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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A "Grande Recessão"


Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), é professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP. Escreveu este artigo especialmente para o Valor Econômico de hoje. 

A crise financeira do subprime e o colapso do sistema financeiro com a quebra do Lehman Brothers desencadeou a chamada "Grande Recessão". Mas ela é um fenômeno distinto da crise financeira em si. Com a crescente incerteza, as economias dos países centrais saem da normalidade e passam a ser regidas por comportamentos induzidos pela incerteza, medo, pânico etc., nos quais prevalecem a lógica da desalavancagem, da "balance sheet recession" e da demanda de ativos com sinais trocados gerando instabilidades nesses mercados. Como entender o que acontecerá como a economia global nesse contexto? A experiência histórica similar, a "Grande Depressão de 1890", a "Grande Depressão de 1930" e a crise japonesa dos anos 90, nos permite fazer analogias e algumas conjecturas sobre o que acontecerá nos próximos anos.

A atual "Grande Recessão" não deverá ser tão profunda quanto a "Grande Depressão de 1929 a 1939", afinal aprendemos alguma coisa com ela, mas será tão abrangente e duradoura quanto e deverá ter significado histórico similar ao da "Grande Depressão do final do século XIX.

Será abrangente no sentido de ser uma crise global, diferentemente da crise japonesa, ou seja, é uma crise do próprio processo de integração e globalização financeira promovido pela plutocracia financeira que vem exercendo poder, tanto nos Estados Unidos como na Europa (talvez nem tanto na Alemanha). A "Grande Recessão" está centrada nos Estados Unidos e Europa, e já vem causando uma crise de governabilidade, mas tem também causas e dimensão internacional de forma que nenhum país ficará inume a seus efeitos de uma forma ou outra.

Será duradoura porque como a crise dos anos 30 e a crise japonesa ela afeta tanto os credores/emprestadores como os devedores/tomadores de empréstimos. O Federal Reserve (Fed, banco central americano) aumentou brutalmente a oferta de moeda e reduziu a taxa de juros para próximo a zero procurando salvar credores/emprestadores, subsidiando-os. Assumindo a função de emprestador em última instância, absorve ativos problemáticos no seu balanço, mas não resolve o problema dos devedores, que tiveram sua riqueza financeira destruída pela crise, e agora têm que pagar as dívidas.

A política monetária pode também resolver o problema de liquidez do credor/emprestador, que detém ativos emitidos pelos devedores, já que o banco central está disposto a prover recursos com juros zero para que continuem carregando os ativos e assim fazendo por longo período poderá mascarar, amenizar e, com o tempo suficientemente prolongado, até resolver o problema de insolvência.

Do outro lado, tanto as famílias como as empresas que se endividaram excessivamente durante o boom de crédito que antecedeu a crise, têm que desalavancar, aumentando a poupança (deixando de consumir e de investir produtivamente) para pagar a dívida acumulada. A "Grande Recessão" é o resultado dessa redução persistente da demanda agregada. Aqui a política monetária não tem efeito, pois somente uma política fiscal ativa pode recolher o aumento de poupança privada e reinjetá-la de volta no sistema econômico como demanda, para reanimar a economia. E essa foi a reação de todos os governos. Mas ao executar essa política, o déficit público aumenta e, com isso, a dívida publica se transforma também em crise da dívida soberana. A reação política da sociedade contra a classe dirigente será quase imediata. Ela está perdendo tanto a credibilidade como legitimidade, abrindo espaço para a ação de grupos radicais, tornando praticamente impossível manter uma política fiscal para tentar sustentar o nível de atividade econômica.

Ao contrário, os investidores perceberam que os governos estão com a dívida crescendo rapidamente e perdendo legitimidade e vão não só deixar de financiar os seus déficit, mas vão tentar desfazer dos títulos públicos com consequente elevação da taxa de juros. Na medida em que a política fiscal fica travada, podemos ter uma nova contração no nível de atividade, agravando o problema de déficit publico. Assim, somente quando a segunda contração for suficientemente profunda e prolongada a trava política da política fiscal será removida.

Qual o significado histórico da "Grande Recessão"? Em primeiro lugar essa é uma crise centrada nos Estados Unidos e Europa, portanto do núcleo do sistema global. Internamente, nesses países, foi a ascensão da plutocracia financeira, com a aliança do setor industrial, no início dos anos 1980 que permitiu a desregulamentação do sistema bancário e consequente introdução de inovações financeiras e explosão de crédito que gerou a crise. O poder do setor industrial já estava em declínio com a desindustrialização. Agora, tanto os Estados Unidos como a Europa, nas próximas décadas, deverão ter como prioridade absoluta a revitalização das suas economias, voltando-se para dentro eventualmente com medidas protecionistas, para enfrentar a ascensão da China.

Somado a isso, a perda de credibilidade e de legitimidade da sua classe dirigente, a governança global mudará radicalmente. Viveremos nas próximas décadas um interregno com a ausência de um centro que ditava as regras do jogo, exercia liderança política e ideológica e impunha um pensamento econômico.

A "Grande Recessão" será um longo processo de declínio da hegemonia americana, de um paradigma histórico e a gradual ascensão da China. Com o colapso de um paradigma, de um modelo econômico (uma variedade de capitalismo) que prevaleceu plenamente nas últimas três décadas, o que virá no seu lugar?

Melhoria nos EUA.


Editorial da FOLHA DE S. PAULO DE HOJE, comenta que "dados mais recentes sobre economia norte-americana são positivos, mas devem ser vistos com cautela, pois problemas graves persistem." Pelo menos, uma esperança nestes tempos de crises.  

