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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sofrimento sem nenhum benefício.


E por falar em Paul Krugman, abaixo sua coluna aqui publicada pela FOLHA. 

A Comissão Europeia confirmou aquilo que todos suspeitavam: as economias estudadas pela organização estão encolhendo, e não crescendo como dizem algumas pessoas. Ainda não se trata de uma recessão oficial, mas a única dúvida diz respeito à gravidade desse desaquecimento econômico.

E essa crise está atingindo nações que jamais se recuperaram da última recessão. Apesar de todos os problemas dos Estados Unidos, o produto interno bruto norte-americano finalmente superou o seu pico anterior à crise. Já na Europa isso não ocorreu. E o sofrimento enfrentado por algumas nações europeias tem uma intensidade digna da Grande Depressão: a Grécia e a Irlanda registraram quedas de produção de dois dígitos, a Espanha está com um índice de desemprego de 23% e a crise no Reino Unido já dura mais do que aquela da década de trinta.

Mas o pior é que os líderes europeus – e muitos indivíduos influentes aqui nos Estados Unidos – ainda estão apegados à doutrina econômica que foi a responsável pelo desastre.

A situação não tinha necessariamente de ser assim tão ruim. A Grécia enfrentaria problemas graves de qualquer maneira, independentemente de que decisões políticas fossem tomadas, e o mesmo aconteceria, em menor grau, com outros países da periferia europeia. Mas a situação tornou-se muito pior do que seria necessário devido à maneira como os líderes europeus, e de forma mais geral a elite política do continente, substituíram a análise pela moralização e as lições da história por fantasias.

Especificamente, no início de 2010, a austeridade econômica – a insistência em que os governos têm de cortar gastos mesmo diante de um alto índice de desemprego – tornou-se o mantra das capitais europeias. A doutrina afirma que os efeitos negativos diretos dos cortes de gastos sobre os empregos seriam compensados por mudanças no “nível de confiança”, que reduções rigorosas de investimentos gerariam uma onda de gastos por parte de consumidores e empresas, enquanto que as nações que não tomassem tais medidas amargariam fuga de capital e taxas de juros elevadas. Tem razão quem acha que tal receita poderia ter sido prescrita por Herbert Hoover. Foi exatamente o que ele fez.

Agora os resultados estão aí. E eles foram exatamente aquilo que análises econômicas feitas durante três gerações e todas as lições históricas indicaram que ocorreria. O aumento da confiança não passava de uma falsa história: nenhum dos países que cortaram gastos experimentaram o aquecimento previsto do setor privado. Em vez disso os efeitos deprimentes da austeridades fiscal foram reforçados pela redução dos investimentos privados.

Além do mais, os mercados de títulos continuam se recusando a cooperar. Até mesmo os pupilos mais notáveis da austeridade, países que, como Portugal ou Irlanda, fizeram tudo o que foi exigido deles, ainda se deparam com custos imensos para empréstimos. Por que? Porque a redução dos gastos deprimiu profundamente a economia dessas nações, solapando as suas bases fiscais a tal ponto que a proporção entre dívida e produto interno bruto, o indicador padrão do progresso fiscal, está ficando cada vez pior.

Enquanto isso, países que não embarcaram no trem da austeridade – dos quais os mais notáveis são Japão e Estados Unidos – continuam apresentando custos de empréstimos muito baixos, desafiando as previsões sombrias dos conservadores fiscais.

Mas nem tudo deu errado. No final do ano passado os custos de empréstimos espanhol e italiano dispararam, ameaçando provocar uma catástrofe financeira generalizada. Atualmente esses custos caíram, para o alívio geral. Mas essa boa notícia foi na verdade um triunfo para o campo contrário à austeridade: Mario Draghi, o novo presidente do Banco Central Europeu, desprezou os economistas que disseminam o medo da inflação e colocou em prática uma grande expansão do crédito, o que foi exatamente o que havia sido prescrito.

Sendo assim, o que será necessário para convencer a Congregação do Sofrimento, aquele grupo de pessoas dos dois lados do Atlântico que insistem em dizer que nós podemos prosperar por meio dos cortes de gastos, de que ela está equivocada?

Afinal, os suspeitos usuais não perderam tempo em decretar a morte da ideia de estímulo fiscal depois que os esforços do presidente Barack Obama não produziram uma queda rápida do desemprego – ainda que muitos economistas tivessem advertido que o pacote de estímulos do presidente era muito pequeno. No entanto, até onde eu posso dizer, a austeridade ainda está sendo considerada como medida responsável e necessária, apesar de ela ter, na prática, fracassado catastroficamente.

