sexta-feira, 20 de julho de 2012

O Brasil visto pela The Economist.


Leio no UOL repercussão de matéria publicada nesta semana na THE ECONOMIST.

Em clima de Olimpíadas, a revista britânica The Economist diz que o desempenho econômico recorde de alguns países emergentes na última década teria sido "à base de anabolizantes".

O artigo, publicado na edição desta sexta-feira (20) e intitulado "A Grande Desaceleração", faz uma analogia com o atletismo, dizendo que, diante do crescimento econômico dos Brics, os países emergentes se notabilizaram como "os melhores velocistas do mundo".

Segundo a revista, a China "mal notou" as séries crises que fizeram "derrapar" os Estados Unidos e depois a Europa.

"Outras grandes nações desenvolvidas pausaram para respirar brevemente. Investidores apostaram pesado no crescimento rápido em mercados emergentes, enquanto líderes, de Pequim a Brasília, pregavam ao mundo as virtudes de seus modelos econômicos centrados no estado", diz a revista.

Os recentes desempenhos decepcionantes de China e Índia são sinais de que os "velocistas" da economia mundial começaram a "ofegar". "O Brasil virtualmente estagnou", diz a revista.

É nesse contexto, fazendo um retrospecto do bom momento vivido pelos emergentes antes da nova realidade, que a revista faz a analogia com o uso de drogas que melhoram o desempenho esportivo.

"Uma dessas drogas foi o apetite da China por matérias-primas, que criou uma explosão que sobrecarregou muitos mercados emergentes", diz o artigo.

No caso brasileiro, a droga usada teria sido "a oferta doméstica de crédito", realizada em grande parte pelos bancos estatais. A revista lembra que em 2010, o país foi forçado a reverter a política e aumentar os juros.

A publicação lamenta que a crise no mundo financeiro tenha sido interpretada como uma razão para manter um papel mais forte do estado: "No Brasil a empresa estatal petrolífera, Petrobras, e os bancos estatais têm se tornado subordinados às políticas governamentais".

"Ter tamanha influência sobre a economia é realmente útil durante a crise, mas em 'corridas longas' vai sufocar a concorrência, secar o capital do setor privado, deter o investimento estrangeiro e o novo, e alimentar a corrupção", defende o artigo.

A Economist ainda aconselha uma manutenção da disciplina macroeconômica e o retorno às reformas microeconômicas como uma preparação para a "maratona", numa perspectiva de longo prazo.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sem paliativos.


Editorial de hoje no GLOBO comenta sobre a atual situação econômica brasileira e alerta para a necessidade de ajustes internos, considerando que a crise internacional pode continuar por vários anos.     

Por algum tempo, o governo alimentou a ideia que o Brasil poderia continuar crescendo, alheio à crise financeira internacional, até porque o país estaria mais voltado para a Ásia, onde a demanda por nossas exportações continuava firme e forte. Era, evidentemente, uma ilusão, pois seria apenas uma questão de tempo a Ásia também sentir os efeitos da crise.

E foi o que aconteceu. Diante da perspectiva de baixo crescimento nos mercados mais desenvolvidos, as economias asiáticas, muito impulsionadas por exportações, não têm conseguido manter o mesmo ritmo acelerado de expansão do passado. A Ásia certamente permanecerá com mais dinamismo e vigor do que outras partes do mundo, mas não mais a ponto de provocar uma pressão de demanda explosiva, capaz de sustentar as cotações de matérias-primas industriais e agrícolas lá nas alturas.

A participação do comércio exterior no conjunto da economia brasileira é relativamente pequena, mas é essa troca de mercadorias que na verdade funciona como força motriz do crescimento. Historicamente, é a partir do impulso das exportações que o mercado doméstico ganha velocidade.

Sem esse impulso, o governo tem recorrido a medidas pontuais para estimular o consumo interno de segmentos industriais que viram a sua demanda minguar nos últimos meses. Setorialmente são iniciativas que até podem ser válidas, desde que vistas como paliativos, de efeito passageiro. Não será com tais estímulos que a economia recuperará o impulso de crescimento sustentável.

O nó da questão está nos investimentos. Mesmo com ritmo de crescimento moderado, a economia brasileira se depara com muitos gargalos em sua infraestrutura. Sem removê-los, a economia sempre enfrentará dificuldades quando tentar crescer mais rapidamente.

Viabilizar investimentos, públicos e privados deveria ser o foco da política econômica, e para tal há desafios importantes a serem superados. O principal deles é um aumento de poupança doméstica. Para financiar investimentos, a economia brasileira não pode contar indefinidamente com o reforço da poupança externa. A prática nos mostra como os humores dos mercados financeiros mudam, às vezes até sem fundamento.

O Brasil tem um nível de poupança doméstico baixo, entre outras razões porque a economia do país teve que conviver, por anos a fio, com um desequilíbrio estrutural nas finanças públicas. Em vez de financiar investimentos, parte da poupança doméstica foi deslocada para a cobertura dos déficits governamentais.

A conjuntura atual tem favorecido a redução desses déficits, pois o componente financeiro tende a diminuir com a queda das taxas básicas de juros. Então, o país está diante de uma oportunidade para ampliar a poupança doméstica, redirecionando-a para investimentos. Nesse caso, o governo terá de redobrar a atenção com os gastos de custeio, não cedendo a pressões para a concessão de aumentos de salários ou concessão de benefícios. Se cair na tentação populista, perderá a oportunidade, e dificilmente a economia brasileira encontrará outro caminho para assegurar um razoável ritmo de crescimento nesse ambiente de crise internacional, que pode perdurar ainda por vários anos.

domingo, 15 de julho de 2012

A reinvenção dos Estados Unidos.


