segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Um novo paradigma para a dinâmica capitalista.


Paulo R. Haddad, Professor do IBMEC MG escreveu hoje no ESTADÃO.

A crise econômica e financeira iniciada em 2008 vem se aprofundando em escala global e não há no horizonte de curto prazo indicativos de que ela possa ser superada sem que o capitalismo venha a encontrar os caminhos de um novo paradigma para sua dinâmica de desenvolvimento sustentável.
Em contextos como este, o capitalismo não tende a sucumbir. Ao contrário, concentra suas energias político-institucionais e se reestrutura. Dada a experiência histórica de evolução do capitalismo, este novo paradigma pode estar associado, em princípio, à concepção e à implementação de uma nova onda de inovações.
Desde o século 18, as ondas de inovações de natureza schumpeteriana (novos processos, novos produtos, novos mercados, novas formas de organização produtiva) são o motor das grandes transformações estruturais do capitalismo. Essas ondas, que vão desde a introdução da energia a vapor nos sistemas produtivos até as redes digitais nas últimas décadas do século 20, trouxeram grande prosperidade para muitas nações, que se tornaram as mais desenvolvidas no cenário internacional.
Que sinais dispomos, atualmente, sobre qual seria a eventual onda de inovações que poderiam retirar as economias desenvolvidas e emergentes do imbróglio recessivo ou potencialmente depressivo em que se atolaram e gerar novos ciclos de expansão?
Essa é uma questão que mal começa a ser discutida pelos diferentes analistas da atual crise, uma vez que o seu pensamento se encontra contaminado e restringido por controvérsias sobre qual seria o modelo macroeconômico de curto prazo mais apropriado para iluminar as políticas econômicas a serem manipuladas para a superação da crise. Sem deixar de considerar que a consistência macroeconômica de curto prazo é vital para a estabilidade das economias de mercado, essa consistência é tão somente uma precondição para a dinâmica capitalista de longo prazo.
Uma observação preliminar se refere às cinco ondas de inovações que se desdobraram historicamente de 1785 até o fim do século 20. Todas resultaram em aumentos significativos na produtividade da mão de obra e multiplicaram o rendimento do trabalho por algumas centenas de vezes em relação aos valores que prevaleciam até a Primeira Revolução Industrial.
A sexta onda de inovações, que já tem avançado lenta e exponencialmente ao longo das três últimas décadas, deverá estar centrada num aumento radical na produtividade dos recursos naturais visando a ampliar a capacidade de suporte do planeta para acomodar a intensificação dos níveis de produção e de consumo de milhões e milhões de habitantes que estão se incorporando às economias de mercado.
Essa incorporação se dá pela via dos incessantes ganhos de produtividade resultantes de inovações científicas e tecnológicas; da irreversível entrada da China na lógica da economia capitalista; da melhoria da distribuição de renda e da riqueza em muitos países emergentes; etc. Somam-se, a tudo isso, os impactos destrutivos que as mudanças climáticas têm provocado sobre os ecossistemas mundiais, como os colapsos e desastres ecológicos que vêm crescendo em número e intensidade.
A sexta onda de inovações (biomimética, nanotecnologia verde, ecologia industrial, sistema de design integrado, etc.) deverá gerar uma nova dinâmica da economia de mercado, que vem sendo denominada capitalismo natural. Do ponto de vista histórico, a nova configuração do capitalismo pressupõe que se está criando uma nova revolução industrial que trará grandes benefícios para a sociedade: a diminuição da exaustão dos recursos naturais numa ponta da cadeia de valor; a diminuição dos níveis de poluição na outra ponta; e a formação de uma base para ampliar o emprego de qualidade em escala mundial.
Do ponto de vista da organização dos sistemas de mercado, este novo estilo do capitalismo propõe, também, um novo modelo industrial em que nem todos os produtos sejam apenas manufaturados e vendidos, mas que surja uma economia de serviços em que os consumidores adquirem serviços de bens duráveis por meio de aluguel e arrendamento. Desta forma, a indústria será responsabilizada pelo ciclo completo de materiais; deve lidar com os resíduos e os problemas resultantes de danos ambientais (toxicidade, segurança, etc.); deve recuperar os produtos e tratá-los como ativos; etc., o que termina por aumentar a produtividade dos materiais e da energia.
Finalmente, observa-se não mais um conflito entre mercados livres e desregulamentados, de um lado, e sistemas de planejamento de médio e de longo prazos, de outro, mas a sua integração e complementação nos processos de decisão públicos e privados.
O poder público poderá alterar por meio de mecanismos de intervenção indireta (política fiscal e financeira, regulamentações, etc.) os custos e os preços relativos que se formam nos mercados e, assim, estimular ou desestimular indicativamente a produção e o consumo dos bens e serviços, de acordo com sua contribuição positiva ou negativa para o processo de desenvolvimento sustentável

BC deve ter meta de desenvolvimento?


Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, doutor em direito econômico (USP) e professor de direito do Insper., escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO.

Frank Tamagna, economista italiano, funcionário do Federal Reserve System e radicado em Washington, escreveu, nos idos de 1950, um livro denominado Central banking in Latin America, que teve grande repercussão.
Nesse livro, o autor dedicou um capítulo inteiro à função de agente de fomento dos bancos centrais e recomendava que a autoridade monetária fosse também meio de realizações econômicas, de agente de fomento e fiadora do desenvolvimento nacional. (Capítulo VI - "Central banks and economic development", op. cit. Centro de Estudos Monetarios Latinoamericanos, p. 195-231)
Com o surgimento da inflação galopante nos anos 1970-80, a ideia foi simplesmente considerada absurda. O Banco Central deveria ter a única e muito definida função de zelar pela moeda e usar seu poder monetário para preservar seu valor. No entanto, com as crises mais recentes (e, curiosamente, com o recrudescimento da inflação), o assunto voltou à tona e granjeando simpatia. A revista The Economist, por exemplo, citou o atual trabalho do economista Scott Sumner, da Bentley University, que, revivendo a velha ideia de Tamanga e dos chamados desenvolvimentistas, clamou por inverter o papel dos bancos centrais. Segundo Sumner, em vez de os bancos centrais se valerem do seu arsenal para controlar a política monetária e as metas de inflação, como vêm fazendo desde seus primórdios, deveriam passar a considerar o produto nacional doméstico bruto, na sua expressão nominal.
A ideia de Scott Sumner é adotar uma "meta de desenvolvimento do produto", pela qual os banqueiros centrais deveriam receber como objetivo uma taxa nominal de crescimento, e a política monetária deveria afrouxar ou endurecer de acordo com as reações do produto doméstico.
Primeiro, é necessário alargar o entendimento sobre o que é a política monetária exercida por um banco central. A política monetária precisa ser definida como a atividade ligada ao controle da moeda e de sua oferta, visando determinados objetivos, como aqueles definidos pela política econômica. Um banco central regula a expansão dos meios de pagamento, elabora o orçamento monetário e utiliza todos os instrumentos de política monetária ao seu alcance (taxa de juros, recolhimento compulsório, taxas de redesconto e operações de compra e venda de títulos públicos no mercado aberto), além de ser também o guardião e administrador das reservas estrangeiras e, no nosso caso, o centralizador do câmbio.
Pois bem: mudar a meta dos bancos centrais não fará mudar também os instrumentos de política monetária de que essas instituições dispõem. Mesmo que o Federal Reserve continue aplicando algumas medidas, de certo modo, de maneira pouco convencional, como vem fazendo ("quantitative easing", ou seja, comprando ativos reais e afrouxando ainda mais a liquidez, enquanto mantém as taxas de juros próximas a zero), uma mudança de meta de inflação para meta de desenvolvimento apenas aceleraria o aquecimento da economia, se fossem mantidas as premissas de ampla liquidez. Caso contrário, haveria uma enorme e perigosa, perda de credibilidade.
Outro argumento proposto por Sumner trata da flexibilidade da atuação do banco central em épocas de crise. Para ele, mudar a meta implica obter maior estabilidade macroeconômica quando uma recessão se instala. Enquanto o produto doméstico cai mais dramaticamente, os preços relativos se ajustam com mais vagar. Isto significa que o banco central poderia manipular tais flutuações de forma mais eficiente, mesmo que isso possa acarretar maior volatilidade da inflação.
Ainda, outro argumento se refere ao potencial de redução de desemprego, política pública essencial em épocas de crise, e fundamental para reaquecer a economia. Mudar a meta, alega, é trazer o banco central para o time dos que apoiam a recuperação, e se ele estiver devidamente coordenado, a contribuição à economia é valiosa.
Aos problemas: primeiro, implícita está a tolerância com um pouco mais de inflação, debate antigo e pernicioso. Segundo, o que não faltou na crise de 2008-9 foi o ativismo dos bancos centrais em busca de manter a economia funcionando. Depois, os mecanismos de centrar a política na meta de inflação são conhecidos, os do desenvolvimento, não. Por exemplo, como ancorar as expectativas dos agentes quanto ao comportamento dos preços se não há parâmetros nem objetivos? Potencialmente, é muito mais difícil tratar de expectativas de crescimento do produto, além de ser igualmente complexo compreendê-las mais objetivamente (e medi-las), dependendo de muitas outras variáveis exógenas à moeda. Portanto, essa não é uma boa saída e, como todas as ideias simpáticas e simplistas, pode acabar com a reputação de banqueiros centrais, homens prudentes e conservadores que aprenderam ao longo dos séculos que preservar o valor da moeda é um bem maior a ser defendido.

