Gostemos ou não, a organização social ("simplisticamente" chamada de capitalismo) que o homem encontrou no desenrolar de sua história através de uma seleção quase natural é, até agora, a única que permitiu conciliar, numa medida imperfeita, a liberdade de iniciativa dos indivíduos com uma relativa eficiência produtiva. Ela dá resposta aos crescentes desejos de consumo criados pelo aumento constante da própria liberdade.
Trata-se de um movimento que depende basicamente da
construção de um Estado forte, constitucionalmente controlado, capaz de
assegurar o bom funcionamento de quantos mercados forem necessários para a manifestação
da liberdade de iniciativa e assegurar que os benefícios dela decorrentes
possam ser apropriados pelos agentes que a promovem. É por isso que a
propriedade privada e a segurança jurídica são condições necessárias, mas não
suficientes, para que o ciclo se complete continuamente, cada vez num nível
produtivo mais elevado.
Nos casos dos países emergentes com contingente
demográfico significativo, que pretendem ser repúblicas e democracias, o
processo se repete: começam importando os padrões de consumo e a tecnologia dos
mais avançados antes de criarem a sua. Diante desse quadro, é evidente que a
antinomia Estado versus mercado é imprópria e prejudicial: não há administração
estatal eficiente sem utilizar os mecanismos de mercado, e não há mecanismo de
mercado que possa funcionar sem as garantias de um Estado suficientemente forte
para controlá-lo.
Neste momento, o excesso de pessimismo que se abateu
sobre a economia nacional - em parte consequência da mundial, e em parte
resultado de entendimento defeituoso do mercado financeiro com relação aos
objetivos da política econômica do governo -, parece começar a ceder e dar
lugar a uma pequena recuperação da atividade. Nada mais oportuno e importante
para acelerá-la do que o amplo programa de cooptação do setor privado anunciado
pela presidenta Dilma Rousseff para a ampliação dos investimentos em
infraestrutura.
Trata-se de um programa ambicioso, que revela uma nova
postura do governo federal: 1) declara definitivamente superada a desconfiança
mútua (sempre negada explicitamente) entre ele e o setor privado, mais dinâmico
e melhor apetrechado de técnica e recursos; e 2) devolve aos programas do
governo uma visão logística estratégica, que incorpora e integra as rodovias
com as ferrovias, com os portos e a geração de energia.
A criação da Empresa de Planejamento Logístico (EPL)
recupera e amplia o velho Grupo Executivo de Integração da Política de
Transporte (Geipot) criado em 1965, transformado em empresa em 1973, extinta
pela irresponsável "reforma" do Estado de 1990. A partir daí,
destruiu-se a coordenação logística do governo. Lentamente ela foi sendo
entregue à sanha dos partidos que apoiam o "presidencialismo de coalizão
de plantão".
O resultado foi o caos temperado com uma boa dose de
corrupção, como mostra, exemplarmente, o caso da Valec. Um ponto importante é
que a EPL será dirigida por um técnico de reconhecida probidade e competência,
Bernardo Figueiredo.
Outro aspecto significativo do novo programa foi a
autorização para o aumento das dívidas de 17 Estados, cujas condições
financeiras e administrativas são adequadas para acelerar suas próprias obras
de infraestrutura: mobilidade urbana em suas capitais, estradas, saneamento
básico e habitação, importante não apenas para ajudar a estimular o crescimento
econômico mas, também, melhorar as condições objetivas de vida de suas
populações.
O papel do governo federal é de integrador do território
nacional, mas a vida de cada cidadão depende de condições locais, dos Estados e
municípios. O montante de endividamento autorizado é razoável: da ordem de R$
42 bilhões. Depois dos imensos abusos que destruíram a credibilidade de Estados
e municípios e foram corrigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, é saudável
a mudança do entendimento (até agora vigente), que todo e qualquer
endividamento é um pecado capital.
Entre o programa e o começo da sua efetiva execução será
preciso pelo menos 12 meses, se houver a colaboração dos órgãos de controle
ambiental e entendimento adequado do Ministério Público e do Tribunal de Contas
da União, sem esquecer o apoio rápido e decisivo do BNDES pelo seu departamento
de infraestrutura, hoje dirigido pelo excelente economista Guilherme Lacerda.
Certamente haverá um efeito antecipado sobre o ânimo da
sociedade, que começa a ver uma pequena retomada econômica em resposta às
medidas fiscais, monetárias e cambiais executadas até agora. A redução da
desconfiança mútua entre o setor privado e o governo vai melhorar o ambiente de
negócios em todos os setores. O primeiro não quer e não precisa de benesses ou
subsídios. Precisa: 1) de condições isonômicas para competir; e 2) de leilões
bem projetados, não apenas para atender o presente, mas, principalmente,
sustentar investimentos futuros que garantam a melhoria permanente da qualidade
dos serviços.
Caiu a ficha! Quando a incerteza sobre o futuro é
absoluta, quando o passado não contém informação sobre o futuro, só uma ação
decidida e forte do Estado, como a que estamos vendo, pode pôr em marcha o
setor privado e a economia. Essa ação, correta e crível, é capaz de antecipar a
esperança...