domingo, 11 de novembro de 2012

Keynes, o retorno.


Exclusivamente para o colega de CAEN, atualmente estudando em Portugal, Alexandre Fermanian, a análise de LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO, hoje na FOLHA DE S. PAULO, sobre as eleições americanas.  

A reeleição de Obama, na terça passada, deveu-se à radicalização conservadora de seu adversário, que selou o apoio aos democratas de imigrantes, mulheres e jovens, mas sobretudo às políticas sociais e à intervenção estatal para enfrentar a crise econômica, devolvendo à pauta as ideias do economista J.M. Keynes.

Passadas as surpresas de 6/11, parte dos comentaristas banaliza os resultados das eleições americanas. Assim, a campanha de 2012 não teria mudado nada em Washington. Barack Obama permanece na Casa Branca e o Congresso continua dividido como antes: maioria republicana na Câmara e democrata no Senado. Uma manchete do site do "New York Times" resumiu essa interpretação: "Obama obtém uma nítida vitória, mas a balança do poder não mudou em Washington".

Todavia, outros artigos do jornal nova-iorquino - e da mídia americana - alteram tal perspectiva. Efetivamente, como nas grandes viradas políticas geradas por um forte reposicionamento eleitoral, a vitória de Obama tem uma dupla dimensão: ela provoca a debandada de seus adversários republicanos e reforça o Partido Democrata.

Para além da contagem dos votos de uns e de outros no Congresso, um Partido Democrata renovado enfrenta agora um Partido Republicano apoplético: a balança do poder mudou, sim, em Washington. As longas e polêmicas primárias republicanas fragilizaram a candidatura Romney.

Em campanha há seis anos, desde as primárias para a eleição de 2008, o republicano teve primeiro que terçar armas no seu próprio partido. Na sequência da radicalização inaugurada por Sarah Palin em 2008, o sucesso de Rick Santorum entre os partidários do Tea Party e das teses mais conservadoras, levou a campanha republicana muito para a direita.

Romney teve de correr atrás dos votos de Santorum, fazendo declarações que queimaram seu prestígio junto aos republicanos mais liberais, aos latinos e aos trabalhadores das indústrias socorridas pelo governo federal. Aproveitando essas derrapadas e as controvérsias sobre o passado empresarial de Romney, os marqueteiros democratas pegaram pesado, apresentando-o como um ricaço insensível aos pobres.

No meio do ano, um anúncio da campanha de Obama na TV responsabilizava Romney pelo fechamento de fábricas e entrevistava metalúrgicos desempregados que o chamavam de "vampiro".

Houve também uma radicalização de Romney nos temas relativos à política externa e às suas ameaças diretas à Rússia e à China. Sobretudo ficou patente sua hesitação na política interna e sua inexperiência diplomática. Chamando Romney de "volúvel" ("ever-changing"), a revista conservadora britânica "The Economist" declarou seu apoio à reeleição de Obama.

Perdendo o pé junto aos latinos - que anteriormente pesavam menos no eleitorado e, em boa parte, votavam republicano -, afastados do eleitorado feminino e dos jovens, os republicanos saem das eleições enfraquecidos e desorientados. Para alguns comentaristas, a viabilidade nacional do partido está agora posta em questão.

Tais circunstâncias permitiram que Obama se situasse como um líder mais coerente na política econômica e mais moderado no campo internacional. No discurso da vitória, em Chicago, Obama sublinhou dois pontos que considerava como trunfos de seu primeiro mandato: "a economia está se recuperando" e "uma década de guerras está terminando", referindo-se à retirada das tropas americanas do Afeganistão.

A força e o vigor do partido democrata nascem do enraizamento da aliança social e política que levou Obama à Casa Branca quatro anos atrás. Como notaram os editorialistas americanos, o erro mais importante da direção republicana consistiu em considerar que Obama havia sido eleito meio por acaso. Para esses dirigentes, o início da Grande Recessão e o estrondo de setembro de 2008, com a bancarrota do Lehman Brothers, teriam baqueado o governo Bush e entregado a Casa Branca de bandeja para Obama.

Depois disso sua vitória teria virado pó. A prova? Obama sofrera uma pesada derrota nas legislativas de 2010 e, num contexto econômico ainda difícil, não teria condições de se reeleger. A taxa de desemprego beira 8% nos EUA e, desde os anos 1930, nenhum presidente havia conseguido se reeleger com essa taxa acima de 7,2%. A fieira de dirigentes europeus derrubados pela crise nas eleições dos últimos anos parecia confirmar o raciocínio dos republicanos.