domingo, 25 de setembro de 2011

Dia D de Dilma.


Marco Aurélio Cabral, professor da Universidade Federal Fluminense, escreveu no VALOR ECONÔMICO sobre o “Dia D de Dilma”.

Contrariados como meninos mimados, participantes do "mercado" se exasperam nas críticas às supostas interferências políticas sobre o Banco Central, com alardes sombrios sobre o futuro próximo de todos os brasileiros. Ocorre que Banco Central independente é suposto como aquele que resiste a pressões políticas, seja de governos ou de "mercados", para o benefício dos interesses difusos, usualmente silenciosos no debate sobre juros. Nestes termos, ao reduzir juros em 31 de agosto, o Poder Executivo parece alinhar expectativas do "mercado" com o pragmatismo do agravamento da situação econômica internacional. Crises históricas são fenômenos distintos de pânico nos "mercados". Desdobram-se em acontecimentos aparentemente contraditórios se percebidos como simples sobe e desce de indicadores. Vistas de longe, as ondas longas do historiador Fernand Braudel parecem apontar para crises que se somam no momento presente dos fatos. Crises políticas e econômicas que se realimentam e se desenvolvem lentamente. E o pior. Inevitavelmente, para nós brasileiros.
Não se resolve nada ao fingir que o problema não existe e que há "normalidade" nos "mercados". A revisão do produto nos EUA para este ano aponta para taxas de crescimento negativas ao término de 2011. Aproximadamente metade dos espanhóis jovens encontra-se desempregada. Não há recuperação do Japão por conta do acidente nuclear. Pelo contrário, a chance mais concreta é que venhamos a assistir proliferação de favelas em Tóquio.
Diante disso, pragmatismo explica porque o objetivo de manutenção dos investimentos industriais previstos não é tarefa simples nestes tempos e, portanto, tanto o crescimento quanto o emprego devem ser defendidos pelo Estado brasileiro. O mesmo senso de realidade parece justificar a reorientação da política monetária em favor do enfrentamento da guerra cambial, que beneficia minoria próspera e mina a vitalidade competitiva de pequenos e grandes empresários brasileiros.
Cumpre-se lembrar que meio por cento de redução na taxa básica de juros implica em economia de cerca de R$ 7 bilhões ao ano no pagamento de juros, contribuição mais do que significativa no esforço de melhoria do resultado nominal. Caso mantida gradualismo na queda do diferencial das taxas reais interna e internacional até os níveis de 3% a 5% do "prêmio Brasil", seria necessário cerca de um ano com reduções em juros. Ao cabo deste período, estaríamos economizando cerca de R$ 70 bilhões anuais, esforço do tamanho do montante que será gasto em educação pública no país em 2011.
O Brasil de hoje se encontra em situação bem diferente daquela enfrentada ao final do século passado, quando convivia alta inflação e baixo crescimento. Após uma década de geração de empregos e renda, a fração de brasileiros sem cobertura do sistema bancário caiu, compreendendo-se hoje cerca de 40% da população (estima-se que em 1999 eram cerca de dois terços).
Da mesma maneira, a inflação que vier a resultar no futuro, se vier, pode ser reduzida considerando-se que outras instituições podem participar do esforço de contenção de preços. A Petrobrás já o faz com o preço da gasolina, vilão do passado. Mas poderiam ajudar também as agências reguladoras, em esforço coordenado de desindexação de contratos de concessão. As compensações à vista para as empresas poderiam ser canalizadas para redução de dívidas, principalmente em moeda estrangeira.
Da mesma maneira, a necessidade de redução nos juros poderia ser menor se fossem ativados mecanismos de exportação de capital via apoio financeiro público à aquisição de empresas no exterior por operadores brasileiros. Dado que a crise afeta poderosa e negativamente o segmento de bens de capital e, dado que este segmento gera inovações tecnológicas relevantes para competitividade das cadeias produtivas, espera-se que surjam oportunidades para transferência de tecnologia obtida nos países centrais para grupos industriais brasileiros. Neste contexto, os Ministérios de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e de Ciência e Tecnologia (MCT) poderiam acumular, de forma integrada e coordenada, inteligência tecnológica e competitiva para identificação de setores e tecnologias prioritárias. O BNDES-Exim poderia operacionalizar recursos financeiros para aquisições no exterior com emprego do Fundo Soberano.
Há ainda a opção de se introduzirem controles cambiais, sendo esta alternativa de mais difícil implementação que a penalização dos capitais de curto prazo via impostos sobre movimentações financeiras.
Finalmente, os mecanismos responsáveis pela expansão da oferta, infraestrutura e indústria, devem ser ancorados em estratégias de longo prazo, obedecendo-se a critérios de planejamento da ocupação racional e sustentável do território brasileiro. Com isso, possíveis aumentos de preços poderão ser neutralizados pelo crescimento homogêneo da renda e do emprego, principalmente nas regiões mais pobres do país.
A importância histórica do Copom de agosto de 2011 parece ser a de encerrar período marcado pela retomada do desenvolvimento (2003-2010), iniciando-se novo período de implementação de projeto nacional de desenvolvimento - só que desta vez em ambiente democrático e inclusivo, ao contrário dos nossos rivais chineses.
Em síntese, a decisão de revisão dos juros, em 31.08.2011, parece inaugurar novo período na história econômica do país. Período em que medidas de proteção ao mercado interno e regras que limitam fluxos financeiros internacionais pautarão o novo nacionalismo brasileiro. Para desgosto dos "mercados", contudo, não parece haver qualquer componente ideológico ou politiqueiro por detrás disso. Apenas o velho e bom pragmatismo de proteção do bem coletivo diante de inevitável aumento da ameaça externa.

O mundo de ponta-cabeça.


Luiz Fernando de Paula, professor de economia da UERJ e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), escreveu no VALOR ECONÔMICO sobre “O mundo de ponta-cabeça”. 