Editorial de hoje na FOLHA DE S. PAULO mostra que a economia mais rica do mundo ainda busca novas fontes de dinamismo para manter criação de empregos e enfrentar rivais asiáticos

Apesar das seguidas frustrações das expectativas de que, enfim, a economia dos EUA retomava seu ritmo normal, após a tragédia de 2008, o desempenho é melhor que o de outras economias avançadas.

Descartou-se nova catástrofe, risco ao qual a Europa se sujeita a cada semestre. Tampouco se cogita uma estagnação à moda japonesa.

Mais versátil, flexível e competente ao lidar com problemas do seu sistema financeiro, a economia americana será ao final deste ano 2,8% maior do que era em 2007. Parece pouco, mas a produção econômica na eurozona ainda será cerca de 1% menor.

Embora previsões de longo prazo sejam ainda menos confiáveis neste início de século de convulsões econômicas frequentes, estima-se que, do início da crise até o ano 2020, os Estados Unidos cresçam mais de 21%. A zona do euro, 7% -menos de um ano de crescimento do PIB chinês.

Ainda assim, os americanos estão atônitos diante da mais lenta reação a uma crise desde a Segunda Guerra Mundial, excetuada a recessão de 1980, no entanto menos profunda. A taxa de desemprego de longa duração é a maior desde os anos da guerra.

A depressão no setor imobiliário é a maior de que se tem registro. A venda de casas caiu a um quarto do pico de 2006, tendo baixado desde 2008 a níveis verificados nas recessões de 1982 e 1970, quando o país era bem menor.

Há controvérsia acerba sobre os motivos do desemprego persistente, ainda na casa dos 8,2%. É quase o dobro do verificado nos melhores momentos da década passada.

De um lado, economistas consideram que parte das profissões se tornou obsoleta. O desemprego será maior -"estruturalmente maior", diz-se- enquanto não houver mudança geracional ou requalificação dos trabalhadores.

Na oposição à tese estão aqueles para os quais o desemprego é cíclico, derivado do baixo crescimento, por sua vez devido à falta de demanda, de consumo. No momento, apenas o governo poderia incentivá-la, com um aumento transitório da dívida pública.

Posto desse modo, o debate se esquiva da pergunta óbvia a respeito da sustentabilidade do crescimento anterior à recessão.

O desemprego então baixara de modo impressionante, com inflação e taxas de juros contidas. Mas o país financiava seu consumo com bolhas financeiras, excesso de dívidas privadas e públicas e gastos militares crescentes, além de deficit externos. Os americanos sustentavam parte importante de seu consumo com crédito estrangeiro, da China em particular.

Mais americanos passaram a trabalhar em tempo parcial. O salário médio cresceu lentamente. Benefícios sociais foram cortados.

Mesmo economistas mais favoráveis a uma economia aberta e flexível passaram a reconhecer, pouco antes da crise, que a globalização tinha seu preço, pago pelo trabalhador comum. Empregos industriais, e mesmo de serviços, foram e são transferidos para nações ditas emergentes.

Parece evidente que parte do desemprego, do achatamento salarial e do baixo crescimento se deve à conjuntura. Governo e famílias ainda reduzem dívidas. O mundo cresce mais devagar, e as recaídas europeias abalam a confiança de empresários e consumidores.
Outro fator de desemprego e redução da população economicamente ativa talvez seja mais duradouro. A geração do "baby boom" (nascimentos no pós-Guerra) se aposenta em massa; parte dela desistiu de procurar novo emprego.

Os trabalhadores mais antigos restantes, mesmo que retreinados, iriam empregar-se onde? E os jovens? Qual seria o novo setor dinâmico, capaz de atrair maciços investimentos para liderar o crescimento em geral da economia?

O setor mais inovador, de tecnologia, cria poucos empregos. E a industrialização da vizinhança da China, ainda mais atrasada, continuará a prejudicar fábricas americanas dos ramos convencionais.

O investimento insuficiente é um fator importante da lenta recuperação. Grandes empresas relutam em investir, apesar de seus balanços saudáveis, pois temem o retraimento do consumidor.

A redução dos gastos federais e os brutais cortes de despesas em Estados e cidades afetam tanto a contratação de empresas quanto o consumo das famílias. A poupança baixa desde os anos 1980.

A demanda externa não se apresenta como alternativa, pois a Europa estará em crise por vários anos, e a China continuará a reduzir seu ritmo de crescimento.

Fatores estruturais afetam, sim, o potencial de crescimento. O ritmo de ampliação da mão de obra cai, dados o envelhecimento da população e a redução da taxa de nascimentos. Tudo o mais constante, parece que a nova normalidade americana será de crescimento em ritmo mais baixo.

Os EUA têm pela frente ao menos meia década de ajustamento das contas públicas, demografia menos favorável, gastos crescentes com idosos e concorrência externa que pode tragar empregos em setores tradicionais.

A economia americana, contudo, reagiu nos anos 1980 à onda japonesa. Reinventou-se, e ao mundo, com as inovações de suas empresas de tecnologia de informação. Por ora, no entanto, a perspectiva mais normal para os EUA aponta para uma economia entrando na terceira idade: madura e mais lenta, embora ainda saudável -e extremamente rica.

sábado, 14 de julho de 2012

PIB 2012: 1,8%?


Leio no UOL o ex-presidente do BACEN Gustavo Loyola comentando sobre o PIB 2012. 

Após dois semestres de baixíssimo crescimento, a economia deve apresentar números bem melhores nos próximos meses, acredita Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da consultoria Tendências.

No entanto, afirma, gargalos como infraestrutura ruim e falta de mão de obra qualificada devem impedir que o país cresça a taxas acima de 4% no longo prazo.