O fato é que nós poderíamos fazer muito para ajudar as nossas economias simplesmente revertendo a austeridade destrutiva que foi aplicada nos últimos dois anos. Isso se aplica até mesmo aos Estados Unidos, que evitaram medidas de austeridade drástica no nível federal, mas onde houve grandes cortes de gastos e empregos nos níveis estadual e municipal. Vocês se lembram de toda a agitação no sentido de determinar se havia suficientes projetos de construção para tornar viável um projeto de estímulo de grande escala? Bem, não se preocupem.

Tudo o que o governo federal precisa fazer para dar um grande impulso à economia é fornecer ajuda a governos da alçada estadual e municipal, possibilitando que esses governos voltem a contratar as centenas de milhares de professores que foram demitidos e que eles reiniciem os projetos de construção e manutenção que cancelaram.

Eu entendo que pessoas influentes estejam relutando em admitir que as ideias tidas como profunda sabedoria não passavam na verdade de uma loucura destrutiva. Mas é hora de colocar de lado todas essas crenças ilusórias nas supostas virtudes da austeridade em uma economia deprimida.

Playboy também é economia.

Na Playboy americana uma longa entrevista com o Nobel de Economia PAUL KRUGMAN http://www.playboy.com/magazine/playboy-interview-paul-krugman.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Romney não está preocupado.


Paul Krugman, no The New York Times, aqui publicado pela FOLHA. 

Se você é norte-americano e está enfrentando um período de dificuldades, Mitt Romney tem uma mensagem a lhe transmitir: ele não se incomoda com o seu sofrimento.

No começo da semana, Romney declarou a um entrevistador da rede de notícias CNN que "não estou preocupado com os muito pobres. Temos uma rede de segurança para atendê-los". O entrevistador não conseguiu ocultar seu espanto.

Diante das críticas que a declaração causou, o candidato alegou que não tinha querido dizer o que pareceu ter dito, e que suas palavras haviam sido tiradas do contexto. Mas era evidente que ele quis dizer o que disse. E quanto mais você considerar o contexto da declaração, pior a situação fica para ele.

Primeiro, alguns dias antes Romney negou que os programas de assistência aos pobres que ele posteriormente mencionaria como motivo para não se preocupar estivessem ajudando de maneira significativa.

Em 22 de janeiro, ele declarou que os programas de rede de segurança --sim, foram suas palavras liberais-- tem "imensos custos fixos" e que, devido ao custo de uma imensa burocracia, "parte relativamente pequena do dinheiro necessário àqueles que realmente precisam de ajuda, aqueles que não têm como cuidar de si mesmos, chega realmente a eles".

A alegação, como boa parte do que Romney diz, é completamente falsa.

Os programas norte-americanos de assistência aos pobres não têm burocracia ou custos fixos excessivos, ao contrário, por exemplo, das companhias privadas de seguros.

Como documentou o Centro de Prioridades Orçamentárias e Políticas, de 90% a 99% do dinheiro destinado aos programas de rede de segurança chegam realmente aos beneficiários.

Mas, mesmo desconsiderada a desonestidade de sua alegação inicial, como pode um candidato primeiro declarar que os programas de rede social não ajudam e depois, dez dias mais tarde, dizer que eles cuidam tão bem dos pobres que não há motivo para preocupação quanto ao bem-estar destes?

Além disso, se considerarmos essa imensa mancada quanto ao funcionamento real dos programas de rede de segurança, como poderíamos confiar na declaração de Romney de que consertaria a rede de segurança caso ela precisasse de reparos, depois que ele afirmou não estar preocupado com a situação dos mais pobres?

A verdade quanto a isso é que a rede de segurança precisa de reparos.

Ela oferece grande ajuda aos pobres, mas ainda assim não o suficiente.

O programa federal de saúde Medicaid, por exemplo, oferece tratamentos essenciais a milhões de cidadãos desafortunados, especialmente crianças, mas muita gente passa sem assistência.

Entre os norte-americanos cuja renda anual fica abaixo dos US$ 25 mil, mais de um quarto --28,7%-- não contam com qualquer forma de seguro-saúde. E não, eles não podem compensar essa falta de cobertura recorrendo aos prontos-socorros.

Da mesma maneira, os programas de assistência alimentar ajudam muito, mas um em cada seis dos norte-americanos que vivem abaixo do limiar da pobreza sofre de "baixa segurança alimentar".

A definição para essa condição é a de que "o consumo de alimentos é reduzido em determinados períodos do ano porque os domicílios não dispõem de dinheiro ou outros recursos para comprar comida". Em outras palavras, essas pessoas passam fome.

Por isso, precisamos reforçar nossa rede de segurança. Mas Romney deseja, na realidade, enfraquecê-la ainda mais.