Um dos aspectos fundamentais do pensamento de John Maynard Keynes é a assunção básica de que as principais decisões empresariais em uma economia monetária, sobretudo aquelas relacionadas a um horizonte temporal mais dilatado, como no caso das decisões de investimento, estão sujeitas a incerteza radical. Incerteza, neste caso, significa a impossibilidade de se determinar, a priori, o quadro relevante de influências que atuarão entre a decisão de se implementar um determinado plano e a obtenção efetiva de resultados, dificultando a previsão segura que serviria de base para uma decisão "racional".
No conceito de Keynes sobre incerteza, não somente algumas premissas podem não ser conhecidas no momento de decisão como elas também podem ser incapazes de serem conhecidas. Keynes distinguia incerteza de risco probabilístico: "Desejo explicar que por conhecimento "incerto" não pretendo apenas distinguir o que é conhecido como certo do que apenas é provável. Neste sentido, o jogo de roleta não está sujeito à incerteza; nem sequer a possibilidade de se ganhar na loteria (...). O sentido que estou dando ao termo é aquele segundo o qual a perspectiva de uma guerra europeia é incerta, o mesmo ocorrendo com o preço do cobre e da taxa de juros daqui a 20 anos, ou a obsolescência de uma nova invenção (...). Sobre estes problemas não existe qualquer base científica para um cálculo probabilístico. Simplesmente nada sabemos a respeito".
É a incerteza incontornável quanto ao futuro que justifica a preferência pela liquidez dos agentes, isto é, de querer manter a riqueza sob a forma de moeda e outros ativos líquidos. Isso porque em momentos de maior incerteza percebida pelos agentes, que causa uma forte deterioração em suas expectativas, estes passam a dar preferência a flexibilidade na composição de seu portfólio, preferindo liquidez a rentabilidade. Nesse contexto, é natural que empresas posterguem seus planos de investimento, os bancos racionem crédito e os indivíduos evitem comprometimento com dívidas.
Não há dúvida que, três anos após a crise deflagrada pela concordata do Lehman Brothers, o mundo atual vive um momento de grande incerteza quanto ao futuro, com forte impacto negativo nas expectativas dos agentes: simplesmente não se sabe o tamanho do tombo que virá à frente. Em que pese o fato dos efeitos da crise financeira terem sido contidos em função da adoção de políticas anticíclicas nos países desenvolvidos, evitando que a crise, ainda que aguda, resultasse em uma "grande depressão", tais políticas não foram suficientes para permitir uma retomada do crescimento do produto e do emprego, com sinais recentes de uma nova desaceleração. Tudo leva a crer que teremos uma recuperação em W, em função da crise da zona do euro, sem solução à vista, e do fato que os EUA se comprometeram em fazer um ajuste fiscal prematuro que retira a possibilidade de fazer uso da política fiscal anticíclica.
Parece que as lições de crise não foram aprendidas inteiramente pelos "policy-makers" e muitos acadêmicos: procura-se dar soluções de mercado para problemas que foram gerados justamente por um mercado excessivamente livre. O argumento liberal é que, no caso dos EUA, empresas e indivíduos não têm confiança em gastar em função da política fiscal excessivamente expansionista que leva a um crescimento da dívida publica insustentável a longo prazo: agentes dito racionais, sabendo que o governo terá que aumentar impostos no futuro, irão poupar mais no presente. Assim, somente uma desaceleração nos gastos do governo restauraria a confiança dos agentes.
Ora, como sugerido acima, é completamente ingênuo pensar que em situação de expectativas fortemente deterioradas os agentes vão ser estimulados a gastar mais com a redução dos gastos do governo (ou redução nos impostos). Como assinalou Paul Krugman, em recente artigo no "NY Times", pesquisas feitas com empresas americanas mostram que é a falta de demanda (exacerbada pela expectativa de cortes do governo), em vez de impostos e regulação, que inibe os negócios no país.
Por outro lado, assiste-se o lento aprofundamento da crise do euro, que resulta não só dos impactos da crise mundial como também de sérios problemas estruturais relacionados à implantação da moeda única (falta de mecanismos fiscais supranacionais, ausência de uma unidade política, diferenças de estrutura econômica e social entre países, etc.). Neste caso prevalece uma solução que procure dar conta do problema do "risco moral", gerado pelo elevado endividamento público ou privado nos países da periferia do euro - diga-se de passagem, fortemente estimulado pelos reduzidos juros na periferia que seguiu a introdução do euro. Tal como no caso da Argentina, países como Grécia parecem agonizar na espera de que algum milagre aconteça.
Enfim, está claro que, três anos após a crise do Lehman Brothers, dado que a China não terá força para se contrapor a uma desaceleração mundial, a superação da crise passou a ser um problema essencialmente político. Contudo, dada a miopia das lideranças políticas, o que se pode esperar é um "mundo de ponta-cabeça".

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, na FOLHA DE S. PAULO, alerta para os perigos de “Uma nova tempestade”. Trata-se da análise de um experiente economista e está prevendo tempos difíceis na mesma linha de Nouriel Roubini. 


Uma tempestade vinda de fora atingiu fortemente a economia brasileira nesta semana. Um pessimismo crescente com a crise política e econômica na Europa transformou-se em pânico com o aumento do risco de que a Itália também se junte ao grupo de países perto de uma moratória. Se isso realmente acontecer, uma catástrofe financeira -e não mais uma crise- vai atingir o mundo nos próximos meses.

Segundo alguns analistas, os efeitos que se seguirão vão fazer o período 2009/2010 parecer tempos de normalidade e bonança econômica. Nesse novo cenário, o mundo emergente, que até então vinha sendo considerado pelos investidores internacionais um refúgio seguro para seus investimentos, seria afetado de forma importante e entraria também em recessão. Até meados de agosto, países como Brasil, México, Austrália e muitos outros estavam recebendo expressivos volumes de recursos para serem investidos em suas economias. Citei recentemente, como exemplo desse movimento, a compra de parcela importante do capital da cervejaria Schincariol por um grupo japonês do mesmo ramo.

Dizia que tinha escolhido esse particular investimento como exemplo por três razões: o valor do investimento (US$ 2 bilhões), o fato de a empresa ter enorme questão legal com o fisco brasileiro e, principalmente, por ser o investidor uma tradicional empresa japonesa, considerada pelos especialistas uma das mais conservadoras do mundo.

Por isso, quando a crise europeia virou tempestade do tipo 5, o mundo róseo dos emergentes desabou. Os investidores -como sempre acontece nesses momentos desde que os florentinos inventaram os bancos- tentaram sair correndo ao mesmo tempo e voltar para o refugio do dólar, ainda a moeda mais confiável que existe.

Mas a porta de saída do mundo emergente é muito mais estreita do que a do mundo desenvolvido e esse movimento descontrolado -chamado no linguajar do mercado de desalavancagem- provocou subitamente uma das mais brutais correções de preço que já vi em meus 44 anos de mercado financeiro.

O pânico no Brasil foi muito maior do que na maioria dos emergentes, principalmente no mercado de câmbio, por culpa do governo Dilma. Poucos dias antes dessa mudança de ares, o ministro da Fazenda tinha criado um imposto na compra de dólares no mercado futuro da BM&FBovespa. Segundo ele, havia um movimento especulativo que estava valorizando o real e prejudicando a indústria brasileira. Contra a maioria das opiniões de especialistas, ele decidiu levar sua proposta adiante. Ora, no momento de pânico que estamos vivendo, esse imposto funcionou como uma restrição importante nos negócios com o real, pois pune os que, sabendo que esse movimento de pânico em algum momento vai passar, poderiam estar comprando reais e amortecendo sua queda.

A imagem que me vem à mente para descrever o que está ocorrendo é a de um acidente recente em uma boate no México, quando centenas de pessoas morreram porque as saídas de emergência estavam fechadas. Nessa situação, todos os que estavam na boate tiveram de sair por uma única porta de entrada, e o resultado foi um desastre.

No caso do mercado de câmbio no Brasil, as portas de emergência, para situações como a que estamos vivendo, estavam fechadas na BM&FBovespa. A tranca colocada pelo governo -o IOF na compra de dólares futuros- funcionou a contento se o objetivo do governo era provocar uma correção vigorosa do real. Mas, como o câmbio é um preço fundamental na dinâmica da inflação brasileira -afeta 50% dos preços ao consumidor-, a correção brusca dos últimos dias ameaça inviabilizar a política de redução de juros do governo.

Por isso, no momento em que escrevo esta coluna, equipes de bombeiros do BC estão tentando abrir buracos nas paredes para evitar que o câmbio leve a inflação brasileira para mais de 7% ao ano. Como o mercado da BM&FBovespa hoje está do lado dos especuladores por não haver vendedores, o BC está vendendo mais de US$ 5 bilhões em derivativos cambiais. Uma trapalhada de mais de metro... 

