Yoshiaki
Nakano, professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas - FGV/EESP ,hoje no Valor Econômico, escreve sobre “Dois mitos
sobre a poupança nacional.”
Existem
muitos mitos sobre a taxa de poupança no Brasil. Vejamos dois desses mitos.
Primeiro, a maioria dos economistas quando fala em poupança está pensando em
poupança pessoal, das famílias, ignorando a poupança das empresas. Segundo, a
maioria dos analistas assume como óbvio que a baixa taxa de poupança é a
responsável pela baixa taxa de investimento na economia brasileira. Vamos
verificar se esses dois mitos se sustentam diante dos dados e das pesquisas
empíricas.
A
maioria dos economistas adquire o "estranho hábito" de raciocinar
como se a poupança nacional fosse composta apenas da poupança pessoal, isto é,
das famílias. E daí deriva um conjunto de diagnósticos incorretos. De fato, nos
fundamentos teóricos dos neoclássicos estuda-se a decisão do consumidor, mas a
empresa (firma) é identificada apenas por um conjunto de curvas de custos.
Nesse mundo teórico, as categorias lucros, dividendos e lucros retidos não
existem.
Quando
se considera a empresa como uma complexa organização dirigida por executivos,
que busca maximizar lucros e distribuir dividendos para os acionistas e
interagindo com outras empresas, o equilibrio geral, para o conjunto da
economia, fica indeterminado e as conclusões teóricas se desfazem. Daí o
"estranho hábito" de identificar o mundo real com os modelos por eles
criados e pior, agem como se fossem portadores da verdade. O que os fatos e o
mundo real das análises financeiras nos dizem é algo completamente diferente.
Os
dados do IBGE nos mostram que 88,4% da poupança bruta total no Brasil foi
gerada pelas empresas, representando, em relação ao PIB, 17,1%, em 2006, último
dado disponível. A poupança das famílias representou 26,8% da poupança total, o
que representa 5,2% em relação ao PIB no mesmo período. O problema está
localizado na Administração Pública, que tem uma despoupança de -15,9% da
poupança bruta total, representando -3,1% do PIB. Logo, o setor privado poupou
22,3% do PIB e, se o governo tivesse consumido menos e poupasse o equivalente
aos seus investimentos, a taxa de poupança teria atingido 25,4% do PIB.
Na
verdade, estes dados apenas ratificam muitos estudos empíricos anteriores. Por
exemplo, R. Bebczuk em pesquisas empíricas relatadas no seu livro texto sobre
finanças ("Asynmetric Information in Financial Markets", Cambridge
University Press, 2003) mostra que na América Latina, em média, 80,6% dos
investimentos produtivos em firmas não financeiras eram financiados pelos
lucros retidos no periodo 1990-1996. No Brasil esse percentual era pouco menor
- 76,1% - dado certamente à elevada participação do BNDES. Nos países
desenvolvidos, os lucros retidos financiavam, em média, 71,1% dos investimentos
produtivos, tendo em vista a participação de 9,9% de ações.
Outra
informação relevante é que nos países menos desenvolvidos a poupança das
famílias é pouco expressiva e na America Latina representa apenas 13,6% da
poupança privada total, enquanto que nos países desenvolvidos chega a
representar, em média, cerca de 50%. No Brasil, a poupança das famílias
representou 27,8% da poupança privada total e tenderá a aumentar com o
crescimento, aumento da renda per capita e envelhecimento da população.
Portanto,
o problema da poupança nacional está localizado no setor público que absorveu
15,9% da poupança do setor privado para financiar suas despesas, e investindo
muito pouco produtivamente. Na realidade, o Governo apropria e reduz a poupança
privada utilizando-se de dois instrumentos: 1) mantém taxas de juros num
patamar recordista mundial; e 2) impõe carga tributária de mais de 36% do PIB.
O
segundo mito advém do hábito de imputar a fatores exógenos ao sistema econômico
os seus males. Nessa forma de pensar, a taxa de poupança é um dado exógeno, um
dado não explicado pelo modelo. Assim, as elevadas taxas de juros, excesso de
investimento em relação à poupança e o baixo crescimento seriam explicados por
esse dado exógeno. Da mesma forma, é a baixa taxa de poupança doméstica que
explica a taxa real de câmbio apreciada e o déficit em transacões correntes.
Na
verdade, a taxa de poupança, depende dos lucros e este é endógeno e resultado
da operação do sistema econômico: lucro não depende da decisão da empresa,
depende do volume de vendas (demanda agregada) e seus preços, que resultam da
negociação da taxa de salário com os trabalhadores e da competição e interação
com as demais empresas. Em economias abertas, o lucro ou a margem de lucro tem
uma relação com a taxa de câmbio, se ela for competitiva tendem a ser maiores,
mas a relação é complexa e certamente não linear.
A
poupança total, nas economias emergentes, ao depender fundamentalmente dos
lucros retidos, e o fato dos trabalhadores (salários) pouparem menos do que os
capitalistas (dividendos), fazem com ela seja variável e resultado final da
operação e do desempenho do sistema econômico. Assim, quanto maior forem o
volume de investimentos produtivos, este sim objeto de decisão das empresas, e
o crescimento da economia, maior será a poupança nacional.
O
que os dados do IBGE mostram é que não há excesso de investimento sobre a
poupança de forma que esta última seja a restrição ao crescimento, ao
contrário. Tanto as empresas como as famílias têm um excesso de poupança em
relação aos investimentos produtivos, particularmente, nos anos recentes em que
houve uma aceleração do crescimento. As empresas não financeiras pouparam 12,1%
a mais do que a formação brutal de capital, isto é, os lucros retidos
excessivos foram emprestados ou fizeram aplicações financeiras, em 2006,
segundo os dados do IBGE. A baixa taxa de investimento sim é a causa da baixa
taxa de crescimento da economia brasileira e ela é baixa porque a taxa de juros
e a carga tributária são elevadas, assim como a taxa de câmbio está
excessivamente apreciada.