Folha - A economia vai engatar no segundo semestre?
Gustavo Loyola - Sim, existe um estímulo monetário bastante grande e alguns estímulos de redução de impostos. Como o mercado de trabalho está bem, não vejo porque a economia não vá apresentar números muito melhores neste semestre. 
O número que vai ficar feio no final é o crescimento do PIB, que fechará em 1,8% ou menos. Mas esse número, como é uma média do ano, tem muito de história passada.

E a partir de 2013, o PIB volta a crescer a taxas maiores?
Depende do cenário internacional. A gente pode entrar numa gangorra [oscilar entre taxas altas e baixas] se formos para um crescimento muito acima de 4% ano que vem. Eu acho que se ficarmos em 4%, ou um pouco abaixo disso, é possível manter essa taxa de crescimento na média ao longo de 2013, 2014.
No longo prazo, a gente já começa a ter um pouco mais de dificuldade, por causa da oferta apertada de mão de obra, dos problemas de infraestrutura. Se a oferta não acompanha o crescimento, você cria gargalos que acabam eles mesmo servindo de obstáculo ao crescimento.

Há espaço para o país crescer a taxas maiores, como em alguns anos do governo Lula?
Mesmo com o efeito positivo da forte valorização das commodities, nunca chegamos à capacidade de crescer de forma sustentada acima de 4,5%. Os anos em que isso aconteceu foram períodos de recuperação cíclica.
O ciclo de reformas [dos anos 90] elevou nossa capacidade de crescimento de 3% para mais de 4%. Uma melhora substancial, mas não tornou o Brasil uma China. Só que o efeito dessas reformas se dilui no tempo. São necessárias novas reformas que aumentem o investimento.

O que o governo não deve fazer para acelerar o crescimento no curto prazo?
É preciso preservar o regime de metas de inflação. Ele ajuda a manter a inflação baixa e reduz as incertezas sobre o futuro, o que é fundamental para gerar investimentos.

A taxa de juros deve cair mais?
Tem espaço para corte até 7% [hoje a Selic está em 8%]. Há risco para a inflação, mas é difícil interromper a queda, pois não há muita certeza sobre se o pior da crise passou.

domingo, 1 de julho de 2012

Moisés Naím e Martin Wolf numa conversa econômica.

Uma conversa entre MOISÉS NAÍM e MARTIN WOLF merece ser divulgada pelo menos para os meus quase ainda dois fieis leitores. Abaixo matéria obtida no UOL on line.

A crise transformou alguns comentaristas econômicos em personagens de fama mundial. Um deles é Martin Wolf, o principal editorialista econômico do Financial Times e certamente um dos colunistas mais influentes do momento. Conversei com ele alguns dias atrás em Istambul. "Que aspectos da crise o surpreenderam?", perguntei.
*
Martin Wolf - O pouco capital próprio que possuíam os bancos e outras instituições financeiras, para os riscos que assumiam. Captavam dinheiro a curto prazo e o colocavam no longo prazo. Eu tinha voltado toda minha atenção à macroeconomia e não vi o que estava acontecendo com a microeconomia. Esse é o maior erro que cometi em minha carreira. Meu outro erro foi não ter me dado conta de quão fracos e inadequados eram os controles e regulamentos dos bancos.

Que responsabilidade têm os jornalistas nesta crise?
Eles cometeram muitos erros de omissão. Deveriam ter sido muito mais agressivos e rigorosos na fiscalização dos bancos, os reguladores, etc. O problema é que, em geral, os jornalistas sabem pouco de economia e finanças.

Mas os economistas mais renomados tampouco se cobriram de glória. Nem previram a crise nem entraram em acordo quanto a como administrá-la. Quais foram as exceções?
Nouriel Roubini alertou desde cedo sobre as bolhas nos preços de certos ativos financeiros e sua relação com o endividamento e percebeu que essa mistura era explosiva. Robert Shiller analisou melhor que ninguém o que estava acontecendo no setor imobiliário. E Raghuram Rajan soou o primeiro alarme sobre a fragilidade do setor financeiro e explicou como ele estava se convertendo em ameaça à estabilidade global. Na realidade, porém, houve muitos outros. E a verdade é que a economia ortodoxa mostrou não ter utilidade para explicar o que acontece.

Mas os chefes de Estado precisam administrar a situação, mesmo que as recomendações que os economistas lhes dão sejam de qualidade duvidosa. Como o sr. qualifica a administração da crise feita por George W. Bush, Barack Obama, Wen Jiabao e Angela Merkel?
Bush, reprovado. Obama e Wen Jiabao, aprovados. Merkel, aprovada como líder da Alemanha e reprovada como líder europeia.

Mas Obama está sendo criticado ferozmente pelo modo como administra a economia.
De fato. Seus críticos argumentam que a recessão dos EUA deveria ter sido mais curta e a recuperação mais veloz e vigorosa. Mas, com base na experiência histórica e na análise objetiva, a crise que Obama herdou deveria ter causado uma recessão ainda mais profunda que a que houve, e provavelmente até uma forte depressão. Obama conseguiu evitar essa catástrofe, e, desde que a crise começou até agora, a economia americana é a que mais se recuperou, em comparação com as dos outros cinco países mais avançados.

Nesta crise, os chefes dos bancos centrais se transformaram em atores fundamentais. Quem são os melhores banqueiros centrais do mundo?
Ben Bernanke, o diretor do Federal Reserve dos EUA.

Quem mais?
Os outros estão em outra categoria. Bernanke vem fazendo um trabalho excepcional.