Como prevenir uma recessão.


NOURIEL ROUBINI é presidente da Roubini Global Economics, professor da Escola Stern de Administração de Empresas (Universidade de Nova York) e coautor do livro "Crisis Economics".  Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate e publicado na FOLHA DE S. PAULO.

Os mais recentes dados econômicos sugerem que a recessão está voltando nas economias mais avançadas, com os mercados financeiros atingindo agora níveis de desgaste semelhantes aos registrados quando do colapso de 2008. Os riscos de uma crise econômica e financeira ainda pior que a anterior -e agora envolvendo países insolventes- são significativos. 
Assim, o que se poderia fazer para minimizar as consequências adversas de nova contração econômica e prevenir uma depressão mais profunda e um colapso financeiro? 
Primeiro, devemos aceitar que medidas de austeridade, necessárias para evitar um desastre fiscal, acarretam efeitos recessivos sobre a produção. Assim, se os países na periferia da zona do euro se virem forçados a adotar medidas de austeridade fiscal, outras nações capazes de prover estímulo em curto prazo deveriam fazê-lo, adiando seus esforços de austeridade. 
Segundo, embora a política monetária tenha impacto limitado quando os problemas são dívida excessiva e insolvência, em vez de falta de liquidez, um relaxamento mais amplo das condições de crédito, em lugar de um simples relaxamento quantitativo, pode se provar útil. 
Terceiro, para restaurar o crescimento do crédito, os bancos da zona do euro e os sistemas bancários subcapitalizados deveriam ser reforçados via financiamento público em um programa que abarcaria toda a União Europeia. Para evitar nova compressão de crédito à medida que os bancos reduzam seu nível de endividamento, os requerimentos de capital e liquidez que os bancos precisam cumprir poderiam ser relaxados por um breve período. 
Quarto, é necessário prover liquidez em larga escala para os governos solventes, a fim de evitar uma disparada nos "spreads" e a perda de acesso a mercados que podem transformar a falta de liquidez em insolvência. Mesmo com mudanças de política econômica, governos precisam de tempo para restaurar sua credibilidade. Até que isso aconteça, os mercados manterão pressão sobre os "spreads" das dívidas nacionais, o que torna provável que o temor de uma crise ajude a criá-la. 
Quinto, dívidas acumuladas que não possam ser reduzidas via crescimento, poupança ou inflação devem ser tornadas sustentáveis por meio de reestruturações ordenadas, redução de dívidas e conversão de dívida em capital. 
Sexto, mesmo que a Grécia e outros países periféricos da zona do euro obtenham perdão de porção significativa de suas dívidas, o crescimento econômico não será restaurado até que a competitividade seja restaurada. E sem um retorno rápido ao crescimento, novos calotes, e novas inquietações sociais, não poderão ser evitados. 
Sétimo, o motivo para o alto desemprego e o crescimento anêmico das economias avançadas é estrutural e inclui competição mais acirrada vinda de mercados emergentes. A resposta correta a mudanças de tamanha abrangência não está no protecionismo. 
Oitavo, as economias de mercado emergente dispõem de mais ferramentas de política monetária que as economias avançadas, no momento, e deveriam relaxar sua política fiscal e monetária. O FMI e o Banco Mundial podem servir como recurso final de empréstimos aos mercados emergentes que corram risco de perda de acesso aos mercados financeiros, desde que aceitem reformas estruturais. 
Os riscos que nos aguardam não são de uma amena recessão de duplo mergulho, mas sim de uma contração severa que poderia se transformar em nova Grande Depressão, especialmente se a crise na zona do euro escapar ao controle e resultar em colapso financeiro mundial. 
Políticas econômicas incorretas e teimosas geraram guerras comerciais e cambiais, na primeira Grande Depressão, acompanhadas por calotes desordenados, deflação, alta na disparidade de renda e riqueza, pobreza, desespero e instabilidades econômicas e sociais que terminaram por produzir regimes autoritários e a Segunda Guerra. 
A melhor maneira de evitar o risco de que essa sequência se repita é uma ação audaciosa e agressiva das autoridades econômicas mundiais -e já.

Barbara Heliodora - A nossa Lady.


Neste último domingo de setembro, este blog divulga aos seus quase dois (milhões de) e-leitores a entrevista que a FOLHA fez com Barbara Heliodoradecana da crítica teatral, que aos 88 anos, encontra-se em plena forma. Viva Lady Heliodora!!!

RESUMO
Militante na imprensa carioca desde 1957, Barbara Heliodora repassa nesta entrevista a história do teatro brasileiro e aspectos de sua carreira; critica o falso experimentalismo nos palcos brasileiros; faz uma defesa do olhar conservador e denuncia os malefícios do mau teatro para a formação do público.
BARBARA HELIODORA não é apenas a decana da crítica de teatro brasileira, mas também o símbolo de um rigor que cultivou antipatias no meio teatral carioca.
As palavras duras que dirige às produções que não lhe agradam ("leitura óbvia", "texto confuso e gratuito", "direção agitada" "montagem desastrada") sobressaem em relação aos elogios que volta e meia distribui sem economia.
Ficou carimbada com uma crítica severa e durona. Atuante em jornais e revistas desde 1957, com um intervalo entre 1964 e 1985, escreve cerca de 80 críticas por ano. Especialista em Shakespeare e Nelson Rodrigues, ela recebeu a Folha em sua casa, no bairro carioca do Cosme Velho, um dia depois de fazer 88 anos.
 

Folha - Como a sra. avalia o teatro brasileiro de hoje?
Barbara Heliodora -
 Há vários aspectos diferentes. Uma coisa positiva é que estão sendo levados [ao palco] muito mais textos brasileiros, mas é claro que, como é algo recente, ainda há muita coisa ruim. Mas acho que tem que ser, tem que continuar a insistir.
Você pega dois países colonizados, os EUA e o Brasil. Os EUA também tiveram degredados. Tudo o que a gente teve aqui, eles tiveram lá também, mas eles foram colonizados pelos ingleses, que têm uma riqueza teatral imensa. Então, desde a colônia eles recebem uma influência teatral muito forte.
Portugal não tinha tradição teatral para nos legar. Além disso, o tipo de colonização, com as grandes propriedades, as capitanias hereditárias, aquele negócio todo. Não houve uma formação de núcleos urbanos a não ser praticamente no final do século 19. Você não faz teatro se não tem plateia.
A primeira arte cênica que teve plateia no Brasil foi o cinema, que era acessível por ser duplicável. O cinema nos EUA buscou o público que vinha do teatro; conosco, não, o teatro teve de ir catar público no cinema. Não houve essa transição, o que dificultou muito o processo. O pouco teatro que Portugal nos trouxe era francês, traduzido.
Então, você tem na Independência, logo depois, o [dramaturgo e diplomata] Martins Pena [1815-48], que é maravilhoso. E aí volta um período de silêncio. Mais tarde, por volta de 1850 ou 60, há algum teatro. No fim do século, na República, aí sim há um período de intensa atividade cênica, com "As Borboletas", do Arthur Azevedo, entre outros. Depois disso houve surtos de teatro brasileiro, mas sem continuidade.

Que dificuldades isso trouxe?
Isso dificultou a linguagem. O problema dos autores brasileiros era que, até poucas décadas atrás, você aprendia que até podia falar errado, quer dizer, da forma como se fala no Brasil, mas que tinha de escrever da forma correta, como se fala português em Portugal. Hoje em dia não é mais assim, mas isso só desde o Nelson [Rodrigues].
O Nelson foi quem quebrou isso, porque ele é um bom repórter. Vários autores pré-Nelson, na hora em que se sentavam, escreviam o português correto. Esqueciam que o que estavam escrevendo para ser uma linguagem falada. E, quando o ator dizia aquilo no palco, soava falso, porque ninguém falava daquele jeito. Isso prejudicou muito a dramaturgia brasileira. Você não reconhecia o brasileiro em cena. A partir do Nelson, você começa a reconhecer o brasileiro em cena.