O ano se inicia com renovada esperança de uma recuperação mais consistente da economia norte-americana. Com efeito, depois da decepção da primeira metade do ano passado, quando os EUA cresceram menos de 1%, muito abaixo das expectativas, os resultados relativos aos últimos seis meses têm sido vistos como sinal de alento.

O PIB teve alta de 1,8% no terceiro trimestre e espera-se algo próximo a 3,5% nos três meses finais de 2011. A geração de emprego também ganhou fôlego, atingindo a marca de 200 mil novas vagas em dezembro, o que permitiu uma queda da taxa de desocupação de 9,2%, em junho, para 8,5%.

Mesmo assim, se a estimativa do quarto trimestre se confirmar, os EUA terão crescido apenas 1,7% no ano passado, pouco mais da metade do prognóstico inicial. Espera-se uma taxa de expansão do PIB perto de 2% para este ano, o que não é um desastre, mas está longe de repetir o padrão habitual de recuperação -que apontaria para crescimento pelo menos duas vezes mais elevado que o atual.

A performance fraca de 2011 foi fruto de vários fatores. Com as informações disponíveis hoje, é possível concluir que o crescimento da primeira metade do ano viu-se comprometido por alguns choques em sequência, em especial a alta de 30% dos preços do petróleo, que reduziu a renda disponível dos consumidores, e o terremoto no Japão, que interrompeu os fluxos de produção global em cadeias industriais importantes.

Nos últimos meses, a despeito do agravamento da crise europeia, é possível que esteja em curso uma compensação desses efeitos, que, por sua natureza, são temporários. Convém, portanto, cautela para não tomar os dados recentes como prenúncio de vigor prolongado ou definitivo "descolamento" dos EUA da crise mundial.

Ao menos por ora, o peso das dívidas imobiliárias e a situação desfavorável dos balanços dos bancos e do bolso dos consumidores conspiram para conter uma aceleração mais forte.

Uma boa notícia para 2012 foi a renovação dos estímulos fiscais para a geração de novos postos de trabalho e a extensão do seguro-desemprego, aprovadas no fim do ano passado. O Congresso tem dois meses para confirmar se elas valerão para o restante de 2012. Se isso ocorrer, como parece provável, permitirá ao governo Obama pelo menos evitar um indesejável aumento do aperto fiscal.

Com este pano de fundo, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tem mantido viva a possibilidade de estímulos adicionais e deverá reforçar perante o mercado sua disposição em manter os juros próximos de zero pelo menos até o fim de 2013.

Politicamente, a recuperação recente pode melhorar as chances de Obama nas eleições presidenciais de novembro. Mesmo com crescimento baixo, é possível que o alívio gradual das condições de emprego faça a diferença em uma eleição que, apesar da aparente inexistência de um oponente republicano de peso, se anuncia tensa e concorrida.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

William R. Rhodes na Folha de S. Paulo.


Neste início de semana, uma entrevista na FOLHA DE S. PAULO  com um conhecido dos tempos que o Brasil seguia a cartilha do FMI.    

O homem que na década de 80 cobrava duramente que o Brasil honrasse suas dívidas e seguisse a cartilha do FMI (Fundo Monetário Internacional) hoje cai de amores pelo país. Entremeia suas frases com palavras em português, cita de cabeça dados macroeconômicos brasileiros e exibe fotos com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Nos anos 80, William R. Rhodes ajudou a renegociar a dívida externa brasileira, articulando o diálogo entre bancos, organismos internacionais e governos. Ficou famoso pelo estilo persistente: ele se recusava a deixar que os negociadores abandonassem a sala de reunião até que chegassem a um consenso.

"Eu sabia bem que o prazo a que um negociador se opunha vigorosamente se tornava, subitamente, mais palatável por volta das 4h", escreve no livro "Banker to the World" (banqueiro para o mundo), em que revela memórias e bastidores da renegociação das dívidas latino-americanas, entre outros casos. A obra será lançada no meio deste ano no Brasil.

Hoje, Rhodes afirma que os países em crise na Europa "não quiseram aprender as lições" postas em prática pelos latino-americanos nas décadas de 80 e 90: "Os europeus se achavam diferentes".

Confira trechos da entrevista de Rhodes à Folha, concedida no escritório que ele ocupa no prédio do Citibank, em Nova York. 

Folha - Na renegociação da dívida dos países latino-americanos nos anos 80, o senhor agiu como um diplomata em nome do sistema financeiro, apelando para que os países emergentes pagassem suas dívidas. O sistema financeiro se desacreditou, e os países emergentes é que fazem apelos aos ricos. O mundo se inverteu?
William R. Rhodes - Os europeus até agora não quiseram aprender as lições que os países latino-americanos, principalmente o Brasil, aprenderam nos anos 80 e no início dos 90. E isso é verdade também para as lições da crise na Ásia em 1997 e 1998.
A lição é que você deve olhar para as características de cada país, as causas, a cultura, a história e a política.
A segunda lição é sobre contágio, e os europeus erraram ao subestimá-lo. Eles pensaram que os problemas estavam isolados na Grécia, uma das menores economias da zona do euro, mas afetaram Irlanda, Portugal, Espanha e Itália. Pena que não quiseram aprender as lições.
Lembro de participar de uma conferência em junho do ano passado na Europa e transmitir aos presidentes de bancos centrais as lições que o Brasil trouxe.
Eles disseram: somos diferentes, o Brasil é um mercado emergente e nós somos europeus. Os mercados emergentes aprenderam a corrigir seus gastos públicos e a fortalecer o sistema bancário.

