativa (PEA) - os que estão trabalhando ou procurando emprego na semana de referência - precisaria crescer bem mais daqui para frente e em linha com o crescimento da população efetivamente ocupada. Mas o que temos visto é que a população ocupada está crescendo sistematicamente bem mais do que a PEA (2,5% contra 1,6% em média nos últimos anos). Por isso que o desemprego cai seguidamente. No ritmo atual e considerando que a População em Idade Ativa (PIA, no critério que consideramos o mais adequado, pessoas de 15 a 70 anos) crescerá menos por razões estritamente demográficas (as mulheres geram cada vez menos filhos a la economias maduras e a cada ano existem mais idosos na população total), a taxa de desemprego chegaria a zero em 2017, dentro de 6 anos. Mesmo sendo esse um cenário absolutamente hipotético e de impossível concretização, ele revela, no entanto, uma inequívoca restrição potencial ao crescimento, com a necessidade de importar trabalhadores, adiar o momento da aposentadoria dos mais velhos ou contar com outros caminhos para que isso possa ser evitado.

A rigor, uma das possibilidades seria o incremento da força de trabalho, fazendo com que pessoas em idade ativa que não trabalham aceitem ingressar na população economicamente ativa. É preciso também aumentar bastante a produtividade de quem já trabalha. Na direção do primeiro caminho, devem-se dar melhores condições para que as mulheres ingressem no mercado de trabalho e aumentem sua taxa de participação, até atingir níveis mais próximos aos dos homens. Atualmente, apenas 58% das mulheres em idade ativa são economicamente ativas, enquanto que para os homens esse percentual ultrapassa 80% (considerando mais uma vez as pessoas de 15 a 70 anos). Essa diferença já foi estreitada no período recente e pode diminuir ainda mais, caso sejam oferecidas condições adequadas para que as mulheres criem seus filhos, com, por exemplo, o aumento da oferta de creches de boa qualidade.

Por outro lado, a qualificação média do brasileiro ainda é baixa, e esforços para a melhoria desse indicador podem prover ganhos de produtividade significativos, com muita tecnologia e inovação para liberar mão de obra qualificada ou mesmo não especializada para setores carentes dela. Além dos investimentos governamentais já realizados para a universalização dos ensinos básico e médio, e do atual esforço de ampliação do ensino superior, as empresas também vêm treinando intensamente os seus funcionários. A evidência anedótica sugere a ocorrência de um fenômeno excepcional, ainda que de difícil mensuração. Por fim, os investimentos em capital por parte de empresas e governo trazem perspectivas para a mudança do mix produtivo, em direção a uma economia que utiliza seus recursos escassos de maneira mais eficiente.

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