E quem fez isso depois do Nelson?
Depois tem, por exemplo, o Silveira Sampaio, que fez pela zona sul [do Rio] o que o Nelson fez pela zona norte. Só que é um autor que ninguém mais monta, a família dele causou muita dificuldade para as montagens. Mas ele fez comédias maravilhosas. A "Trilogia do Herói Grotesco" é sensacional.
Ele tinha um talento fantástico, é pena que seja pouco conhecido. Um pouco depois veio o Millôr, que também domina a cena muito bem, de maneira que houve todo um movimento, mas eu acho que é porque o Brasil estava mudando.
No momento tem muito autor brasileiro que é bom, mas nem tudo pode ser bom, a verdade é essa. Mas tem que insistir para que apareçam autores de fôlego.
Quem a sra. destaca entre os nomes novos da dramaturgia?
Ah, não sei, não quero dizer assim, porque não conheço o bastante. Por exemplo, vejo no jornal de São Paulo autores de quem nunca ouvi falar, porque estão em São Paulo. Aqui tem o [Jô] Bilac, que é bom, tem vários, mas algumas coisas são muito interessantes e outras são mais fracas.

E o que a sra. acha do teatro experimental, de vanguarda?
Às vezes, as pessoas se iludem um pouco, e o que fazem não chega a ser uma experiência válida. Falta um domínio do teatro tradicional. As pessoas experimentam sem conhecer o que veio antes, então fica um pouco falso, apenas ilusoriamente experimental.
Há uma preocupação em ser original que fica superficial. Mas é preciso fazer. Eu sempre digo que o necessário são os conservadores, porque a mudança é fatal. Essa está sempre em dia. Então, para controlar um pouquinho, é preciso que alguém diga, "peraí", "aguenta aí". Mas vai passando o tempo e tudo vai mudando, e a mudança é desejável e inevitável.

A sra. se vê como conservadora?
Eu me vejo mais como neutra. Porque gosto das duas coisas. E acho que é uma ilusão considerar o teatro superado. Aqui é que tem isso, mas nos outros países a gente vê de tudo, tem que fazer uma coisa e outra. Porque o próprio público só vai realmente apreciar uma experiência se souber o que é teatro. Ele tem que já ter visto, para poder comparar uma coisa e outra e pensar: "Ah, mas isso aqui é novo"... Senão não tem referência.

A sra. acha que leva mais gente para o teatro ou faz um alerta sobre aquilo que não vale a pena?
Alguns produtores, diretores etc. já me disseram que a crítica negativa não tira ninguém do teatro. Mas a crítica positiva leva gente. Dizer que a crítica acaba com o espetáculo não é verdade.

A TV tem sido um centro de produção de dramaturgia, tem levado público ao teatro?
Não, acho que não. A televisão não só atrai um público que era do teatro. Há um grande problema para ir ao teatro ou a qualquer lugar. Casal jovem com filho pequeno não tem com quem deixar [o filho], então a televisão é uma distração para quem não tem condições de ir a lugar nenhum. É uma coisa difícil. Antigamente as famílias moravam juntas, sempre tinha uma tia em casa. Mas, hoje, como é muito unitário, não pode sair de casa porque não tem com quem deixar o filhinho pequeno.

A senhora não acredita numa dramaturgia vinda da televisão?
Não. São veículos completamente diferentes. A dramaturgia de telenovela é uma coisa, escrever para o teatro é outra coisa, e cinema é outra coisa. São caminhos diferentes. Agora, os melhores atores de televisão fizeram teatro. A televisão deveria ajudar o teatro porque o ator bem formado no teatro vai ser bom na televisão também.
Uma coisa angustiante é que os cursos de teatro estão atulhados de candidatos que só pensam na TV. Não pensam em fazer carreira no teatro, estão todos pensando em fazer carreira na Globo.

A sra. falou da família de Silveira Sampaio. O diretor Marco Antonio Braz se queixou da família de Nelson Rodrigues, que seria o autor mais caro do mundo.
Ele fala é que eles querem 10%, que é o que todo autor pede, 10% no mundo inteiro.

Ele diz é que a família pede 10% do patrocínio.
Ai, eu não li, porque vi o título [da reportagem] e essas brigas me cansam. Mas o que acho é que o problema do custo do espetáculo, com a legislação e o clima atual, não há mais sobrevivência com bilheteria. Está todo mundo dependendo de ser financiado, só que com esses financiamentos dá para montar e ficar dois meses. Qual espetáculo se paga em dois meses? E o que que nós estamos vendo? Uma enxurrada de monólogos que é uma coisa horrorosa.

O mau teatro afasta o público?
Essa frase não é minha. Gianni Ratto dizia isso. Eu me lembro claramente de uma vez ele me perguntar, eu tinha ido a uma peça e ele disse: "Como é que foi?". Eu digo: "Ah, foi muito fraca". Ele disse: "Isso prejudica todo o teatro". Isso é que é...
As pessoas da classe às vezes não têm noção disso. Uma pessoa que nunca foi ao teatro, o que acontece muito, vai pela primeira e vê uma coisa ruim, faz voto de castidade, nunca mais volta.
É o tal negócio: o mau cinema tem o mito de que custa barato, é quase tanto quanto o teatro hoje em dia, pelo menos a fotografia não está borrada, né, aquela coisa. Então, as pessoas vão ao cinema e voltam na semana seguinte, entram no meio, aquelas coisas.
Se é ruim, a pessoa não volta ao teatro durante muito tempo. Falta consciência. Prefiro um espetáculo que tentou muito, não conseguiu, mas a gente sente que foi sério. O pior são os autocomplacentes, que acham que tiram tudo de letra e fazem peças horríveis.

Como é a senhora se protege da complacência ao escrever?
Complacência é sempre condenável. A gente fala sobre o que viu.

Seu coração nunca amolece?
Não. Dói quando eu vejo um engano de gente que costuma até fazer bem. Procuro estabelecer que, quando vejo uma coisa que está errada, mas que a gente sente que foi bem trabalhada e que os atores estão atuando com responsabilidade, que houve uma direção... Pode ser que estivesse tudo errado, mas, como foi feito com seriedade, é outra coisa.
O que acho horrível é que quando a gente sente que está todo mundo ali, sabe, "eu sou maravilhoso" e tal, o que eu fizer está bom. Isso eu acho horrível.

A crítica pode preservar o trabalho de grandes atrizes, como a Sarah Bernhardt, por exemplo?
Mas quem é que sabe como ela era? Eu, por exemplo, acho que ela devia ser horrível.

Acha mesmo?
Acho. Ela devia ser mais personalidade do que atriz. Porque era a Sarah Bernhardt. Mas eu não sei, a única coisa que ouvi dela gravado é um horror. É um trecho do "Horace" [imita Sarah]. Eu tenho a impressão que ela devia ser uma personalidade muito marcante. Agora, não sei a qualidade dela como atriz. Ninguém sabe.
Ficar famoso é uma coisa, você saber como era é outra bem diferente. Cacilda [Becker] você não sabe como é que era, Cacilda era uma atriz deste tamanhinho, magrinha assim, e com uma vozinha assim [imita], e em "Quem tem Medo de Virginia Woolf" ela dizia que era gorda e todo mundo acreditava, ninguém reclamava que era dito que ela era gorda e na verdade não era. É a capacidade dela de persuasão.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O dólar já não é mais o mesmo.


Prever o dólar para 31.12.2011 é fácil. Difícil é aguentar a ansiedade diária. O genial SINFRÔNIO, no Diário do Nordeste, avisa que a fera despertou... 

Ah, esse dólar....


Alberto Tamer, hoje no ESTADÃO, comenta, como não poderia deixar de ser, sobre o US$.