No seu livro, o senhor diz que alguns países adotaram medidas austeras demais para conter a crise dos anos 80, o que puniu as populações locais. Que países tomaram essas medidas que o senhor considera hoje austeras demais e quais foram essas medidas?
Algumas medidas podem ter sido duras demais, mas veja o Brasil gerado por elas. O país viveu um período difícil com a moratória, saiu dela, renegociou a dívida quando FHC era ministro da Fazenda e imediatamente depois o Plano Real foi anunciado.
A economia foi estabilizada, a inflação combatida e, a partir de então, o Brasil não parou mais de avançar. Levou tempo e foi difícil de realizar, mas eu acho que o Brasil tomou as medidas certas. O país teve sorte de ter tido líderes fortes nos níveis presidencial e financeiro.
Os economistas brasileiros estão entre os melhores do mundo, e essas são pessoas que deveriam estar dando conselhos para os europeus. Mas os europeus não estão interessados em ouvir.
Outra coisa é que a população do país deve estar convencida sobre os programas, que são sempre duros... no caso da Grécia, isso não está claro. Uma das coisas que o FMI apontou, não sei se do jeito certo, é que você tem que ter um plano que leve ao crescimento.
A única maneira de convencer as pessoas sobre reformas para fortalecer as instituições e o sistema financeiro e medidas para tornar a economia mais competitiva é mostrar que assim se consegue crescimento.

O senhor acha que os planos dos anos 80 colocaram a ênfase devida no crescimento? E os planos na Europa hoje?
O Plano Brady [batizado com o sobrenome do então secretário do Tesouro dos EUA, Nicholas Brady] focou o crescimento. E, no período anterior, tentamos ganhar tempo para que os países fizessem as reformas necessárias. Não está claro ainda o quanto os planos europeus hoje focam o crescimento.
Você precisa de um equilíbrio entre a necessidade de cortar gastos e de envolver o setor privado, que tem que ser convencido a investir. E ele só investe se tiver confiança.
Os argumentos que apresentei em relação a tempo, liderança, convencimento da população e combate ao contágio são os que acho que os europeus deveriam observar e que foram os que aprendemos com a crise da dívida da América Latina e da Ásia.

Qual foi a responsabilidade dos bancos na crise de 2008 e 2009? E como avalia o resgate feito pelo governo americano?
O que aconteceu é que o Federal Reserve se certificou de que os bancos tivessem suficientes liquidez e capital. Funcionou. É o que tentamos dizer aos europeus: deveriam ter agido mais cedo, antes que a crise ficasse tão séria. Eles escolheram não fazê-lo.
Você pode criticar a implementação [do resgate nos EUA], mas foi a coisa certa a fazer. E os bancos pagaram o que deviam ao governo. Aprendemos a tomar medidas regulatórias para evitar uma crise na mesma intensidade da de 2007 e 2008. Todo mundo teve responsabilidade nela: bancos, agências de risco, reguladores.

O senhor acha que o Banco Central Europeu tem de comprar títulos da dívida dos governos, baixar os juros de financiamento de Grécia, Portugal, Espanha e Itália e, assim, conter a crise europeia?
Disse desde o começo que os europeus estão cobrando muito desses países. Você não pode ter taxas de juros proibitivas. Acho que eles erraram não estendendo as dívidas com juros menores.
Dei conselhos ao [George] Papandreou e ele não me ouviu. Os gregos pensaram que eram diferentes. Eles precisam cortar suas dívidas, precisam de prazos muito maiores e taxas de juros menores. 2012 marcará o quarto ano de encolhimento do PIB grego. E isso será duro.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O ano de 2011 foi terrível. Será que 2012 será melhor?


Este texto foi publicado originalmente pelo The Washington Post e nesta data no O Estado de S. Paulo. É mais um texto que postamos sobre o que poderá acontecer neste 2012. 

Nesta mesma época, há um ano, os analistas corriam para atualizar as previsões para o panorama econômico que nos aguardava em 2011. Todas as engrenagens pareciam estar chegando à posição certa para possibilitar que 2011 fosse o ano em que a recuperação econômica começaria com força. Parecia garantido apostar num crescimento de 3% e 4% pareciam ser mais do que plausíveis.

Mas, então, a realidade se impôs. Os primeiros dados econômicos de 2011 foram atribuídos pelos analistas ao azar: primeiro, pesadas tempestades de inverno, depois um acentuado aumento no preço da gasolina decorrente da instabilidade no Oriente Médio, o terremoto seguido de tsunami no Japão, o agravamento da crise europeia de endividamento, o acirrado debate envolvendo a elevação do teto da dívida nos Estados Unidos.

Mas, com o início do ano novo - tudo indica que o crescimento total em 2011 será de aproximadamente 1,8%, se as previsões para o quarto trimestre se mostrarem corretas -, a grande lição econômica do ano passado é a de que as forças que limitam o desempenho da economia americana são maiores do que previram há apenas 12 meses aqueles que ganham a vida com esse tipo de análise.

O verdadeiro motivo pelo qual 2011 foi tão frustrante não foi o azar.

O problema é que os obstáculos que afetam a economia americana são tão complicados que o país só poderá obter um crescimento robusto quando tudo der absolutamente certo. Os analistas não perceberam o quão profundamente a confiança das empresas e dos consumidores fora abalada.