Paul Krugman argumenta que uma política monetária e fiscal mais expansiva reduziria o nível de desemprego nos Estados Unidos. Raghuram Rajan pensa que muitos dos empregos que desapareceram na crise não poderão mais ser recuperados --que são produtos de mudanças estruturais e tecnológicas. Quem tem razão?
Os dois. Krugman ao afirmar que os EUA podem e devem fazer mais através de gastos públicos e da política monetária para aumentar o emprego. E Rajan ao dizer que a economia dos EUA se transformou de tal maneira que muitos empregos de antes não vão mais existir e que, a longo prazo, é preciso criar postos de trabalho em outros setores.

Dentro de dez anos, que país vai ter uma economia com mais crescimento, Espanha ou Itália?
Espanha.

E entre China e Índia?
Índia.

Estados Unidos ou Alemanha?
Estados Unidos.

E, já que estamos na Turquia, um país que vem tendo um desempenho econômico espetacular, como o sr. vê a situação aqui?
Insustentável. A Turquia sofre de desequilíbrios econômicos profundos, e seu enorme déficit de conta corrente é um sintoma desse fato.

E a Europa?
Vejo três cenários: mais Europa, mais do mesmo ou reformas limitadas. O primeiro é uma Europa mais federal, o segundo é a Europa das contínuas cúpulas de líderes em que não se decide nada de fundamental ou "grande", e o terceiro supõe que os países vão acordando reformas parciais que permitam ir resolvendo os problemas mais graves; é o que chamo de "o status quo e algo mais". É este o cenário que vejo como o mais provável.

Siga-me no twitter @moisesnaim

Economia brasileira 2012.

LUIZ CARLOS DELORME PRADO, professor do Instituto de Economia da UFRJ e Ph.D em economia pela Universidade de Londres, escreveu esta análise especialmente para a FOLHA DE S. PAULO. 

O Brasil não é uma ilha, e a crise econômica mundial chegou ao país.

A desaceleração da economia brasileira tem duas causas: as ondas de choque da crise econômica internacional e a combinação dos efeitos domésticos da menor expansão do consumo das famílias e da queda dos investimentos públicos e privados.

A crise mundial começou com o crash do mercado imobiliário norte-americano (a crise do "subprime", hipotecas de alto risco) e alcançou a Europa. Afetou, inicialmente, o mercado financeiro e depois as contas públicas dos países mais vulneráveis.

Numa segunda fase, a crise vem ameaçando a existência do euro, mas também levou à desaceleração do crescimento dos Brics, embora de forma diferenciada.

O Brasil respondeu com sucesso à crise nos EUA depois do crash de 2008, com o aumento do consumo doméstico. O aumento da classe média, em decorrência do crescimento econômico e das políticas sociais do governo, favoreceu essa resposta.

Após as famílias terem respondido aos estímulos do governo com grande expansão do consumo -em parte, desperdiçado com uma taxa de câmbio sobrevalorizada-, o endividamento das famílias ficou elevado para as condições brasileiras.

Segundo dados do Banco Central, o estoque de crédito atual é de R$ 2,136 trilhões (maio de 2012), tendo alcançado 50,1% do PIB. Portanto, não há muita margem de crescimento por esse lado.

No momento, não é possível recuperar o crescimento econômico, a curto prazo, por meio de aumento do consumo privado. Resta o aumento do investimento.

O governo tenta aumentar o investimento privado por meio da redução da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), reduzindo o custo dos empréstimos do BNDES.

A resposta a esse estímulo, porém, dificilmente será suficiente para produzir efeitos significativos na economia.

O governo não tem, portanto, outra alternativa a não ser aumentar o gasto público.

As cidades brasileiras precisam de investimento em transporte de massa, há carência de investimento em saneamento, necessidade de reformar e ampliar as estradas e os portos no Brasil. Por diversas razões, no entanto, o governo não tem conseguido aumentar o investimento de sua responsabilidade.

Como última saída, decidiu-se realizar gastos de curto prazo na aquisição de bens e serviços. Segundo a Folha, o governo aumentará as compras em R$ 8,4 bilhões este ano -comprará tratores, ambulância, trens, ônibus etc.

A medida é bem-vinda e necessária. Mas muito pouco e muito tarde.

Consumo e Satisfação.

O colega Guilherme da Luz, editor do site http://www.emprestimo.org/author/guilherme-da-luz, que trata de assuntos como Empréstimo Consignado, Empréstimo Pessoal, Seguro Desemprego, Plano de Saúde, entre outros, escreveu este artigo especialmente para o nosso blog.


Consumo e satisfação - A paixão e a busca incessante da felicidade movem a economia.
           
A ambição é uma paixão. Ela é considerada positiva para os negócios, louvada por significar atitude de constância e determinação. A busca incessante da felicidade, empreendida pelo homem, ser insatisfeito por natureza, é um mecanismo que vem sendo cada vez mais explorado pela mídia e pelos profissionais da publicidade, que sabem atiçar a sede por prazer e novidades, que nunca se extingue no consumidor. Se o dinheiro não existe, sugere-se um empréstimo ou financiamento!

O consumidor busca a satisfação na sua vida pessoal, mas quer ver resultados satisfatórios também na vida pública. Os índices de popularidade do governo são bons exemplos disso. O consumidor se manifesta sobre a política de juros, o peso dos impostos, a perspectiva de inflação ou as políticas econômicas. A opinião dos consumidores e cidadãos pode ser medida pelos índices mais baixos ou mais altos na popularidade do governo.

Muitas vezes o desejo de manifestar ao mundo, aos amigos e a si mesmo a capacidade para expressar convicções acerca de alguma questão pública é o que sustenta o indivíduo a participar diretamente das decisões coletivas e políticas. A mesma paixão com que o indivíduo trata seus interesses privados pode motivar seu interesse pela participação na vida pública. Sua energia pode ser canalizada para temas que lhe tragam satisfação e vitalidade. Até mesmo a decepção é importante para o comportamento, movendo os cidadãos a se integrarem a objetivos coletivos, deixando de lado seu egoísmo.