O dólar valorizado, mais de 14% este ano, está criando um dilema para o governo que tudo fez para chegar a esse resultado. Ele estimula a indústria, mas pressiona a inflação, em parte contida até agora por importações a preços menores em reais. E isso deve continuar ainda por algum tempo - já passa de R$1,80 e se fala em dólar próximo de R$ 1,90 - porque o Banco Central sinalizou novas reduções do juro para evitar uma retração ainda maior do PIB. A nova previsão de crescimento do FMI para o Brasil é de 3,8%, o governo já admite 3,7% e já existem instituições no mercado que falam em 3,5%.
A equipe econômica parece não ter aceito o dilema "é possível evitar a recessão sem perder o controle da inflação". Mas a pergunta permanece: até onde a valorização do dólar favorece a indústria sem aumentar excessivamente os seus custos de produção? Isso não acabaria por anular os efeitos positivos que se pretendia via câmbio?
Toda a questão se resume em avaliar quanto tempo levará para que o dólar valorizado beneficie a indústria e até quando pressionará o aumento dos preços dos produtos importados.
Não aumenta já. Os economistas também estão divididos quanto aos efeitos imediatos do câmbio na inflação. Para Antonio Comune, coordenador da Fipe, instituto que tem maior experiência no acompanhamento semanal dos índices, a contaminação via câmbio não é generalizada nem imediata. Pode afetar mais rapidamente alguns itens de bens de consumo, como informática e eletrodomésticos, mas não toda a cadeia dos importados.
O que pressiona os preços nos próximos meses são os alimentos, que dependem mais da entressafra atual do que da cotação do dólar, afirma ele. Mas a maioria dos analistas discorda. A contaminação da alta dos preços das commodities agrícolas ou minerais era sentida no mercado interno antes da alta do dólar. Um fato evidente que o IBGE registrou nas suas pesquisas. Os preços internos desses produtos dependem mais do valor real, agora desvalorizado, do que das cotações internacionais. Mesmo que as cotações recuem no mercado internacional, os preços em reais continuarão aumentando por força da desvalorização da moeda nacional em face do dólar. É inevitável e não há sinais de mudança.
Isso demora? Parece que não, porque os produtores de commodities, da soja ao petróleo e o minério, optam por exportar a preços melhores do que atender a um mercado interno, que lhes rende menos. Não é apenas uma "contaminação", são vasos comunicantes com efeito imediato sobre os preços internos.
Além disso há o que se chama em economia de "reposição de estoques." Os importadores antecipam reajustes dos preços prevendo que pagarão mais nas compras futuras para recompor seus estoques. Se não fizerem isso, terão de dispor de mais recursos nas novas importações.
Sem aliado. A verdade é que o governo perdeu um poderoso aliado na estabilização dos preços. O impacto da desvalorização vai atingir diretamente os preços. Principalmente agora que, nos últimos anos, as indústrias usaram e abusaram do produto importado, seja na forma direta, trazendo o produto final e montando aqui, seja na forma indireta, importando a matéria-prima.
Tudo indica que poderemos terminar o ano com uma inflação acima de 6,5%.

Brazil will fight back against the currency manipulators


Dilma, a presidente do Brasil, hoje no FINANCIAL TIMES

We are living in turbulent days. The financial crisis of 2008 is not over, especially in advanced economies. With growth still weak, these countries have been adopting extremely expansionary monetary policies, rather than a more balanced mix of monetary and fiscal stimulus. Emerging economies are sustaining the pace of growth, but cannot assume the role of global powerhouses unaided.
Economies that issue reserve currencies are managing international liquidity without a sense of the collective good. They are resorting to undervalued exchange rates to ensure their share of global markets. This wave of unilateral, competitive devaluations creates a vicious cycle that leads to trade and exchange rate protectionism. This has devastating effects for all but especially for developing countries.
The great challenge for the coming years is to address sovereign debt and fiscal imbalances in some countries, without stopping – or reversing – the global recovery.
Only economic growth, based on income distribution and social inclusion, can generate resources to pay the public debt and cut deficits. The experience of Latin America in past decades shows what recession brings in loss of output, rising social inequalities and unemployment.
If they are to overcome the crisis, the world’s major economies should give clear signs of political cohesion and macroeconomic co-ordination. There will be no recovery of confidence or growth without greater co-ordination among the Group of 20 countries. It is vital – for Europe in particular – that they regain the spirit of co-operation and solidarity shown at the height of the crisis.
That is why Brazil supports the G20 Framework for Strong, Sustainable and Balanced Growth, which must be managed by all and for all, without exception.
Other initiatives are needed in the international field: further regulation of the financial system, to minimise the possibility of new crises; reduced levels of leverage. We must proceed with the reform of multilateral financial institutions, increasing participation of emerging countries that now bear primary responsibility for global economic growth.
It is urgent to combat protectionism and all forms of currency manipulation, which give spurious competitiveness at the expense of trading partners. The G20 can offer a co-ordinated response, in which all big economies can adjust fiscal, monetary and/or exchange-rate policies, without fear of acting alone. An open global trade system requires this sense of mutual confidence.
Meanwhile, threatened by large speculative capital flows as well as by a rapid and unsustainable currency appreciation, developing countries that adopt a floating exchange rate regime, such as Brazil, are forced to take prudential measures to protect their economies and their national currencies. We will not succumb to inflationary pressures coming from outside. With firmness and serenity we will keep inflation under control, without having to give up the economic growth that is essential if we are to promote social inclusion. Our commitment to sustainable development with price stability is not negotiable and the economic policy fine-tuning will always work towards this goal.
As to long-term policies, Brazil has regained planning capacity in fields such as energy, transport, housing and sanitation by redefining the role of the state with a focus on developing social infrastructure.
The discovery of large offshore oil reserves will open a new cycle of industrialisation, especially in the naval, petrochemical and capital goods sectors: it will also enable Brazil to create a special fund to invest in social, scientific, technological and cultural policies.
The country has strengthened state-controlled companies such as Petrobras, Eletrobras and the public banks, to induce development. Through active trade defence mechanisms, supported by WTO rules, it will not allow its industry to be jeopardised by unfair competition.
Brazil is also committed to fight deforestation, especially in the Amazon; to promote sustainable agriculture; and to strengthen its energy mix. I am convinced of the need to consolidate these achievements, just as I am sure that we all bear responsibility for rebalancing the world economy. It’s time for global leaders to act with determination and boldness. This is what the world expects from us.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Garantia legal.


ANTONIO DELFIM NETTO, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre democracia liberal e capitalismo e, como não poderia deixar de ser, sobre o Estado.   

O "capitalismo" não foi inventado: é um processo de organização social e produtiva que os homens foram "descobrindo" ao longo de sua trajetória. Ele é sujeito a crises porque: 1º) O próprio comportamento do homem oscila entre o entusiasmo e a depressão e 2º) As "respostas" do sistema produtivo (variações da oferta) aos estímulos da demanda são, simultaneamente, condicionadas pelas incertezas do futuro opaco e pela natureza do avanço da tecnologia.
Ele sobreviveu porque, de cada crise, saiu mais ajustado ao processo civilizatório. A história mostra, sem nenhuma possibilidade de contradita, que a permanente elevação da produtividade do trabalho e a imensa elevação do padrão de vida que o acompanhou, com a liberdade individual que permite, são um enorme sucesso.
Obviamente ele tem muito a caminhar na direção de uma sociedade mais "justa" na qual prevaleça uma efetiva igualdade de oportunidade para todo cidadão, não importa o ambiente em que tenha sido gerado. O que justifica a nossa esperança é que a combinação de uma democracia liberal (urna) com o capitalismo (mercado) tende a se autocorrigir na direção daquele objetivo.
As duas instituições (a democracia liberal e o mercado) dependem de um Estado constitucionalmente limitado que dê garantias legais para que elas possam produzir o resultado desejado.
Talvez o exemplo mais palpável dessa simbiose seja o enorme crescimento da Inglaterra após a "Revolução Gloriosa de 1688", que eliminou o "poder do soberano" que podia mudar a regra à sua vontade; comprometeu o Estado com o respeito aos direitos da propriedade privada e tomou-lhe o poder de confiscá-la.
Talvez não seja exagerado dizer que foram essas mudanças e o desenvolvimento tecnológico (ele mesmo, talvez, estimulado por elas) que deram origem à primeira Revolução Industrial (1760-1830), que mudou o mundo.
A história econômica dos últimos 300 anos é pouco mais do que a descrição do aperfeiçoamento dos dispositivos legais de imposição do cumprimento dos contratos que obrigam ainda o poder incumbente.
Esse assunto é do maior interesse no estágio de desenvolvimento em que se encontra o Brasil, onde a "segurança jurídica" é ainda precária.
Como disse o ilustre ex-ministro Pedro Malan, "no Brasil até o passado é incerto". Isso é muito prejudicial ao desenvolvimento de longo prazo. Infelizmente, não vamos muito bem nesse quesito, como mostram o "Rule of Law Index" de 2011 e os dados do Economic Forum de 2011-2012.
Amanhã, por estímulo de um prêmio oferecido pela Fundação Getúlio Vargas, haverá uma discussão do assunto, no ambiente Leopoldo, a partir das 12 horas.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Brazil's President Dynamite DILMA.