Especificamente, o candidato apoia o plano do deputado Paul Ryan para cortes drásticos nos gastos federais, e dois terços desses cortes aconteceriam em detrimento dos norte-americanos de baixa renda.

E, se Romney diferenciou sua postura da adotada por Ryan, foi no sentido de cortes ainda mais severos na assistência aos pobres: sua proposta para o Medicaid parece envolver redução de 40% nas verbas, ante a distribuição atual.

Assim, a posição de Romney parece ser a de que não precisamos nos preocupar com os pobres graças a programas que ele insiste, falsamente, não ajudarem os necessitados, e que de qualquer modo ele pretende destruir.

Ainda assim, acredito em Romney quando ele se declarara despreocupado quanto aos pobres.

O que não acredito é quando ele se declara igualmente despreocupado quanto aos ricos, que estão "se saindo bem", segundo ele. Afinal, se ele acredita realmente nisso, por que propõe lhes dar ainda mais dinheiro?

E estamos falando sobre muito dinheiro. De acordo com o Centro de Política Tributária, uma organização apartidária, o plano tributário de Romney na prática elevaria os impostos de muitos norte-americanos de renda mais baixa e reduziria acentuadamente os impostos dos mais ricos.

Mais de 80% da redução de impostos beneficiaria pessoas que ganham mais de US$ 200 mil ao ano; e cerca de metade se destinaria àqueles que ganham mais de US$ 1 milhão ao ano.

O benefício tributário médio para os membros do clube do milhão seria uma redução de US$ 145 mil em seus impostos anuais.

E essas grandes isenções criariam um enorme rombo no orçamento, elevando o deficit em US$ 180 bilhões ao ano --o que tornaria necessários os severos cortes nos programas de rede de segurança.

O que nos conduz de volta à despreocupação de Romney. Podemos afirmar, sobre o ex-governador de Massachusetts e presidente da Bain Capital, que ele está desbravando fronteiras na política norte-americana.

Até mesmo os políticos conservadores costumavam considerar necessário fingir preocupação com os pobres. Vocês se lembram do "conservadorismo compassivo"? Romney, porém, deixou de lado esse fingimento.

Se as coisas continuarem assim, logo teremos políticos que admitem aquilo que parece óbvio há muito tempo: eles tampouco se preocupam com a classe média, e não estão e nunca estiveram preocupados com a vida dos norte-americanos comuns.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Os impostos dos ricos.


Leio PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO e o seu entendimento que os ricos devem pagar mais impostos. Espero que Krugman lembre-se que "quando o gravame do imposto vai além de uma importância suportável, torna-se insolúvel o problema de criar impostos que não desencorajem e desorganizem a produção". Isso escreveu Henry Hazlitt em meados de 1946, o que não o torna desatualizado.  

Vocês podem me achar esquisito, mas estou me divertindo com o espetáculo de Mitt Romney fazendo a dança dos sete véus -em parte por voyeurismo, claro, mas também porque é hora de discutir esse assunto.

O tema da dança são os impostos. Ainda que divulgar declarações de renda seja prática padrão entre candidatos, Romney jamais o fez.

Declarou que acredita pagar apenas 15% de sua renda em impostos e deu a entender que talvez divulgue sua declaração de 2011.

A questão mais ampla não é aquilo que as declarações de renda de Mitt Romney têm a dizer sobre ele, e sim o que elas têm a dizer sobre a política tributária dos Estados Unidos. Existe algum bom motivo para que os ricos arquem com uma carga tributária surpreendentemente leve?

Pois é o que acontece. Se Romney estiver dizendo a verdade, ele representa exemplo bem típico de norte-americano muito rico.

Desde 1992, o serviço de receita vem divulgando os dados de renda e impostos dos 400 norte-americanos com as declarações de valor mais elevado. Em 2008, o ano mais recente para o qual dados estão disponíveis, esse grupo pagou apenas 18,1% em imposto de renda federal.

O motivo principal para que os ricos paguem tão pouco é que a maior parte de sua receita toma a forma de ganhos de capital, tributados à alíquota máxima de 15%, bem abaixo da alíquota mais alta sobre os salários. Assim, a questão é determinar se os ganhos de capital de fato merecem tratamento tributário especial.

Os defensores dos baixos impostos sobre os ricos empregam basicamente dois argumentos: o de que impostos baixos sobre os ganhos de capital são uma norma estabelecida há muito tempo e que são necessários para promover o crescimento econômico e a criação de empregos. As duas alegações são falsas.

Quando você se informa sobre os impostos baixíssimos pagos por gente como Romney, é importante saber que nem sempre foi assim.