Existem momentos em que o esforço pelo bem estar coletivo, movido pela paixão, confere um prazer que por si só justifica a luta. Essa “luta” é o esforço para alcançar o objetivo, apesar do sucesso em nenhum momento estar assegurado. Na vida pública, por vários motivos, parece que a própria participação é mais atrativa do que os objetivos a serem alcançados. Seja por vaidade, pela busca da compensação de frustrações na vida privada, ou pelo reconhecimento que o poder confere, o fato de estar em evidência e “lutando” parece trazer felicidade e gratificação. Os esforços em prol da felicidade pública associam-se a uma considerável realização.

A maior parte das pessoas cresce com a sensação de que a realidade existente não pode ser mudada ou que cada um é impotente para fazer ocorrer essa mudança. A percepção de que é possível agir para mudar a sociedade ou melhorá-la e a oportunidade de união com outras pessoas que pensam de forma semelhante é agradável e atrativa. Não é necessário nem mesmo que a sociedade seja mudada em curto prazo, basta agir como se isso fosse possível. Muitas vezes os esforços ou a luta para alcançar os benefícios podem frequentemente passar a serem vistos como parte dos próprios benefícios da ação.

O problema é que os bens coletivos podem ser aproveitados por todos e muitos acomodados e conformistas aproveitam a carona de outros, que se empenham tomando iniciativas. Muita gente se comporta com indiferença, esperando que outros trabalhem. Quantas vezes vemos que o interesse em participar só aumenta quando se oferecem brindes, prêmios, descontos especiais, incentivos como assistência jurídica, auxílio moradia ou planos de saúde.

Como poderíamos interpretar o interesse em trabalhar para conseguir bens que beneficiam a todos, sem que haja retorno material imediato? Do ponto de vistaeconômico, um indivíduo somente fará sacrifícios, com gasto de tempo e dinheiro quando pode usufruir de benefícios diretos em um grupo. Se isso fosse verdade, dificilmente um cidadão, em algum momento, se dedicaria à vida pública sem obter privilégios pessoais com essa atividade. Para a mentalidade empresarial e capitalista, é difícil entender como os resultados podem não ser a gratificação que o indivíduo busca, e que a felicidade pode estar no esforço empregado para alcançá-los, ou na soma desses fatores.

Plano Real: 18 anos.

Clayton, diretamente de Fortaleza, do nosso jornal O POVO, e sua homenagem ao R$. 
 

sábado, 23 de junho de 2012

Marcelo Neri no IPEA?

Leio na FOLHA de hoje que intelectuais do PT criticam a indicação de Marcelo Neri ao IPEA. Lembro apenas que o economista é o nome preferido da presidente Dilma e que, apesar de não constar na lista do colega Adolfo Sachsida http://bdadolfo.blogspot.com.br/search?updated-max=2012-06-08T16:32:00-03:00&max-results=7é um nome bem referenciado.   

Indicado para dirigir o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o economista Marcelo Neri é hoje o nome preferido da presidente Dilma Rousseff ao posto, mas enfrenta resistência da ala desenvolvimentista do governo.
Sugerido ao cargo pelo ministro Moreira Franco (Secretaria de Assuntos Estratégicos), Neri tem o aval do ministro Guido Mantega (Fazenda), egresso da Fundação Getúlio Vargas, tal como Neri.
Apesar do apoio robusto, a reação a ele cresce à medida que a definição do futuro presidente do órgão é protelada.
Economistas do Ipea tradicionalmente ligados ao PT torcem o nariz para a indicação, apesar de Neri, colunista da Folha, ter feito repetidos elogios à política de inclusão social de Lula.
Nos últimos dias, a economista Maria da Conceição Tavares, uma das gurus do pensamento petista, passou a liderar um movimento para emplacar outro titular.
Uma das alternativas é José Carlos Miranda, ex-representante do Brasil no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), mas sem amplo apoio nos bastidores.
Dilma busca um nome de "peso" para comandar o instituto e, segundo interlocutores, vê esse perfil em Marcelo Neri. A expectativa é que a decisão seja tomada a partir da semana que vem.
Por trás da resistência a Neri está uma tradicional rivalidade no mundo acadêmico: o antagonismo entre os economistas da PUC-Rio, liberais, e os da Unicamp, desenvolvimentistas -defensores de uma maior intervenção do Estado na economia.
Do ponto de vista político, o PSDB é adepto da primeira escola, e o PT, da segunda.
Também está no páreo Vanessa Petrelli, presidente interina do Ipea, mas com chances consideradas pequenas.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

A USP é dez!


Afinal, uma ótima notícia hoje na FOLHA.

A USP (Universidade de São Paulo) lidera a lista das melhores universidades latino-americanas, segundo novo ranking publicado nesta quarta-feira (13) pela instituição britânica QS (Quacquarelli Symonds). A Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que subiu da 19ª posição em 2011 para a 8ª neste ano, completam a lista das brasileiras no top 10.

Conheça as 10 melhores universidades latino-americanas segundo o ranking da QS.

Top 10 universidades latino-americanas
Posição/2012 Instituição País Posição/2011
1 USP (Universidade de São Paulo) Brasil 1
2 Pontificia Universidad Católica de Chile Chile 2
3 Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Brasil 3
4 Universidad de Chile Chile 4
5 Unam (Universidad Nacional Autónoma de México) México 5
6 Universidad de Los Andes Colombia Colômbia 6
7 Itesm (Tecnológico de Monterrey) México 7
8 UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Brasil 19
9 Universidad de Concepción Chile 12
10 Usach (Universidad de Santiago de Chile) Chile 21

Segundo a QS, foram entrevistados, em todo o continente, mais de 14 mil acadêmicos, assim como 11 mil empregadores. Os rankings levam em conta pesquisa, ensino, empregabilidade de internacionalização.