Of the many war stories that Dilma Vana Rousseff tells of her rise from revolutionary to career bureaucrat to president of Brazil, one in particular stands out. It was early in the race to succeed Luiz Inácio Lula da Silva, and most Brazilians were waking up to the idea of life without their hyperpopular leader, the “father of the poor.” One day in a crowded airport a woman and her young daughter tentatively approached Rousseff to get a closer look at the upstart female frontrunner. “Can a woman be president?” the girl—whose name, fittingly, was Vitória—wanted to know. “She can,” Rousseff answered. With that Vitória thanked Rousseff, raised her chin, and walked off a few inches taller.

Rousseff smiled as she recalled the episode in an interview with Newsweek at Brasília’s presidential palace. It was close to 6 p.m. and the fierce sun over the Brazilian central plateau was already dimming, but Rousseff’s day was far from done. Flash floods in the south had left thousands homeless. Construction work for the soccer World Cup, which Brazil will host in 2014, was lagging. The press was still feasting on the carcass of corruption scandals and a cabinet flap that had cost her five ministers in less than nine months. And yet Rousseff, in a fuchsia jacket, black slacks, and oversize pearl drop earrings, looked unflustered as she spoke about Brazil, the world economy, poverty, and corruption. Her hair was thick and lustrous, her cheeks flush, with no trace of the grinding sessions of chemotherapy she underwent to treat a lymphoma she discovered in 2009. For nearly an hour she held forth, firing off data points and toggling easily from job creation (“We’ve generated 1,593,527 in the first six months”) to T. S. Eliot (“Ash Wednesday” is a favorite) to how women can rewrite the rules of political engagement. “When I was little I wanted to be a ballerina or a firefighter, full stop,” she said. “I don’t know if it’s a new world, but the world is changing. For a girl even to ask about being president is a sign of progress.”

Nessun dorma...


Antonio Delfim Netto, professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO.

É um fato conhecido que os competentes economistas alemães representam a fina flor do mais extremo monetarismo ao qual somam uma boa dose de conservadorismo. Foram ferozmente contra as concessões (com implicações econômicas) feitas por Helmut Kohl, quando aproveitou uma janela semiaberta e teve a coragem de reunificar a Alemanha, objetivo político de longo prazo absolutamente desdenhado pelos "puristas econômicos".

Quando a Alemanha decidiu participar do euro, 150 dos seus mais reconhecidos acadêmicos publicaram um célebre manifesto contra, com bons argumentos, mas que de novo ignorava solenemente o objetivo político de longo prazo, que era a pacificação de um continente que durante os últimos mil anos foi atormentado por guerras.

Os argumentos eram respeitáveis e mostravam que o sucesso do euro dependia de um rigoroso controle da situação fiscal de cada país, preliminar para a construção de uma área monetária ótima: absoluto controle fiscal, liberdade de movimentos da mão de obra e de capitais e a cessão da emissão das moedas nacionais a um banco central autônomo, com uma nova unidade monetária, com relação à qual as taxas de câmbio de cada país seriam irrevogavelmente fixadas.

Eram contra, porque não acreditavam que os países se submeteriam a tal disciplina. Para impô-la, foi formalmente estabelecido e aprovado no acordo de Maastricht, que precedeu a introdução do euro, que: 1) nenhum país poderia ter déficit nominal superior a 3% do PIB; e 2) uma relação dívida/PIB maior do que 60%.

Por que não funcionou? Porque os governos de vários países (em particular da Grécia) mentiram, como suspeitavam os economistas alemães! Ilidiram aquelas condições com a conivência do sistema financeiro internacional e das agências de risco. Tudo veio à tona depois da "quebra" do Lehman Brothers, quando a "rede de patifarias" escondida nos derivativos tóxicos explodiu na cara dos bancos centrais, sob o nariz dos quais ela se realizara. É cada vez mais evidente que esses não se recuperaram do choque: nem o Federal Reserve dos EUA, nem o BCE da Eurolândia sabem, até agora, o que fazer.

Nos EUA, parece que começa a haver uma mudança. Mais de uma dezena de instituições financeiras, que ativamente (com a conivência das agências de risco) assaltaram os incautos aplicadores, começam a ser investigadas e, seguramente, algumas serão responsabilizadas criminalmente. Trata-se de um problema moral, que não pode mais ser escondido pelo governo Obama como foi até agora.

Tardiamente, ele propõe ao Congresso um novo pacote de estímulos para diminuir o sofrimento de 25 milhões de honestos trabalhadores (15 milhões com desemprego aberto e 10 milhões semiempregados), que acabaram desempregados com a política econômica (inspirada por distintos acadêmicos comprometidos com o sistema financeiro) que "salvou" os desonestos administradores.

Até agora, o presidente do Fed, Ben Bernanke, não disse a que veio: apenas repete, repete e repete o velho refrão, "farei o que tenho de fazer". Continua indeciso sobre como atender ao seu duplo mandato: manter alto o nível de emprego e manter baixa a taxa de inflação.

O sinal de que ainda resta vida inteligente nos EUA veio num artigo no "Financial Times", do secretário do Tesouro, Tim Geithner, onde afirmou que é hora dos governos deixarem de lado a paralisia política e esquecerem os medos infundados com a inflação.

No fundo, ele está transmitindo aos bancos centrais, que continuam mesmerizados pelos seus modelitos, que a taxa de juros nominal já é nula e que a taxa de inflação está na "meta", mas a taxa de desemprego é quase o dobro da famosa Nairu (a taxa de desemprego que não acelera a inflação). Logo, é uma eficaz política fiscal que deve ser ativada.

É por isso que ele afirma que os EUA resistirão a um rápido ajuste fiscal em 2012 e recomenda a todos os países em dificuldades que façam o mesmo. Essa coordenação, se realizada, tornará mais potente e mais veloz os resultados.

No Banco Central Europeu (BCE), a situação se agrava. Enquanto Trichet aguarda sua substituição formal por Mario Draghi, os representantes alemães (diante do iminente desastre político da chanceler Merkel) abandonam o barco, alegando "razões pessoais". Primeiro foi Alex Weber (presidente do Bundesbank). Agora foi Juergen Stark, o que aperta ainda mais a "saia justa" de Merkel.

Se não bastassem esses problemas, o ministro das Finanças da Holanda, Jan Kees de Jager, sugere claramente a expulsão da Grécia, a pedido: "Quando não conseguimos respeitar as regras do jogo, devemos deixá-lo". O FMI, por sua inexperiente diretora-gerente, Christine Lagarde, lança dúvidas sobre a higidez dos bancos europeus que têm em carteira títulos gregos. Como todos sabem que ela conhece apenas os bancos franceses, produziu uma corrida sobre eles.

Parece óbvio que ninguém se entende. Tem razão o dr. Tombini. Vamos pôr nossas barbas de molho e nos proteger da provável desintegração da economia mundial.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Entre Pangloss e Cassandra.