O sistema político se mostra mais disfuncional, arrastando-se de uma crise inventada até a próxima, incapaz de tomar decisões simples, que dirá as difíceis. Problemas no financiamento das hipotecas e uma ofensiva de execuções de dívidas imobiliárias impediram a recuperação do mercado imobiliário, enquanto os dados demográficos sugeriam que tal recuperação estaria próxima.

As boas notícias: não houve duplo mergulho recessivo. A recuperação, iniciada há dois anos, parece suficientemente entrincheirada a ponto de os desafios terem apenas retardado o crescimento, em vez de levar a uma contração.

Ao mesmo tempo, um crescimento tão lento - muitos analistas preveem um quadro parecido para 2012, com projeções na casa dos 2,5% - não é suficiente para reduzir gradualmente o desemprego. Haverá pouca margem de erro para a economia.

Em outras palavras, a julgar pelos ventos contrários, será preciso que tudo dê certo para que seja possível o tipo de crescimento robusto capaz de transformar o momento atual numa recuperação real, e não apenas no sentido técnico ao qual os economistas se referem.

A meta de todo governante encarregado de elaborar políticas econômicas é (ou deveria ser) fazer com que as conversas nas mesas de jantar nas festas de fim de ano fossem a respeito daquele tio que, depois de tanto tempo desempregado, finalmente encontrou um trabalho; do primo que acabou de se casar e conseguiu comprar uma casa; do avô que finalmente achou que já tinha juntado dinheiro o bastante para se aposentar.

Algumas perguntas que pairam sobre a economia para o ano de 2012 vão determinar se é assim que as coisas serão ou se teremos outro ano de travessia pelo atoleiro - ou pior.

Será que o sistema político americano vai se comportar?

Em 2011, a política nos EUA viveu momentos tão feios que chegaram a prejudicar a confiança e atrapalhar as perspectivas econômicas. Uma das chaves para uma maior prosperidade econômica em 2012 será uma administração mais organizada e inspiradora de confiança no governo mais poderoso do planeta.

Tivemos a batalha de abril, envolvendo a questão dos gastos, cujo desfecho quase levou o governo à paralisia. A disputa de dezembro teve como foco a continuidade de cortes nos impostos colhidos na fila de pagamento com os quais ambos os partidos tinham concordado, em princípio. Mas o pior foram as ameaças apocalípticas feitas em meados do ano quando os republicanos ameaçaram vetar um aumento no teto da dívida - cujo significado seria uma moratória na dívida americana - a não ser que conseguissem fazer valer sua posição quanto a expressivos cortes nos gastos.

Mesmo depois que um acordo foi estabelecido, a Standard & Poor"s rebaixou a classificação da dívida dos EUA, atribuindo a decisão à diminuição na "eficácia, estabilidade e previsibilidade" das políticas do governo americano.

Não por acaso, a criação de empregos e uma série de outros indicadores econômicos sofreram o impacto, apresentando queda justamente no momento em que a questão do teto da dívida começou a pegar fogo. Diante do processo, os executivos disseram sentir um clima generalizado de exasperação. Existe um importante debate envolvendo o papel que o governo americano deve desempenhar na vida dos cidadãos do país e o volume de impostos que deve ser pago por isto _ mas aqueles que respondem pelas contratações preferem que tal debate se desenrole sem a ameaça de moratórias e rebaixamentos.

Em 2012, seria bom para a economia se o Congresso americano e o governo Obama chegassem a acordos para manter o país funcionando sem tanta pirotecnia. É difícil que isso ocorra. Pense no profundo cisma entre os dois partidos quanto à direção que o país deve seguir, acrescente a ele a politicagem de um ano eleitoral, e imagine o resultado. A situação vai ficar feia.

Será que os líderes europeus serão capazes de encontrar um equilíbrio entre as demandas de todos os países?

O destino da economia americana está - num grau surpreendente e algo assustador - nas mãos da chanceler alemã, Angela Merkel, do presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, e dos outros líderes europeus que vão decidir, coletivamente, se o continente vai solucionar seus problemas financeiros ou permitir que eles escapem de vez ao controle.

O padrão tem se repetido nos últimos dois anos: quando parece que a crise europeia de endividamento está se agravando, o impacto logo se faz sentir do outro lado do oceano. Primeiro, o mercado americano de ações despenca - as empresas americanas têm muitos fregueses na França, na Itália e na Espanha, afinal. E, em questão de meses, a criação de empregos perde força e o país entra numa nova estagnação econômica, um quadro que se tornou bastante comum desde o fim da recessão, em meados de 2009.

Foi o que ocorreu no primeiro semestre de 2010 e novamente no início de 2011. Resta saber se a Europa será um fator negativo ou positivo para a situação do crescimento dos EUA em 2012.

A resposta está com os líderes europeus. Os funcionários do governo americano, principalmente o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, serão uma câmara de eco e uma fonte de pressão para que sejam adotadas medidas - e não participantes encarregados de tomar decisões.

O cenário mais provável indica que a Europa - que já parece estar em recessão - continuará mancando no sentido da criação de uma união fiscal mais abrangente, para acompanhar a união monetária já instalada.

Isso vai significar que os países europeus terão de abrir mão de parte do seu controle sobre os impostos, gastos e empréstimos, recebendo em troca um ganho gradual de confiança na certeza de que não haverá mais países como a Grécia, tomando de empréstimo somas muito acima da sua capacidade de quitá-las.

Mas, mesmo dentro desse cenário provável, não houve linhas retas nesta crise.