De acordo com o instituto, a forte presença brasileira é causada por um “esforço nacional” para aumentar o acesso ao ensino superior –o que seria demonstrado pelo fato de as matrículas terem sido triplicadas na última década – e incentivo a pesquisas acadêmicas.

Top 10 universidades - Brasil
Posição 2012
Brasil Posição 2012
Am. Latina Instituição Posição 2011
Am. Latina
1 1 USP (Universidade de São Paulo) 1
2 3 Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) 3
3 8 UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) 19
4 13 UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) 10
5 14 UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) 14
6 15 Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) 31
7 17 Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) 16
8 18 PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) 15
9 25 UnB (Universidade de Brasília) 11
10 28 PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) 37

Fonte: QS (Quacquarelli Symonds)

Uma nova política econômica?


André de Melo Modenesi, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e pesquisador do CNPQ - Rui Lyrio Modenesi, ex-professor da Universidade Federal Fluminense e Norberto Montani Martins, mestrando do IE/UFRJ, escreveram no VALOR ECONÔMICO de hoje sobre a atual política econômica. 

Em 1999, foi adotado no Brasil um regime de política econômica fundado no tripé metas de inflação, câmbio flutuante - com alto grau de mobilidade de capitais - e metas de superávit primário. Grosso modo, a política monetária era hierarquicamente superior às demais: a política econômica focou a estabilização dos preços, que caberia exclusivamente à política monetária - por meio de apenas um instrumento, a taxa Selic. O câmbio deveria flutuar, respondendo à política monetária e aos fluxos cambiais. A política fiscal foi coadjuvante: limitou-se a não criar pressões inflacionárias, mantendo-se restritiva. O crescimento ficou em segundo plano.

O conturbado período entre 1999 e 2003 - marcado pelo ataque especulativo de 1999 e por diversas crises, tanto internas quanto externas - ajudou a validar o tripé junto à sociedade. Criou-se um sentimento de medo, uma convenção de que se tratava da única alternativa. Os formadores de opinião repetiam "ad nauseum" a necessidade de continuar fazendo o "dever de casa". Qualquer correção de rota era repelida pelos investidores - nacionais e estrangeiros - que ameaçavam fugir do país. Assim, o mercado financeiro subjugou a gestão da política econômica e limitou drasticamente suas opções. A crise cambial durante a eleição presidencial de 2002 foi exemplo notório.

O tripé foi mantido rigidamente no primeiro mandato de Lula: as metas de inflação e fiscais eram perseguidas rigorosamente. A flutuação cambial - na ausência de controles de capitais - mantinha o câmbio como principal âncora para a inflação. No segundo governo Lula, começa a haver uma parcimoniosa flexibilização, com o resgate de política fiscal contracíclica e algumas medidas de controle cambial. O Banco Central (BC), por seu turno, foi na contramão, tornando o regime de metas de inflação ainda mais rígido. Criou-se patente falta de coordenação entre as principais instâncias da política econômica: a fiscal era expansionista, a monetária restritiva. A reação à crise do supbrime (2008-2009) foi inusitada: o Ministério da Fazenda estimulava a economia, e o BC subia os juros.

A atuação da Fazenda ampliou-se significativamente após a crise, com o uso de medidas anticíclicas. O maior ativismo na política fiscal se manteve após a superação da fase mais aguda da crise. Após 2010, o foco voltou-se para o câmbio. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi o principal instrumento para coibir a apreciação cambial e a flexibilidade cambial foi limitada por controles à entrada de capitais. O IOF serviu, também, para desestimular a demanda por crédito, atuando em complemento às medidas de contenção da demanda editadas pelo BC.

A Fazenda adotou, ainda, medidas para prevenir a elevação de certos preços. Ressaltam-se as desonerações tributárias e, principalmente, a linha de financiamento para estocagem de etanol para garantir oferta adequada na entressafra - evitando-se importante pressão inflacionária. Finalmente, destaque-se a alteração dos rendimentos da poupança contribuindo, de forma coordenada com o BC, para a queda dos juros. Note-se, entretanto, a indesejável indexação dos rendimentos à Selic, contrária à imperiosa desvinculação dos ativos financeiros em relação à taxa básica de juros.

As mudanças por parte do BC ocorreram a partir de dezembro de 2010. Primeiro foram elevados os compulsórios, para moderar a oferta de crédito. Adicionalmente, foram tomadas medidas macroprudenciais para também conter o crédito. Finalmente, destaca-se a atuação menos conservadora do BC, que se antecipou e, acertadamente, tomou proveito de janela de oportunidade para impor redução menos gradual e parcimoniosa da taxa Selic. Assim, distanciou-se, ainda que limitadamente, do padrão excessivamente conservador que vinha caracterizando a instituição. Exemplo notório desse conservadorismo ficou conhecido como o erro de Meirelles. Apesar do recrudescimento da crise do subprime e dos claros sinais de desaquecimento da economia, a política monetária foi mantida apertada. Além de favorecer uma queda ainda mais drástica da atividade, perdeu-se boa oportunidade de se reduzir a taxa Selic.

Essa nova postura materializou-se em corte, não previsto pelo mercado, de 50 pontos-base na Selic, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto de 2011. O BC contrariou, frontalmente, o "consenso" de mercado, antecipando em cerca de três meses a redução da Selic implícita no swap de DI. O que gerou pesadas perdas para a maioria dos agentes do mercado de DI, que apostava na manutenção dos juros.