Os dias em que os muitos ricos pagavam impostos altos não são coisa do passado distante. Em 1986, Ronald Reagan -sim, Reagan- assinou uma reforma tributária que adotava a mesma alíquota máxima para os impostos de renda e sobre ganhos de capital: 28%.

As alíquotas baixíssimas hoje vigentes, as mais baixas desde os dias de Herbert Hoover, datam apenas de 2003, quando o presidente George W. Bush forçou a aprovação de um corte nos impostos sobre ganhos de capital e nos impostos sobre dividendos pelo Congresso, algo que ele conseguiu explorando a ilusão de um triunfo rápido no Iraque.

Existem argumentos teóricos para o tratamento especial aos ganhos de capital, mas também existem argumentos contrários.

No primeiro mandato de Bill Clinton, quando os muito ricos pagavam impostos bem mais altos do que agora, a economia criou 11,5 milhões de empregos, o que apequena qualquer ganho obtido até mesmo nos melhores anos do governo Bush.

Assim, a dança dos impostos de Romney está nos fazendo um favor ao destacar os favores insensatos, injustos e dispendiosos que a classe mais alta vem recebendo.

Em um momento no qual pessoas que se declaram sérias nos dizem que os pobres e a classe média têm de sofrer em nome da probidade fiscal, impostos assim tão baixos sobre os mais ricos são indefensáveis.

sábado, 31 de dezembro de 2011

Keynes estava certo.


PAUL KRUGMAN, em sua coluna no The New York Times, aqui publicado pela Folha de S. Paulo, neste 31.12.2011. 

O teste tem vindo de países europeus como Grécia e Irlanda, que tiveram que impor austeridade fiscal

"O momento de expansão, e não de retração, é a hora certa para o Tesouro Nacional ser austero."

Foi o que disse John Maynard Keynes em 1937, quando o BC americano estava a ponto de provar que Keynes estava certo ao tentar equilibrar o orçamento cedo demais, fazendo a economia americana entrar em profunda recessão.

Um governo que adota política de cortes numa economia em depressão faz a queda ser pior; a austeridade deve esperar até que a recuperação esteja bem encaminhada.

Infelizmente, no fim de 2010 e início de 2011, políticos e governantes em muitas partes do ocidente acreditavam que sabiam mais, e que nós deveríamos focar em deficits e não em empregos, ainda que nossas economias tivessem acabado de se recuperar da depressão pós-crise financeira. Agindo de forma anti-keynesiana, acabaram provando que Keynes estava certo mais uma vez.

Ao declarar que a economia keynesiana foi vingada, estou indo contra o saber convencional. Especialmente em Washington, a incapacidade do pacote de estímulos de Obama de gerar grande número de empregos é geralmente vista como prova de que gastos governamentais não conseguem produzir empregos.

Mas aqueles de nós que fizeram as contas corretamente perceberam desde o início que a Lei de Recuperação e Reinvestimento de 2009 era restrita demais, dada a profundidade da queda. E também previmos o consequente retrocesso político.

Portanto, o verdadeiro teste para a economia keynesiana não veio dos tépidos esforços do governo americano para impulsionar a economia, que foram largamente contrabalançados por cortes em níveis estaduais e municipais.

O teste tem vindo de países europeus como a Grécia e a Irlanda, que tiveram que impor severa austeridade fiscal como condição para receber empréstimos de emergência -e têm sofrido perdas econômicas do mesmo nível da Grande Depressão. Isso não deveria acontecer, segundo a ideologia que domina grande parte do nosso discurso político.

Em março passado, a parte republicana do Comitê Econômico Conjunto do Congresso divulgou relatório que ridicularizava as preocupações de que cortes em um momento de queda poderiam piorar a situação, argumentando que os cortes aumentariam a confiança de consumidores e de mercados, e isso sim poderia levar a um crescimento mais rápido, não mais lento.

A insistência em cortes imediatos continuou dominando o cenário político, com efeitos maléficos sobre a economia. É verdade que não houve novas grandes medidas de austeridade do governo federal, mas vimos muita austeridade "passiva" à medida que o pacote de estímulos de Obama saiu de cena e governos estaduais e municipais sem liquidez continuaram fazendo cortes.

Você poderia argumentar que Irlanda e Grécia não tinham escolha quanto à imposição de austeridade a não ser fazê-lo ou declararem-se inadimplentes e deixar o euro.

Mas outra lição de 2011 foi que os EUA tinham e têm uma escolha; Washington pode estar obcecado com a questão do deficit, mas os mercados financeiros estão, sim, sinalizando que nós deveríamos tomar mais empréstimos.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

China se transforma em mais um foco de perigo para economia mundial.


Paul Krugman, direto no UOL, seu artigo publicado no The New York Times.