Marcelo de Paiva Abreu, escreve hoje no ESTADÃO sobre “Entre Pangloss e Cassandra

Há alguns meses o espírito de Pangloss, o personagem de Voltaire que só era capaz de ver razões para continuar otimista, dominava a maioria das avaliações sobre a economia do Brasil - avaliações reforçadas por diagnósticos internacionais que pareciam querer compensar o excesso de pessimismo no passado com excesso de otimismo em relação ao futuro. A capa da The Economist com o Cristo Redentor envolto em nuvens cinzentas no início de 1999 (Storm clouds from Brazil), em meio à crise cambial, custou a ser substituída por visão menos catastrófica. E, certamente, a capa do final de 2009, com o Cristo sendo propelido por um foguete (Brazil takes off) parece agora bem exagerada, subestimando os inúmeros obstáculos à retomada do crescimento econômico acelerado e sustentado.
Menos Pangloss e mais Cassandra - figura mitológica hoje associada ao pessimismo - é o que parece sugerir a disseminação de iniciativas recentes nos Três Poderes da República.
Iniciativas do Poder Judiciário indicam percepção inadequada de restrições orçamentárias e falta de sensibilidade quanto aos anseios da sociedade civil e à capacidade institucional de fazer justiça de forma equilibrada e expedita. É preocupante que as postulações salariais sejam acompanhadas por esforços de preservação de regalias quanto a direitos trabalhistas e que tenham como pano de fundo a constatação de que há ações judiciais pendentes de decisão que estão comemorando o 50.º aniversário. E que, no contexto de negociações salariais do Judiciário, sejam invocadas razões ancoradas na independência de Poderes. Com o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) definindo o teto salarial do funcionalismo público nos Três Poderes, o impacto sobre as contas públicas seria desastroso.
Quanto ao Poder Legislativo, pouco há a acrescentar a um diagnóstico que sublinhe o colapso de aderência mínima a princípios éticos que se constata com base nas práticas fisiológicas de políticos na administração pública e pelo esprit de corps maligno, evidenciado em votação secreta sobre a cassação de deputada acusada de corrupção. O único consolo é que tal diagnóstico da sociedade civil quanto ao modus operandi do grosso da classe política não configura novidade, especialmente desde que o PT dominou a tecnologia de administração de coalizões fisiológicas no início do governo Lula.
Iniciativas do Poder Executivo estimularam mais ainda a crescente desconfiança quanto às bases concretas que poderiam justificar a persistência de otimismo com a economia do País. A decisão do Banco Central (BC) de reduzir a taxa Selic, alegadamente lastreada em diagnóstico pessimista sobre a evolução da economia mundial, preocupa menos do que as reações que suscitou. Diversos ex-ministros da área econômica, com ampla experiência em épocas em que decididamente não se podia falar de autonomia do BC, manifestaram seu regozijo com a decisão, pois configuraria a reestatização do BC e teria sacramentado o fim da crença em modelos monetários. Nesse coro de congratulações, não faltou quem sublinhasse que decisões de política monetária envolvem mais "arte" que ciência, ao contrário do que defendem "sacerdotes" indevidamente comprometidos com o setor financeiro.
Há pelo menos dois problemas com tais análises. O primeiro é que foram exatamente ministros que no passado promoveram a aceleração inflacionária ou fracassaram em tentativa de estabilização - nos dois casos, com crescimento medíocre - que demonstraram mais entusiasmo com a audácia da política econômica atual de privilegiar o crescimento em detrimento do regime de metas.
Terá faltado "arte"? É oportuno lembrar Laurence Peter, do Peter Principle: "Só há uma coisa mais penosa do que aprender com a experiência: é não aprender com a experiência". Tudo o mais constante, acho que, às opiniões de sacerdotes enfáticos da hiperinflação com estagnação, prefiro o que Pedro Malan, Gustavo Franco, Ilan Goldfajn, Afonso Bevilaqua, Alexandre Schwartzman, Eduardo Loyo e Mário Mesquita, entre outros, têm a dizer sobre o assunto. Afinal, tiveram sucesso no controle da inflação, com algum crescimento.
O segundo problema são as alegações de que a Selic tem sido mantida em níveis elevados porque isso interessa ao setor financeiro. Trata-se de questão empírica sobre a qual não há evidência clara. Mas, em qualquer caso, a ninguém ocorreria sugerir que o setor financeiro deixa de tratar da melhor maneira possível a defesa dos seus interesses. Mas isso não é sua característica exclusiva. Da mesma forma agem os industriais ou seus áulicos que defendem sistematicamente proteção alta, ou generosos créditos públicos subsidiados, ou Selic reduzida, ou câmbio desvalorizado. É um mundo sem anjos.
A notória deterioração da governança mundial e o aumento da probabilidade de recrudescimento da crise mundial - na esteira da nova recessão nos EUA, das tensões da zona do euro e do arrefecimento do crescimento chinês - deveriam servir de estímulo para que o Brasil evitasse a adoção de políticas imprudentes ou simplesmente equivocadas. Os custos dos erros estão em alta.

sábado, 17 de setembro de 2011

Livre para morrer.


PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO, está "livre para morrer". Na realidade, ele escreveu mesmo foi "livre para escolher". 

EM 1980, justamente quando os Estados Unidos estavam descrevendo uma virada política para a direita, Milton Friedman defendeu a mudança com a famosa série de TV "Free to Choose". Em um episódio após outro, o simpático economista identificou a economia do laissez-faire com a escolha e o empoderamento pessoais -uma visão otimista que seria ecoada e ampliada por Ronald Reagan.
Mas, hoje, "livre para escolher" virou "livre para morrer".
No debate dos pré-candidatos republicanos na última segunda-feira, Wolf Blitzer, da CNN, perguntou ao deputado Ron Paul o que deveríamos fazer se um homem de 30 anos que optou por não ter convênio médico precisasse de seis meses de atendimento em UTI.
Paul respondeu: "A liberdade implica nisso -assumir seus próprios riscos". Blitzer o pressionou outra vez, perguntando se "a sociedade deveria simplesmente deixá-lo morrer". A plateia explodiu com aplausos e gritos de "sim, sim!".
O incidente destacou algo que a maioria dos comentaristas políticos ainda não absorveu: hoje, a política americana envolve visões morais fundamentalmente distintas.
Poucas das pessoas que morrem por falta de atendimento médico se parecem com o indivíduo hipotético postulado por Blitzer, que poderia ter pagado seguro médico.
A maioria dos americanos sem seguro médico ou tem renda baixa e não pode pagar, ou é rejeitada pelos convênios porque sofre de problemas médicos crônicos.
Então pessoas da direita estariam dispostas a permitir que as pessoas que não têm seguro médico, sem serem culpadas por isso, morram por falta de atendimento? Com base na história recente, a resposta é um "sim!" retumbante.
No dia seguinte ao debate, o Birô do Censo divulgou suas estimativas mais recentes. O quadro geral é lamentável, mas um ponto relativamente positivo foi o atendimento médico a crianças. A porcentagem de crianças sem cobertura foi mais baixa em 2010 que antes da recessão, graças à ampliação em 2009 do Programa de Seguro-Saúde Infantil do Estado, ou SCHIP.
O ex-presidente George W. Bush tinha bloqueado tentativas anteriores de proporcionar cobertura a mais crianças -sob aplausos de muitos da direita.
Logo, a liberdade de morrer se estende não apenas aos imprevidentes, mas também às crianças e às pessoas sem sorte. E a adesão da direita a essa noção assinala um deslocamento importante na natureza da política americana.
Agora, a compaixão está fora de moda -na realidade, a falta de compaixão tornou-se uma questão de princípio, pelo menos na base republicana.
O conservadorismo moderno é, na realidade, um movimento profundamente radical, hostil ao tipo de sociedade que temos há três gerações -que, agindo por meio do governo, procura mitigar alguns dos "perigos comuns da vida" por meio de programas como a Previdência Social, seguro-desemprego, Medicare e Medicaid.
Os eleitores estão preparados para aderir a uma rejeição tão radical do tipo de América em que todos nós crescemos? Vamos descobrir em 2012.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...