Com habilidade, Sri Mulyani Indrawati, ex-ministra das Finanças da Indonésia e diretora administrativa e de operações do Banco Mundial, apresenta um panorama da atual situação econômica mundial, onde fica implícito que faltou ao Brasil melhor aproveitar o contexto internacional quando a economia ia de vento em popa. Apesar de alguns colegas ainda acreditarem que a economia brasileira voa em ceu de brigadeiro, mesmo em Davos..., a tendência dos últimos números econômicos demonstra, pelo menos, motivos para preocupação. E ainda teremos eleições...
O
crescimento econômico está de volta. Não somente os Estados Unidos, Europa e
Japão estão finalmente se expandindo, mas também os países em desenvolvimento
estão recuperando forças. Como resultado, o PIB
mundial deverá ficar em 3,2% este ano, ante 2,4% de 2013 – o que significa que
2014 pode muito bem ser o ano em que a economia começará a se recuperar.
O
fato de as economias dos países desenvolvidos voltarem a ganhar força é uma boa
notícia para todos. Mas, para os países em desenvolvimento, que dominaram o
crescimento global nos últimos cinco anos, isso levanta uma questão importante:
agora, com os países de alta renda juntando-se a eles no contexto do
crescimento, os emergentes ainda estão fortes
na competição? A resposta simples é não.
Assim
como um atleta pode usar esteroides para obter resultados rápidos, evitando os
exercícios difíceis que são necessários para desenvolver resistência e garantir
a saúde em longo prazo, algumas economias emergentes, para crescer, têm se
apoiado em influxos de capital de curto prazo, especulativos, atrasando ou até
mesmo evitando as difíceis, mas necessárias reformas econômicas e financeiras.
O Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, pretende restringir as
condições monetárias excepcionalmente generosas, que levam ao crescimento
"fácil". Frente a isso, essas economias
emergentes terão de mudar sua abordagem, sujeitas a condições mais estreitas e
ao risco de perder o terreno que ganharam nos últimos anos.
Com
a política monetária restritiva do Federal Reserve tornando-se realidade, o
Banco Mundial prevê que os fluxos de capitais para os países em desenvolvimento
cairão de 4,6% do seu PIB em 2013 para cerca de 4% em 2016. Mas, se as taxas de
juros de longo prazo dos EUA subirem muito rapidamente, ou se mudanças na política
não forem bem informadas, ou ainda, se os mercados tornarem-se voláteis, o
fluxo de capitais para os países emergentes pode cair 50% ou mais por alguns
meses.
Esse cenário tem o potencial para interromper o crescimento
dessas economias emergentes que fracassaram em aproveitar os recentes fluxos de
capital para fazer reformas. A provável elevação das taxas de juros irá colocar
pressão considerável em países com grandes déficits de conta corrente e altos
níveis de dívida externa – um resultado de cinco anos de expansão do crédito.
De
fato, na metade do ano passado, com a especulação de que o Fed começaria a
redução gradual de compras de ativos de longo prazo (o chamado afrouxamento
quantitativo, ou quantitative easing), as pressões financeiras foram mais
fortes nos mercados suspeitos de possuírem fracos fundamentos. Turquia, Brasil, Indonésia, Índia e África do Sul –
apelidados de "os cinco frágeis" – foram particularmente atingidos.
Da
mesma forma, algumas moedas de mercados emergentes têm sofrido pressão nos
últimos dias, provocada em parte pela desvalorização do peso argentino e sinais
de uma desaceleração no crescimento chinês, bem como dúvidas sobre os
verdadeiros pontos fortes dessas economias em meio a um mercado geralmente
tenso. Como a grande turbulência no verão passado, o atual surto do mercado
está afetando principalmente as economias caracterizadas por tensões políticas
internas ou desequilíbrios econômicos.
Mas,
para a maioria dos países em desenvolvimento, a história não foi tão ruim. Os mercados
financeiros de muitas destas nações não sofreram tanta pressão – no ano passado
ou agora. Com efeito, mais de três quintos dos países em desenvolvimento –
muitos dos quais são fortes agentes econômicos, que se beneficiaram das
reformas anteriores à crise (e assim atraíram mais influxos de capital, como
investimento estrangeiro direto) – se saíram bem no último ano.
Novamente,
retornando à metáfora do atleta: alguns continuaram a exercitar os músculos e a
melhorar a resistência – mesmo sob pressão. O
México, por exemplo, apresentou no ano passado um projeto de abertura do setor
de energia para parceiros estrangeiros – uma reforma politicamente difícil que
possivelmente trará benefícios significativos ao país no longo prazo. Sem
dúvida, essa iniciativa ajudou o México a evitar unir-se aos cinco frágeis.
O
forte crescimento nas economias de alta renda também criará oportunidades para
os países em desenvolvimento – por meio da forte demanda de importação e novas
fontes de investimento. Enquanto essas oportunidades serão mais difíceis, em
comparação à facilidade dos fluxos de capital da época de maiores estímulos do
Fed, as recompensas serão muito mais duradouras. Mas, para aproveitá-las, os
países, assim como os atletas, devem se esforçar para competir com êxito – por
meio de políticas nacionais sólidas que promovam um ambiente de
pró-concorrência ideal para negócios, um regime de comércio exterior atraente e
um setor financeiro saudável.
Em
muitos países, parte do desafio será reconstruir reservas macroeconômicas,
esgotadas ao longo dos anos em função do estímulo fiscal e monetário. A redução dos déficits orçamentários e a
transição da política monetária para um plano mais neutro será particularmente
difícil em países como os cinco frágeis, onde o crescimento está muito
atrasado.
Como
no caso de um atleta exausto que precisa recuperar sua força, é muito difícil
para um líder político tomar duras medidas de reforma sob pressão. Mas, para as
economias emergentes, fazê-lo é fundamental para de restaurar o crescimento,
bem como melhorar o bem-estar dos cidadãos. Sobreviver à crise é uma coisa;
sair vencedor é algo completamente diferente.
O texto está disponível no site da VEJA.