Essa decisão fundamentou-se em quadro inflacionário mais benigno, marcado por: ameaça de recrudescimento da crise europeia; arrefecimento da economia doméstica; e reaproximação da inflação ao centro da meta. Além disso, a Fazenda elevou o superávit primário. A intensidade da reação contrária de muitos analistas - ligados ao mercado financeiro, sobretudo - revela a dificuldade de efetivar-se mudança na política econômica, por mais limitada que seja. É reveladora da força da convenção pró-conservadorismo na política monetária. A firmeza do BC diante da saraivada de críticas recebidas também mostra uma nova postura da instituição, marcada por maior independência em relação ao mercado financeiro.

É inegável que no governo Dilma Rousseff houve uma mudança na política econômica. Entretanto, essa alteração, além de incipiente, é parcial e limitada. Por um lado, o tripé foi, essencialmente, mantido. Assim, não se pode falar em profunda reformulação na política econômica. Por outro, verificou-se atuação mais ativa da Fazenda, sobretudo mais coordenada com o BC, no combate à inflação.

O BC, por sua vez, adotou medidas de controle de crédito, complementares à taxa Selic. É uma clara tentativa de diversificação dos instrumentos de política monetária que resulta do reconhecimento, ainda que tácito, de que a Selic tem limitada eficácia no combate à inflação e que, portanto, seu uso é muito custoso. Trata-se de mudança na direção certa e que deveria ser aprofundada.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Política econômica amanteigada.


Em inspirado editorial n’O Estado de S. Paulo de hoje, a atual política econômica e o alerta para o eterno vício brasileiro da reindexação.

A marolinha foi uma sacada política inteligente do então presidente Lula. Evitou o pânico que retrairia subitamente o consumo. Deu certo por um tempo. Agora as ondas aumentaram. A presidente Dilma Rousseff queixou-se de um tsunami. Algo havia que fazer, mas não muito a ser feito. Adotamos cobertor curto para cobrir santo grande.
O governo quer coisas contraditórias: aliviar alguns impostos e manter a arrecadação. Os escolhidos para ganhar são os que têm lobbies mais fortes, capazes de ameaçar com desastres maiores: mais desemprego, maior frustração ou instabilidade política. A predileta é a indústria automobilística. Nela é sensível a retração do consumo. A ameaça é forte e o lobby, pesado.
O que é melhor, proteger a indústria automobilística ou a de ar-condicionado? A de caminhões ou a de micro-ondas? Numa situação de mercado, todos os produtos são iguais. As preferências dos consumidores é que definirão os vencedores. Na escolha política do governo e das burocracias, alguém diz que é melhor que os carros sejam mais baratos e os refrigerantes e os aparelhos de ar-condicionado, mais caros. Cada um sabe onde lhe aperta o sapato, mas o governo optou por nos dar sapatos com pontos mais apertados e outros mais frouxos.
Voltamos à situação anterior a 1860, quando os pares de sapatos eram simétricos. Os pés direito e esquerdo dos sapatos eram iguais, só que nas pessoas um pé é diferente do outro. Cabia aos usuários deformar os sapatos para adaptá-los ao pé em que quisessem usá-los. Por isso tanta gente tinha bolhas e calos.
As recentes decisões do governo são parecidas. Ajustem seus pés, vocês, que gostam de refrigerantes, micro-ondas e ar-condicionado, porque os impostos desses produtos subirão. Preparem-se os que gostam de automóveis, porque será mais barato comprá-los. Tudo tem consequências que transbordam os limites da decisão. Em troca, uns sentirão mais calor, outros engarrafarão mais as ruas e estradas. Em economia tudo funciona assim: uma decisão tomada aqui repercute lá. Algumas vezes, meses depois.
Quando foi anunciada a decisão de aumentar os impostos dos refrigerantes, o burocrata entrevistado disse que os reajustes serão reavaliados anualmente, em 1.º de outubro, quando os novos valores devem ser anunciados. Sua ressalva foi tão idiota quanto inútil: disse que o fato de o governo elevar os impostos não significa, necessariamente, que produtores e comercializadores tenham de aumentar os preços para os consumidores. Idiota porque o que ele já adiantou é que o governo prevê a inflação em velocidade que demandará uma avaliação anual para aumentar os impostos. Inútil porque, se os produtores sabem que o governo lhes vai apertar o sapato dos impostos, eles repassarão o aperto aos clientes, nos preços. O aspecto mais sério da decisão foi anunciar, com 16 meses de antecedência, que em 1.º de outubro de 2013 o governo anunciará qual vai ser o aumento do imposto.
Foi dada a partida oficial para o vício da reindexação. Ela nunca foi totalmente abandonada, mas estava mais moderada e envergonhada. Escondia-se debaixo das diversas siglas dos índices de preços: IPCA, IGPM, IPA, INPC, ICC, Selic e outras. Não havia um índice de inflação mensal que passasse a mensagem de que todo mundo podia (podia ouvido como devia) aumentar o preço de seus tomates ou microscópios eletrônicos na mesma proporção.
Aumentar impostos para desestimular o consumo é uma política, em geral, fadada ao fracasso. Os produtos valem o que as pessoas querem pagar por eles. Se o imposto for alto, mas o desejo for maior, o consumidor compra mesmo. Já baixar os impostos funciona, porque as pessoas que desejam muito sabem que terão o prazer que querem por um preço mais baixo. A escolha não será entre consumir um ou outro, mas, sim, entre como e em quanto se endividar para comprar o que se quer.
A beleza do mercado é que milhões de pessoas mandam mensagens aos produtores dizendo o que querem comprar e a que preço; e o que não querem pelo preço que produtores estão cobrando. As consequências são inequívocas: sucesso para quem vende o que as pessoas querem pelo preço que elas estão dispostas a pagar e crise ou falência para os produtores ou vendedores que não se ajustam aos desejos dos consumidores.
Quando o governo passa a bulir com essas coisas, começam os desequilíbrios. Mutretas econômicas têm consequências de longo prazo, impossíveis de antecipar ou simular, mesmo nos computadores mais sofisticados.
É claro que os produtores já vão começar a equipar seus departamentos de compras e vendas para ajustar os preços de acordo com o fiat governamental, independentemente dos custos de produção ou dos desejos dos consumidores. Foi dada, de fato, a partida para a indexação. Daqui para a frente, outros setores dirão que querem a mesma coisa para que se possam planejar melhor. Recomeçaremos a ciranda de preços e reaparecerão as maquinetas remarcadoras de etiquetas, em versão mais moderna, para acompanhar a inflação que o governo já decretou que haverá e de quanto será, da perspectiva governamental.
Os preços têm, entretanto, uma capacidade fantástica: andam sempre mais rápido do que os calculadores da inflação. Entre mortos e feridos se salvarão todos, mas as escoriações generalizadas, as fraturas e os danos mais sérios não serão contabilizados. O nome do jogo, a partir dessa decisão, passa a ser outro: vamos escorregar na manteiga, ladeira acima.
Tomara que os historiadores mais inspirados não se esqueçam de chamar os anos vindouros, de consequências previsíveis, mas inevitáveis, de política econômica amanteigada. Só que não tão gostosa quanto os biscoitos homônimos de Petrópolis.