Analisemos o seguinte quadro: o crescimento recente dependeu de um grande boom no setor de construção, alimentado pela disparada dos preços reais dos imóveis, e que exibia todos os sinais clássicos de uma bolha. Houve uma rápida expansão do crédito. Grande parte do crescimento não se deu por meio do sistema bancário tradicional, mas sim através do não regulado sistema de "shadow banking", que não está sujeito à supervisão governamental e não é lastreado por garantias do governo. Agora a bolha está estourando, e existem motivos concretos para que se tema uma crise financeira e econômica.

Estaria eu a descrever o Japão no final da década de oitenta? Ou os Estados Unidos em 2007? Poderia ser. Mas neste momento eu estou me referindo à China, que está se transformando em mais um foco de perigo em uma economia mundial que neste momento precisa de tudo, menos disso.

Eu tenho relutado em opinar sobre a situação chinesa, em parte porque é muito difícil saber o que está de fato ocorrendo lá. Todas as estatísticas econômicas são consideradas, na melhor das hipóteses, uma modalidade de ficção científica especialmente maçante. Mas os números referentes à China são mais fictícios do que os da maioria dos outros países. Eu recorreria a especialistas na China real para entender o que ocorre, mas é impossível encontrar dois especialistas que compartilhem o mesmo ponto de vista em relação àquele país.

Porém, mesmo os dados oficiais são preocupantes – e as notícias recentes são suficientemente dramáticas para fazer soar os alarmes.

O fato mais notável a respeito da economia chinesa nos últimos dez anos tem sido a maneira como o consumo domiciliar, embora ascendente, ficou bem para trás do crescimento geral da economia. Atualmente os consumidores chineses estão gastando apenas 35% do produto interno bruto, o que é cerca da metade do índice dos Estados Unidos.

Sendo assim, quem está comprando os bens e serviços produzidos pela China? Em parte, nós. À medida que a parcela da economia referente ao consumidor chinês foi declinando, a China passou a se basear cada vez mais nos superávits comerciais para manter o seu setor industrial à tona. Mas a questão mais importante sob o ponto de vista da China diz respeito aos gastos com investimentos, que dispararam para quase a metade do produto interno bruto.

A questão óbvia é: se a demanda por parte dos consumidores encontra-se relativamente fraca, o que motivou todo esse surto de investimento? A resposta, em grande parte, é que isso foi provocado por uma bolha imobiliária em constante expansão. O investimento imobiliário praticamente dobrou como parcela do produto interno bruto da China a partir de 2000, respondendo diretamente por mais da metade do crescimento geral dos investimentos. E sem dúvida o restante desse aumento diz respeito a firmas que se expandiram a fim de vender seus produtos para a aquecida indústria da construção.

E como é que nós sabemos de fato que essa expansão do setor imobiliário chinês se constitui em uma bolha? Ele manifesta todos os sinais: não apenas os preços crescentes, mas também aquele tipo de febre especulativa bastante familiar devido às nossas experiências de apenas alguns anos atrás – basta pensar na área litorânea da Flórida.

E existe outro paralelo com a experiência dos Estados Unidos: à medida que o crédito se expandiu, grande parte dele não foi derivada dos bancos tradicionais, mas sim do não supervisionado e desprotegido sistema de "shadow banking". Existem grandes diferenças quanto aos detalhes: o estilo norte-americano de "shadow banking" costumava envolver firmas famosas de Wall Street e instrumentos financeiros complexos, enquanto que a versão chinesa tende a ocorrer por meio de bancos clandestinos e até mesmo casas de penhora. Mas as consequências são semelhantes: na China, assim como nos Estados Unidos alguns anos atrás, o sistema financeiro pode estar muito mais vulnerável do que sugerem os dados sobre o sistema bancário convencional.

Agora essa bolha está visivelmente estourando. Qual será o estrago que ela provocará na economia chinesa e mundial?

Alguns analistas afirmam que não existe motivo para preocupação, que a China possui líderes fortes e inteligentes que farão tudo o que for necessário para enfrentar uma crise. Embora raramente se diga isso, o fato é que esses analistas acreditam que a China possa fazer o que bem quiser já que ela não tem que se preocupar com sutilezas democráticas.

Na minha opinião, no entanto, isso soa como as famosas últimas palavras antes do desastre. Afinal, eu me recordo muito bem de ter escutado palavras tranquilizadoras em relação ao Japão na década de oitenta, onde os brilhantes burocratas do Ministério das Finanças teriam tudo sob controle. E, mais tarde, ouvimos as garantias de que os Estados Unidos jamais repetiriam os erros que levaram à década perdida do Japão – quando na verdade nós estamos em uma situação ainda pior do que a do Japão dos anos oitenta.