Durante mais de dois anos, num número tão grande de reuniões de cúpula que os participantes encontram dificuldade em mantê-las organizadas na cabeça, foram necessários um declínio dramático no mercado financeiro e o flerte dos líderes europeus com o desastre para que medidas fossem tomadas pouco antes de se tornar tarde demais para evitar o colapso da zona do euro - e as décadas de esforços no sentido de uma Europa mais unificada.

Será que a China vai conseguir fazer um pouso suave?

A crise na Europa não é a única ameaça à economia americana vinda do exterior. Preocupantes sinais observados nos últimos meses sugerem que o colosso do crescimento chinês estaria perdendo força, algo que aumenta os riscos para os Estados Unidos e para o restante do mundo.

A China demonstrou a solidez de uma pedra durante toda a tumultuada década passada, com a resposta ágil do governo à crise de 2008 e a sua ascensão enquanto fonte de estabilidade para a ordem econômica global.

A pergunta é se os líderes chineses serão capazes de conduzir a economia do país a um pouso suave, preparando mudanças econômicas há muito necessárias sem incorrer numa estagnação do crescimento.

Será que a China conseguirá buscar uma maior dependência em relação à demanda doméstica por bens de consumo e serviços, afastando-se das exportações e do setor imobiliário, sem provocar uma grande recessão capaz de por em risco o crescimento global? A resposta vai ajudar a determinar o grau de saúde da economia americana em 2012 e no futuro.

Recuperação de 2012: cuidado, frágil.


Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do Financial Times.  Este artigo foi publicado no Valor Econômico de hoje.

O que 2012 reserva para a economia mundial? Comecemos por examinar os combalidos países de alta renda. Há algum motivo para esperar recuperações saudáveis? Não exatamente. O desfecho na zona do euro poderá ser um desastre que se disseminará pelo mundo inteiro. Mesmo a recuperação dos Estados Unidos tende a ser frágil. A sombra lançada pelos fatos anteriores a 2007 se dissipa lentamente.

O consenso de dezembro entre as previsões é sombrio. As opiniões mais recentes sobre o possível crescimento neste ano estão muito abaixo dos prognósticos de um ano atrás. Isso é especialmente verdade no que se refere à zona do euro, cujas projeções apontam para um mergulho na recessão. As economias da Itália e da Espanha deverão sofrer contração, enquanto a da França e a da Alemanha produzirão um crescimento desprezível e o Reino Unido ficará na mesma situação. Apenas o Japão e os Estados Unidos deverão exibir algo que se aproxima de um crescimento econômico razoável este ano. No caso dos Estados Unidos, seu crescimento foi projetado em 2,1% em dezembro, superior ao 1,9% de novembro.

Ponhamos esse desempenho em contexto. No terceiro trimestre de 2011, o Canadá era o único membro do G-7 cujo PIB estava acima de seu pico do pré-crise. As economias dos Estados Unidos e Alemanha estavam ligeiramente acima de seus picos do pré-crise, enquanto a da França estava ligeiramente abaixo. Reino Unido, Japão e Itália estavam muito abaixo de seus picos do pré-crise. Recuperação? Que recuperação?

Mas a taxa de juros mais alta agora adotada pelos quatro bancos centrais mais importantes é a do Banco Central Europeu (BCE), de apenas 1%. As demonstrações de resultados desses bancos centrais também se expandiram drasticamente. Além disso, entre 2006 e 2013, a relação de dívida pública bruta sobre o PIB vai dar um salto de 56 pontos percentuais no Reino Unido, de 55 pontos no Japão, de 48 pontos nos EUA e de 33 pontos na França. Por que medidas tão drásticas apresentaram resultados tão modestos?

Sobre isso grassam discussões revestidas de uma boa dose de carga ideológica. O paradigma teórico dominante sustenta que uma crise financeira não pode acontecer e não deve preocupar, se de fato acontecer, pelo menos desde que não se permita que a base monetária em conceito amplo despenque. Segundo esse ponto de vista, as únicas coisas que atualmente sustentam as economias são os elementos de rigidez estrutural e as incertezas induzidas pela política econômica. Na minha opinião isso é uma história da carochinha baseada em teorias que reduzem o capitalismo a uma economia de escambo encoberta por um diáfano véu monetário.

Muito mais convincentes, para mim, são as opiniões que aceitam que as pessoas cometem erros relevantes. A grande divisão é entre aqueles - os austríacos - que sustentam que os erros são cometidos pelos governos, enquanto que a solução é deixar o distorcido edifício financeiro vir abaixo, e aqueles - os pós-keynesianos - que sustentam que uma economia moderna é intrinsecamente instável, enquanto que deixá-la vir abaixo nos levaria de volta à década de 1930. Faço parte, decididamente, deste último grupo.

Em sua obra-prima presciente de 1986, "Stabilizing an Unstable Economy" (""Estabilizando uma Economia Instável", editado no Brasil em 2010), o falecido Hyman Minsky formulou sua hipótese da instabilidade financeira. Janet Yellen, vice-presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano), observou em 2009 que "com a turbulência reinante no universo financeiro, a obra de Minsky se tornou leitura obrigatória".

O que torna sua obra imprescindível é o fato de ela vincular as decisões de investimento, orientadas por um futuro intrinsecamente incerto, às demonstrações de resultados que as financiam e, portanto, ao sistema financeiro. Na opinião de Minsky, a alavancagem e, portanto, a fragilidade - são determinadas pelo ciclo econômico. Um longo período de tranquilidade eleva a fragilidade: as pessoas subestimam os perigos e superestimam as oportunidades. Minsky teria advertido de que a "grande moderação" contém os germes de sua própria destruição.