Em maio, o portal de notícias "Examiner", baseado em Denver, perguntou: "A eleição de Obama em 2008 foi um golpe de sorte ("fluke")"? Agora, do jornal "Washington Post", numa análise de escopo nacional, ao "Richdmond Times Dispatch", num balanço sobre a Virgínia (Estado vezeiro no cerceamento do voto das minorias, onde Obama venceu pela segunda vez), a maioria dos editorialistas constata: 2008 não foi um "fluke", a reeleição demonstra que o presidente construiu uma base política consistente.

As mulheres solteiras, os jovens, os latinos, os negros, os asiáticos, os trabalhadores industriais e setores liberais dos Estados situados nos litorais oceânicos americanos reelegeram Obama. Essa coalizão deu novo impulso aos democratas, até porque a maioria democrata no Senado também evoluiu.

Conhecido como "Blue Dog", o grupo de senadores democratas conservadores ou moderados reduziu-se, cedendo lugar para senadores mais próximos dos princípios de solidariedade social e de regulação econômica que têm sido esconjurados desde a era Reagan (1981-89). Outros pontos do novo perfil democrata são mais sutis.

Ainda em maio, numa entrevista exclusiva à rede ABC, concedida a uma jornalista amiga, Robin Roberts, Obama declarou-se favorável ao casamento gay. Ele tomou a iniciativa de caso pensado, sabendo que a militância mais jovem, essencial na sua campanha, apoia amplamente tal declaração. Sabia também que a porcentagem dos americanos favoráveis a essa forma de união passou de 27% em 1996 a 53% em 2012, segundo pesquisa do Gallup, e que os casais gays são importantes doadores do Partido Democrata.

A análise detalhada dos resultados eleitorais imprime um significado histórico à vitória democrata. Tome-se o caso de dois Estados-chave nesta e noutras eleições, cujo resultado decide a parada no nível nacional, Ohio e Flórida.

A maioria dos comentaristas concorda que a vitória de Obama em Ohio (nenhum republicano venceu a corrida presidencial sem ganhar neste Estado), e no vizinho Michigan (onde o pai de Romney foi governador, onde ele cresceu e tem parentes) deveu-se à intervenção e aos empréstimos do governo federal para salvar um milhão de empregos da indústria automobilística combalida pela crise.

Na hora em que escrevo, a contagem de votos ainda não terminou na Flórida e o resultado do escrutínio ali tornou-se irrelevante: Obama ganhou a parada, mesmo perdendo na Flórida. Mas a apuração indica a vitória democrata. Além disso, num referendo estadual, os eleitores da Flórida repudiaram restrições ao "Obamacare", a reforma do sistema de saúde que favorece os pobres e regula as empresas do setor.

Na Flórida, e mais incisivamente na Virgínia e noutros Estados onde os democratas venceram, pesou o voto dos latinos e de outras minorias assustadas com a política anti-imigratória apregoada por Romney. Mas há camadas sociais mais densas que ajudaram a reeleger o presidente.

As pesquisas de boca de urna mostraram que Obama venceu entre os eleitores de menor renda (abaixo dos US$ 50.000 anuais) e que sua vantagem é ainda maior entre os mais pobres. Nesse contexto, sua reeleição permite avançar na implementação do novo sistema de saúde, consolidando a reforma e a base social dos democratas.

O apoio mais amplo do eleitorado às intervenções do governo federal na defesa dos empregos industriais e na proteção social, reabilita os investimentos e as políticas públicas.

Considerado peça de museu por boa parte dos economistas e dos ideólogos, o keynisianismo está de novo na ordem do dia nos EUA.

Um comentário:

Alexandre Fermanian disse...

Estimado Joao Melo,
Com o desejo em acrescentar este artigo,ressalvo que a invervencao governamental na Nova Ordem Mundial observa-se os Estados soberanos estao a aplicar posicionamentos protecionistas(keynes) junto ao comercio internacional, também observa-se politicas liberais neoclassicas em suas economias domesticas.Entendo que nesta nova conjuntura politico-economica internacional, sendo um velho keynesiano de carteira nao vencida, torna-se cricual que sejam aplicadas acoes com base nas duas vertentes da economia. Fica a deixa de um velho amigo e eterno aprendiz desde universo complexo.

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