As declarações das autoridades chinesas sobre a política econômica não me parecem ser nem um pouco sensatas. Em particular, a maneira como a China está agindo em relação aos automóveis estrangeiros – entre outras coisas, impondo uma tarifa punitiva sobre as importações dos Estados Unidos –, que em nada contribuirá para ajudar a economia do país, mas que envenenará as relações comerciais, não transmite a impressão de que aquele seja um governo maduro que saiba o que está fazendo.

E certos fatos sugerem que, embora o governo chinês possa não ser governado pelo estado de direito, ele tem o seu poder reduzido pela corrupção generalizada, o que significa que aquilo que ocorre de fato no nível local pode ter pouca semelhança com o que é ordenado em Pequim.
Eu espero não estar sendo necessariamente alarmista. Mas é impossível não se preocupar. A história da China parece-se muito com outras que temos presenciado em outros países. E a última coisa da qual precisamos em uma economia mundial que já está sofrendo com a bagunça na Europa é um novo epicentro de crise.

sábado, 17 de dezembro de 2011

O alarme de Krugman e a austeridade.


Amity Shlaes, é colunista da Bloomberg News e diretora do Four Percent Growth Project, no Bush Institute. Este artigo foi publicado especialmente para o Valor Econômico. 

Então, é oficial. O "The New York Times", ou pelo menos o colunista Paul Krugman, declarou que estamos em uma depressão mundial. E chegou bem a tempo para o Natal.

A democracia está em jogo, sustentou Krugman em sua coluna de 11 de dezembro e a Europa, social e economicamente, se inclinará ao fascismo, se não deixar de buscar uma "austeridade cada vez mais rigorosa, sem esforço de contrabalanço para promover o crescimento".

São suposições importantes e previsões assustadoras. Krugman, no entanto, sente-se à vontade em fazê-las porque diz ter evidências. Sua evidência de que a democracia europeia cambaleia em favor de uma repressão é o caso da Hungria, membro da União Europeia (UE), mas que ainda tem sua própria moeda, o florim. No país, o partido governista Fidesz defende políticas que suprimem a liberdade de expressão, a independência judicial e a mídia jornalística.

Quanto à teoria de que a austeridade desacelera o crescimento, Krugman evoca a Grande Depressão. Fazê-lo traz autoridade por si só, já que a Grande Depressão é misteriosa e sua força na imaginação pública é forte.

O colunista, frequentemente, faz referências ao relato em três estágios. No fim dos anos 20 ou início dos 30, o presidente dos Estados Unidos, Herbert Hoover, cometeu um erro fatal e impôs medidas de austeridade, na forma de aumentos de impostos e cortes orçamentários. A economia dos EUA faliu. O presidente Franklin Roosevelt veio, gastou e começamos a nos recuperar. Depois de 1936, Roosevelt hesitou e apertou o cinto governamental - de novo, a austeridade. Caímos em depressão econômica. A economia não voltou às taxas de crescimento de 1929 até o aumento de gastos da Segunda Guerra Mundial.

Nem todos entre nós concordam com os detalhes desse roteiro. Hoover, por exemplo, aumentou os gastos. Argumentar, no entanto, que a austeridade, caso tivesse sido promovida em grau suficiente, teria promovido o crescimento e a recuperação nos anos 30 é embarcar em uma aventura condicional vulnerável.

Há evidências de que a austeridade promoveu o crescimento no passado e não o fascismo. Esses exemplos podem ser menos conhecidos, mas sugerem que a austeridade pode trazer a recuperação com mais velocidade do que quando se gasta.

Um forte exemplo na história dos EUA é a recessão no início dos anos 20. O governo reagiu à desaceleração sem gastar; cortou-se pela metade. A recuperação foi tão rápida que poucas pessoas se lembram dessa recessão.

Para seguir o modelo de Krugman de selecionar um único país, podemos observar a Austrália dos anos 30. No início da década, a Austrália, assim como os EUA, sofria de deflação e desemprego acentuado. A renda nacional havia encolhido em todos os anos entre 1925 e 1932. Nesse ano, o índice de desemprego chegou a 19,7%. O governo considerou substituir o padrão-ouro com um "padrão-mercadorias", atrelado às commodities.

Os australianos se perguntavam se os gastos poderiam trazer a recuperação. O poderoso premiê de Nova Gales do Sul, J.T. Lang, procurou focar seus eleitores em um projeto de obras públicas, a grande ponte Sydney Harbour Bridge, que foi completada em 1932. Muitas autoridades imaginaram que ainda mais liquidez seria a resposta para os problemas da Austrália.