Os anos que antecederam 2007 assistiram a um extraordinário ciclo de crédito privado, notadamente nos Estados Unidos, Reino Unido e Espanha, lastreado no aumento dos preços dos imóveis residenciais. O estouro dessas bolhas levou a uma explosão dos déficits públicos, em grande medida de forma automática, como previra Minsky. Esse foi um dos três mecanismos de política econômica que evitaram um mergulho numa grande depressão. Os outros foram as intervenções financeira e monetária. As economias ainda estão enfrentando dificuldades para chegar a um ajuste pós-colapso. Com as taxas de juros próximas a zero, os déficits públicos de soberanias idôneas para fins de crédito oferecem três formas de ajuda - exigir, desalavancar e elevar a qualidade dos ativos privados.

Em que medida a desalavancagem avançou? Nos Estados Unidos, avançou bastante. No terceiro trimestre de 2011, a relação da dívida bruta do setor financeiro sobre o PIB estava no nível registrado em 2001 e a relação dívida das famílias sobre o PIB estava no nível registrado em 2003. Além disso, observa o Goldman Sachs: "Acreditamos que o número de imóveis residenciais com obras iniciadas provavelmente já chegou ao seu nível mais baixo, enquanto os preços nominais desses imóveis deverão alcançar esse nível no decorrer de 2012." Os Estados Unidos estão agora preparados para a recuperação, embora limitada pelo prematuro aperto fiscal, pelo processo de desalavancagem em curso, pelos riscos por que passa a zona do euro e, talvez, pela alta dos preços do petróleo. A recuperação se sustentará sobre o que ainda é uma economia em desequilíbrio.

Mas a fragilidade da zona do euro é maior. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê a redução de 1,4% do PIB do déficit público estrutural da zona do euro entre 2011 e 2012, comparativamente à de apenas 0,2% prognosticada para o PIB nos Estados Unidos.

Mas o grande perigo para as economias mais fracas da zona do euro é que os setores público e privado tentarão cortar despesas simultaneamente. Essa é a receita certa para colapsos profundos e prolongados. As soberanias não idôneas para fins de crédito estão enredadas no esforço provavelmente fadado ao fracasso de fortalecer sua posição fiscal na ausência de um setor privado e de fatores de compensação externos adequados. Para esses países uma recessão da zona do euro como um todo será uma calamidade: ela impedirá que realizem o ajuste externo de que necessitam. Contra esse pano de fundo, a oferta do BCE de financiamento barato de três anos a bancos que poderão reemprestar para soberanias combalidas é pouco mais do que um paliativo - inteligente, mas inadequado.

Os países de alta renda vêm realizando uma série de experimentos fascinantes. Um foi com a desregulamentação do setor financeiro e com o crescimento puxado pelo mercado de imóveis residenciais. Fracassou. Outro foi com uma reação fortemente intervencionista à crise financeira de 2008. Funcionou, mais ou menos. Outro ainda é com a desalavancagem do pós-crise e uma volta a configurações fiscais e monetárias mais normais. Ainda não se chegou a uma conclusão sobre esse esforço. Na zona do euro, no entanto, essa mudança para a austeridade fiscal corre paralelamente a um experimento ainda maior: a construção de uma união monetária em torno de um núcleo estruturalmente mercantilista entre países dotados de solidariedade fiscal desprezível, sistemas bancários frágeis, economias pouco flexíveis e graus divergentes de competitividade. Boa sorte em 2012. Todos precisarão. 

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Os balanços e as promessas de 2012.


Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras no VALOR ECONÔMICO. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. 

Iniciada no segundo semestre de 2007 e acelerada no infausto episódio da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, a crise não dá sinais de arrefecer. Alguns analistas, como Krugman, Roubini, Michel Aglietta, Martin Wolf e Cláudio Borio avançaram na compreensão do fenômeno ao buscar sua gênese nas transformações ocorridas nas relações indissociáveis entre a esfera monetário-financeira e a chamada "economia real".

No ciclo de expansão recente, combinaram-se métodos inovadores de "alavancagem" financeira, valorização imobiliária, a migração da produção manufatureira, a ampliação das desigualdades, insignificante evolução dos rendimentos da população assalariada e dependente e a degradação dos sistemas progressivos de tributação. A lenta evolução dos rendimentos acumpliciou-se à vertiginosa expansão do crédito para impulsionar o consumo das famílias. Amparado na "extração de valor" ensejada pela escalada dos preços dos imóveis, o gasto dos consumidores alcançou elevadas participações na formação da demanda final em quase todos os países das regiões desenvolvidas. Enquanto isso, as empresas dos países consumistas cuidavam de intensificar a estratégia de separar em territórios distintos a formação de nova capacidade e a captura dos resultados.

No período de euforia, as grandes empresas deslocaram sua manufatura para as regiões em que prevaleciam baixos salários, câmbio desvalorizado e alta produtividade. Americanos e europeus correram para a Ásia e os alemães, mesmo frugais, saltaram para os vizinhos do Leste. Dessas praças, exportaram manufaturas baratas para os países e as regiões de origem. Embalados pela expansão dos gastos das famílias, realizaram lucros e acumularam caixa (em geral nos paraísos fiscais) além de cavar alentados déficits em conta corrente na pátria-mãe.