Gasto acima, investimento abaixo.


Editorial do Valor Econômico alerta que gasto cresce acima do PIB, enquanto cai o investimento público.

Basta uma rápida olhada nas contas do Tesouro Nacional relativas ao primeiro quadrimestre deste ano para constatar que o governo está gastando bem mais do que no ano passado. De janeiro a abril deste ano, as despesas do Tesouro cresceram 5,7% acima da expansão estimada da economia, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Fazenda. No mesmo período de 2011, o ritmo era bem mais lento. A despesa total do Tesouro crescia menos do que a economia e até abril do ano passado foi 2,4% menor do que o crescimento nominal do Produto Interno Bruto (PIB).
É um equívoco, portanto, achar que o superávit primário obtido pelo governo federal de janeiro a abril deste ano seja resultado do corte ou de um controle do gasto. Ele resultou principalmente do forte crescimento das receitas. Até agora, o governo Dilma Rousseff só conseguiu controlar o gasto com o funcionalismo público, que caiu 0,24% do PIB nos quatro primeiros meses deste ano, em comparação com igual período do ano passado. Todas as demais despesas correntes cresceram. E muito.
Há, no entanto, um fato que merece atenção. Os investimentos totais feitos pela União (incluindo os três Poderes) nos quatro primeiros meses deste ano atingiram R$ 21,1 bilhões, sendo que, deste total, R$ 7,1 bilhões foram gastos com os subsídios do programa habitacional Minha Casa Minha Vida (MCMV). Embora seja uma típica despesa corrente, a medida provisória 561, editada este ano, oficializou a inclusão dos subsídios do Minha Casa Minha Vida na rubrica de investimentos.
Antes de tudo, é preciso entender o que vem a ser a despesa pública com o MCMV. Como o programa habitacional se destina às faixas da população de mais baixa renda, as moradias produzidas são financiadas com taxas de juros subsidiadas pelo Tesouro. A despesa do Tesouro, portanto, é com a equalização da taxa de juros, nos mesmos moldes daquela praticada com os empréstimos do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). No PSI, o BNDES oferece linhas de créditos para investimentos e compras de máquinas e equipamentos com taxas de juros subsidiadas pelo Tesouro.
O governo Dilma resolveu considerar os subsídios concedidos no âmbito do MCMV como investimento, mas não fez o mesmo com os subsídios do PSI que, a rigor, estão muito mais relacionados com investimentos produtivos. O governo também não considerou investimento, por exemplo, os subsídios concedidos à agricultura, que só nos primeiros quatro meses deste ano atingiram R$ 4,1 bilhões, segundo dados do Tesouro. As despesas com subsídios e subvenções são classificadas na Lei nº 4.320, que estabelece normas para a elaboração e controle dos orçamentos, como gastos correntes e não como investimentos.
Essa nova forma de contabilidade do MCMV mascara o que efetivamente ocorreu com os investimentos públicos neste início do ano. Se a despesa com o MCMV for excluída, os investimentos totais da União atingiram apenas R$ 14 bilhões de janeiro a abril. No mesmo período de 2011, os investimentos totais ficaram em R$ 16,4 bilhões. Excluindo a despesa com o MCMV de R$ 1,9 bilhão, o investimento efetivo foi de R$ 14,5 bilhões. Isto significa que os investimentos nos primeiros quatro meses deste ano caíram 3,4% em termos nominais, na comparação com igual período do ano passado.
É importante observar que o investimento público vem caindo desde o início do governo Dilma Rousseff, mesmo com o discurso oficial favorável a privilegiar esse tipo de gasto e das medidas anunciadas para melhorar a gestão pública. Em 2011, a queda em comparação com o ano anterior foi de 0,2 ponto do PIB. Os dados disponíveis mostram que este ano não será diferente. Talvez seja até pior.
Como a presidente Dilma garante que não faltam recursos para os investimentos em infraestrutura de transporte, energia e para o saneamento básico, a conclusão a que se chega é que os gestores públicos não conseguem desatar o grande nó dos entraves burocráticos, constituídos pela demora no licenciamento ambiental, pelas custosas desapropriações necessárias para os projetos de logística, pelos péssimos projetos de engenharia e pela rigidez da lei de licitação.
Fica cada dia mais claro que o Brasil precisa avançar nas concessões dos serviços e obras públicas à iniciativa privada, sem o que a infraestrutura do país não vai melhorar.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...