Como a escritora Anne Henderson destaca na nova biografia de Joseph Lyons, o primeiro-ministro do país na época, o governo federal australiano afastou-se da política de gastos e optou pela austeridade. A partir de 1932, Lyons liderou o país em meio a uma campanha de corte de orçamento para reduzir em 20% todos os gastos desvinculados, que o governo pode usar livremente, o que incluiu os salários do setor público. Lyons e outros líderes se comprometeram a pagar dívidas australianas, no que ficou conhecido como o "plano dos premiês".

"A Austrália converteu empréstimos imensos em Londres" e recomprou dívidas "para assegurar, aos que emprestavam dinheiro, a solidez da política da Austrália", contou-me Henderson, por e-mail. Os impostos foram elevados em uma campanha total para transformar o déficit federal em superávit. A Austrália permitiu-se apenas um ano de déficit.

De início, as pessoas disseram que Lang, e não Lyons, estava certo. De 1933 em diante, no entanto, a Austrália começou a recuperar-se. Em 1936, o desemprego havia recuado para cerca de 11%. E continuou em queda. A Austrália recuperou-se com muito mais velocidade que os EUA.

Em 1935, um Lyons triunfante navegou aos EUA, no cruzeiro italiano Renault, para relatar o sucesso de seu governo: "Tivemos de cortar salários e aposentadorias cruelmente durante o auge da Depressão", disse Lyons a repórteres no píer, em Nova York. Naquele momento, contudo, já estava recuperando as aposentadorias. Ao cortar, a Austrália deu à sua economia a chance de crescer e, à sua moeda a crucial credibilidade. Lyon pode ter elogiado Mussolini, mas a Austrália não virou fascista.

Outros contam a história da Austrália de forma diferente. Enfatizam a depreciação da libra australiana e a resultante melhora das relações de troca. Ou argumentam que a Austrália, pequena, e os EUA, um país poderoso, não são comparáveis.

A questão é, contudo, que esses tipos de dados, da Hungria à Austrália, precisam ser examinados cuidadosamente. Os roteiros normalmente conhecidos nem sempre são os certos.

E nem sempre são análogos ao presente. O experimento de austeridade de David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido, é recente demais para ser declarado como um fracasso. A recuperação pode ser lenta, como foi a da Austrália. O Reino Unido, no entanto, verá os benefícios a sua competitividade relativa criados pelos cortes mais cedo do que tarde. O dinheiro que evita a incerta área do euro fluirá para o Reino Unido.

Em resumo, só porque alguém evoca a Grande Depressão não significa que uma nova era fascista esteja sobre nós. Ou que é hora de uma "suspensão da descrença". 

Loucura monetária dos republicanos.


PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO e a confusão americana avisa que: estamos a caminho de nova Grande Depressão caso doutrina que predomina no partido for posta em ação.

A busca desesperada dos republicanos por um candidato à Presidência que não se chame Willard M. Romney parece continuar. As apostas em Gingrich perderam força no Iowa, ao menos. O próximo nome na berlinda é o do deputado Ron Paul.

Isso faz sentido, de certo modo.

As pessoas não confiam em Romney porque ele é visto como alguém que, cinicamente, assume a posição que acha que mais vai beneficiá-lo -acusação que é verdadeira.

Ron Paul, ao contrário, vem sendo altamente coerente. Aposto que você não encontrará videoclipes de alguns anos atrás em que ele diz o contrário do que afirma agora.

Infelizmente, Ron Paul vem mantendo sua coerência por ignorar a realidade, aferrando-se à sua ideologia apesar dos fatos que comprovaram o equívoco dessa ideologia.

E, ainda mais infelizmente, a ideologia de Ron Paul hoje domina o Partido Republicano, que antigamente era mais bem informado.

Ron Paul se identifica como alguém que acredita na teoria econômica dita "austríaca" -teoria que rejeita John Maynard Keynes, mas é quase igualmente veemente na rejeição às ideias de Milton Friedman.

Pois os austríacos veem a "moeda fiduciária" (dinheiro que é apenas impresso, sem ser respaldado por ouro) como sendo a raiz de todos os males econômicos.

Eles se opõem terminantemente ao tipo de expansão monetária que Friedman dizia que poderia ter evitado a Grande Depressão -e que foi feita por Ben Bernanke desta vez.

E ocorreu, de fato, uma enorme expansão da base monetária depois da queda do Lehman Brothers. O Fed começou a emprestar grandes montantes a bancos, além de comprar uma grande gama de outros ativos, numa tentativa (bem-sucedida) de estabilizar os mercados.

Os austríacos e muitos economistas de viés direitista tinham certeza quanto ao resultado disso: inflação devastadora. Um comentarista austríaco que vem assessorando Ron Paul chegou a avisar da possibilidade de uma hiperinflação ao estilo do Zimbábue no futuro próximo.