A queda do investimento na formação da demanda agregada dos países centrais foi mais do que compensada pela aceleração desse componente do gasto nos emergentes asiáticos. O balanço global registra a criação generalizada de capacidade produtiva excedente, particularmente nos setores de alta e média tecnologia afetados pela concorrência internacional.

Imagino que alguns olhares ainda reconheçam nessas transformações os movimentos da economia capitalista ou da economia monetária da produção, como Keynes a qualificava. Nela imperam o avanço da divisão do trabalho entre grandes, médias e pequenas empresas privadas, a ampliação das relações de assalariamento em suas várias formas, a dominância da moeda bancária produzida e reproduzida pela generalização das operações de débito-crédito e o impulso à expansão ilimitada dos mercados.

Essa economia pode ser concebida como grande painel de balanços inter-relacionados. Observados em suas interrelações, os balanços dos bancos, empresas e famílias, governos e setor externo registram, em cada momento, os resultados das decisões de financiamento e de gasto tomadas privadamente por cada um dos participantes do jogo do mercado. As decisões privadas de gasto apoiadas no crédito - o pagamento de salários e as compras entre as empresas - criam o fluxo de renda agregada da economia e, ao mesmo tempo, modificam a situação patrimonial dos protagonistas.

Na fase ascendente do ciclo, o fluxo de lucros e a poupança das famílias e do governo cuidam de garantir o serviço e estabilidade do valor das dívidas e dos custos financeiros. As poupanças decorrentes do novo fluxo de renda constituem o funding do sistema bancário e do mercado de capitais. Estes últimos, em sua função de intermediários, promovem a validação do crédito e da liquidez (criação de moeda) "adiantados" originariamente para viabilizar os gastos de investimento e de consumo.

Quando os motores reverteram, acionados pela queda nos preços dos imóveis e pela desvalorização dos ativos financeiros associados ao consumo, escancarou-se um estoque de endividamento "excessivo" das famílias, calculado em relação aos fluxos esperados de rendimentos e à derrocada do valor das residências. Afogadas nas sobras de capacidade à escala global, as empresas cortaram ainda mais os gastos de capital. Aliviadas da carga de ativos podres graças à ação dos bancos centrais, as instituições financeiras acumularam reservas excedentes, mas hesitam em emprestar até mesmo às suas congêneres. Entre a queda das receitas, a ampliação automática das despesas e o socorro aos bancos moribundos, os déficits fiscais aumentaram, engordando as carteiras dos bancos com a dívida dos governos. Já os desequilíbrios em conta corrente dos balanços de pagamentos não andam nem desandam.

Nos últimos três anos, as famílias com equity negativo e as empresas sobrecarregadas de capacidade correm para os confortos da liquidez e do reequilíbrio patrimonial. Os países e as regiões se engalfinham: uns para reverter os déficits externos, outros para manter seus superávits. Os governos ensaiam políticas de austeridade fiscal.

Tais decisões são "racionais" do ponto de vista microeconômico e virtuosas sob a ótica da gestão das finanças domésticas, mas perversas para o conjunto da economia. Se todos pretendem cortar gastos, realizar superávits e se tornar líquidos ao mesmo tempo, o resultado só pode ser a queda da renda, do emprego e o crescimento do "peso" das dívidas cujo "valor" está fixado em termos nominais. É o paradoxo da desalavancagem, também conhecido como o inferno das boas intenções, cujas chamas crepitam no conhecido, mas sempre descuidado território das falácias de composição. Se bem interpretadas, as falácias poderiam nos aconselhar a discernir os fundamentos macroeconômicos da microeconomia.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

2012 - tempos interessantes.


ROBERTO ABDENUR, hoje na FOLHA DE S. PAULO e sua análise sobre 2012. Para ele, continuarão a ser fonte de instabilidade as situações ainda indefinidas da Primavera Árabe.

Conforme o antigo vaticínio chinês, estamos fadados a viver, ao longo de 2012, "tempos interessantes". Tempos difíceis, de preocupações, riscos e incertezas. Depois de três décadas de prosperidade, o mundo entrou em 2008 em período de crise econômica com precedentes apenas na Depressão dos anos 1930.

A crise financeira transformou-se em crise "estrutural". Passou a abarcar, ademais dos problemas no setor bancário, as dívidas soberanas de países do euro. Estagnação e, em alguns casos, recessão marcarão o ano na Europa.

Nos Estados Unidos, alguma expansão ainda ocorrerá. Mas subsistem inquietações sobre até onde se conseguirá, com sistema político polarizado e em impasse, obter reativação econômica a curto prazo.

Na China, com a contração dos mercados europeu e americano, exportações e investimentos devem perder força. Enquanto o país procura aumentar o consumo interno, o crescimento cai da casa dos 10% para a dos 8% -índice perigosamente próximo do mínimo necessário para evitar descontentamento. E resta ver até que ponto possa a economia evitar o risco de estouro do que parece ser uma bolha imobiliária.

O Brasil precisa fomentar as forças domésticas para compensar a perda de mercados (sobretudo o de alguns produtos vendidos à China, como minério de ferro) e de créditos externos. Em quadro de generalizadas dificuldades e baixo crescimento na economia internacional, precisaremos esforçar-nos para manter crescimento de entre 3 e 4%.

No plano político internacional, continuarão a ser fonte de instabilidade as situações ainda indefinidas da Primavera Árabe no Egito, Síria, Iêmen e partes do Golfo, como no Bahrein. Novos desdobramentos podem dar-se no conflito entre israelenses e palestinos. E deverão ganhar força as tensões em torno do Irã, por conta do programa nuclear em acentuada evolução e do que representa Teerã como perigo para Israel e para a estabilidade regional.

O futuro do Iraque após a retirada norte-americana se mostra incerto. Não é de todo impossível a eclosão de uma guerra civil.

Uma certa guerra fria já em curso entre Irã e países do Golfo, de uma parte, e EUA, de outra, pode chegar a entreveros militares de graves repercussões para a economia global, pelos efeitos sobre o petróleo.

Com a estagnação nos EUA e na Europa, continuará na direção da Ásia-Pacífico o deslocamento dos eixos principais de dinamismo econômico. Mas a região será também palco de novas tensões. Há a incógnita da agora renovada imprevisibilidade do governo norte-coreano pós-Kim Jong-il. Prossegue a surda, mas crescente disputa por espaços geopolíticos entre a China e os EUA. E, mais ao Sul, entre Índia e China.

Uma China que tenderá a beneficiar-se do distanciamento entre EUA e Paquistão e do possível surgimento de um Afeganistão que não mais terá mais presença americana.

Em meio a isso, a grande incógnita: que desfecho terá a eleição presidencial nos EUA. Se a continuidade, num segundo mandato de Obama, de um mínimo de sobriedade e comedimento no plano externo, ou o retrocesso para posturas unilaterais e agressivas, como pregam pré-candidatos republicanos.

Serão tempos interessantes, sem dúvida.

A luta continua.


MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO de hoje. 

A trégua será passageira; no início do ano os governos da Europa voltarão aos mercados para rolar dívidas

De certa forma, 2011 chega ao fim parecendo 2001: naquela época, ninguém no mercado, ou no público em geral, tinha mais paciência com a crise argentina; agora, o fastio refere-se à trama europeia.

Como o risco sistêmico e os recursos envolvidos são incomparavelmente maiores, a tendência é que a crise europeia dure mais tempo do que a argentina. Além do que, gerações de administradores públicos europeus construíram suas carreiras sobre o projeto da união monetária -logo, uma capitulação seria muito custosa.

Os eventos recentes representam uma tentativa de recolocar o problema em um estágio crônico, visto que a fase aguda, se prolongada, tende a levar a um desenlace desordenado.

No que tange ao sistema bancário, foi notável a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de realizar operações de suprimento de liquidez de três anos, reduzir o recolhimento compulsório e, importante, relaxar os critérios para aceitação de garantias bancárias -que podem chegar a incluir empréstimos, em vez de apenas títulos de alta liquidez e de baixo risco.

Tais medidas devem reduzir, ainda que sem eliminar por completo, o risco de um "momento Lehman" europeu. Mas o progresso na direção do reforço das políticas fiscais foi bem mais limitado.

O resultado da cúpula de 8 e 9 deste mês mostrou avanços parciais na questão do aumento da disciplina fiscal, mas não logrou convencer os mercados, em parte porque a estrutura de monitoramento e sanções pode padecer de vulnerabilidades políticas similares às que viciaram a implementação do Pacto de Estabilidade desenhado nos anos 1990.

Mas, em parte, o desapontamento com essa última reunião de cúpula reflete dúvidas mais fundamentais sobre a solvência de diversos países do continente a médio prazo, que estão relacionadas às perspectivas de crescimento muito ruins.

Simplificando: a sustentabilidade da dívida depende da comparação entre a taxa de crescimento do produto nominal (que determina o ritmo de crescimento das receitas) e a taxa de juros cobrada sobre a dívida. Quanto maior for o crescimento do produto e menor for o encargo de juros, mais fácil será estabilizar ou reduzir a dívida.

Comparado com o caso brasileiro, salta aos olhos que o custo do financiamento da dívida de países como Espanha e Itália ainda é relativamente baixo, inferior a 10% ao ano. Ocorre que as perspectivas de crescimento dessas economias são desalentadoras.

A taxa média de crescimento da Espanha foi de 2,4% entre 2000 e 2010, com desempenho bastante expressivo, expansão média de 3,5%, durante o boom imobiliário de 2003 a 2007. Esse é precisamente o problema: os mercados questionam a dependência do crescimento espanhol em relação ao setor de construção.

A situação italiana é mais dramática. A taxa de crescimento média entre 2000 e 2010 foi de meros 0,6% ao ano -ou 1,5%, se quisermos excluir o período da crise. Com isso, não é necessária uma taxa de juros muito elevada para colocar a dívida em uma trajetória insustentável.

Ainda assim, com o BCE atuando como bombeiro, mirando os focos de incêndio mais graves, e tendo a maioria dos países da região já completado seus planos de financiamento para o ano, um período de trégua pode ocorrer.

Mas a trégua pode ser passageira. Já na segunda metade de janeiro, e em especial a partir de fevereiro, os governos da Europa terão de voltar aos mercados. A Itália, por sinal, terá de fazer a rolagem de € 53 bilhões (e a Espanha, de € 14 bilhões) no mês.

Até lá, ou os governos do continente avançam convincentemente em uma agenda de reformas pró-crescimento (leia-se liberalização de mercados de trabalho e produtos, que ferem interesses politicamente poderosos) ou o bombeiro terá de atuar de forma muito mais intensa -a expansão monetária quantitativa europeia pode vir para evitar uma crise maior, e não como fruto de uma estratégia deliberada das autoridades.

Em outras palavras, para o BCE, a escolha pode vir a ser monetizar para não quebrar.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...