Então aqui estamos, três anos mais tarde. Como vão as coisas? Os preços ao consumidor subiram apenas 4,5%, o que significa um índice de inflação anual média de 1,5%.

Quem poderia ter previsto que imprimir tanto dinheiro provocaria tão pouca inflação? Bem, eu poderia -e previ. E também o fizeram outros que entendem a teoria keynesiana.

Mas seus partidários continuam a dizer, não se sabe como, que ele tem tido razão em relação a tudo.

Assim, poderíamos imaginar que o fato de terem errado tão feio sobre algo que é tão crucial em seu sistema de crenças teria feito os austríacos perder popularidade.

O que aconteceu, porém, é que a doutrina da "moeda lastreada" e a paranoia quanto à inflação tomaram conta do partido, apesar de a inflação prevista não se concretizar.

Ainda é muito improvável que Ron Paul se torne presidente. Mas sua doutrina econômica já virou, concretamente, a oficial do Partido Republicano, não obstante os acontecimentos terem mostrado que está totalmente equivocada.

E o que vai acontecer se essa doutrina acabar realmente sendo posta em ação?

Hello, Grande Depressão, estamos a caminho!

sábado, 26 de novembro de 2011

Nós somos os 99,9%.


PAUL KRUGMAN, hoje especialmente na FOLHA DE S. PAULO. 

A ideia de que a superelite nos EUA é composta por criadores de empregos é ciência econômica falha.

"NÓS SOMOS os 99%" é um grande slogan. Define corretamente a questão como sendo classe média X elite (em oposição a classe média X pobres). E combate a noção do establishment de que a desigualdade crescente se deve aos mais bem instruídos, que se saem melhor que os menos instruídos; os grandes vencedores nesta nova Era Dourada vêm sendo algumas poucas pessoas muito ricas, e não pessoas diplomadas.

Mas o slogan dos 99% ainda diz pouco. Uma grande parcela dos ganhos do 1% mais rico na realidade se concentra em um grupo ainda menor, o 0,1% mais rico -o milésimo mais rico da população.

Segundo relatório de 2005, de 1979 até esse ano, a renda líquida, ajustada para a inflação, dos americanos na faixa de renda mediana subiu 21%. O aumento equivalente do 0,1% mais rico foi de 400%.

Então, por que os republicanos defendem cortes ainda maiores nos impostos dos muito ricos, ao mesmo tempo em que avisam sobre deficit e exigem cortes dramáticos nos programas de seguro social?

A resposta de praxe é que a superelite é feita de "criadores de empregos" -ou seja, que ela faz uma contribuição especial para a economia. Isso é ciência econômica falha.

Afinal, em uma economia de mercado idealizada, cada trabalhador ganharia o equivalente ao que contribui para a economia por optar por trabalhar -nem mais, nem menos. Isso se aplicaria igualmente a operários que recebem US$ 30 mil por ano e executivos que ganham US$ 30 milhões. Não haveria razão para considerar que as contribuições de quem ganha US$ 30 milhões merecem tratamento especial.

Alguns dos muito ricos ficam muito ricos por produzir inovações que valem muito mais para o mundo do que a receita que ganham. Mas, se olharmos para quem realmente compõe o 0,1%, é difícil deixar de concluir que, de modo geral, a superelite ganha demais pelo que faz.

Quem são os membros do 0,1%? Muito poucos são inovadores como Steve Jobs; a maioria é formada por figurões de grandes empresas e executivos do setor financeiro, profissões longe de ter relação clara entre a receita da pessoa e a contribuição econômica que ela faz.

Salários de executivos, que subiram vertiginosamente, são definidos por conselhos diretores nomeados pelas próprias pessoas cujos ganhos eles determinam. CEOs de baixo desempenho recebem salários generosos. E executivos fracassados, muitas vezes, ganham milhões quando deixam empresas.

Enquanto isso, a crise mostrou que boa parte do valor criado pelo setor financeiro moderno era uma miragem. Nas palavras recentes de um diretor do Banco da Inglaterra, os retornos altos antes da crise simplesmente refletiram os riscos adicionais -não dos próprios especuladores, mas de investidores ingênuos ou contribuintes, que levaram prejuízo quando tudo deu errado.

Como observou o diretor: "Se assumir riscos adicionasse valor, os jogadores de roleta russa fariam uma contribuição desproporcional para o bem-estar global".

Será que os 99,9% deveriam odiar o 0,1%? De maneira alguma. Mas deveriam ignorar a propaganda sobre "geradores de empregos" e exigir que a superelite pague substancialmente mais em impostos.

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