segunda-feira, 26 de setembro de 2011

"Ação do BC deve amenizar efeitos da crise"


No VALOR ECONÔMICO entrevista com ILAN GOLDFAJN, ex-diretor do Banco Central, sobre o atual momento econômico e a possibilidade de uma severa crise mundial.   

O mundo caminha de um cenário de desaceleração para um quadro de crise, com possibilidade concreta de um default da dívida da Grécia, acredita Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central (BC). Tudo indica, portanto, que o mundo se aproxima de fato do quadro mais difícil traçado pelo BC na ata da última reunião do Comitê de Política Monetário (Copom).
Nesse cenário mais duro, Goldfajn acredita em desaceleração da economia brasileira, mas o recuo será minimizado pela atuação do BC, que iniciou um ciclo de corte de juros em agosto. "A economia brasileira vai crescer 3,7% no próximo ano. Se fosse só pela desaceleração mundial, [o crescimento do PIB] poderia cair um pouco abaixo de 3%", diz.
Outros efeitos da crise poderão ser sentidos, como a escassez de linha externa. Ele pondera, no entanto, que a reação do governo deveria ficar concentrada nos juros, não no aumento dos gastos. "Nessa linha, podemos mudar a qualidade da política econômica brasileira". A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: A economia mundial caminha para um crise mais séria?
Ilan Goldfajn O caminho ainda não está totalmente definido, mas estamos indo de um cenário de desaceleração para um cenário de uma crise mesmo. Vemos nos Estados Unidos e na Europa a falta de coordenação para resolver os problemas da Grécia. E os mercados estão muito indóceis, com uma velocidade de reação muito maior que a dos governos. Cada país diz uma coisa e não chegam a um acordo para aumentar o fundo de estabilização da Europa, para poder financiar os problemas que podem surgir.
"O cenário internacional está mais ou menos em linha com o que o BC expressou na última ata do Copom"
Valor: Há risco de default grego?
Goldfajn O cenário de default está cada vez mais provável.
Valor: É o seu cenário base?
Goldfajn Nosso cenário base é de desaceleração forte, mas não temos colocado ainda um cenário de crise. Esse é um cenário que ainda estamos chamando de alternativo, de crise financeira ao estilo Lehman Brothers. Mas está caminhando para isso.
Valor: Qual o impacto para o Brasil? O real continua em queda?
Goldfajn Num cenário de médio prazo, o câmbio real continua forte. Isso no médio prazo, digamos, dois anos. No fim do ano já pode voltar um pouco e fechar em R$ 1,75. É um 'overshooting'. Pode até ir mais longe [subir mais], mas acho que volta depois.
Valor: Essa cotação de R$ 1,75 seria um novo patamar?
Goldfajn Sim.
Valor: O qual o impacto da crise para a inflação doméstica?
Goldfajn Neste ano, a inflação deve ficar em torno de 6,5%. Para o próximo ano, há polos opostos para a inflação. Primeiro você tem uma queda da atividade mundial, que segura o crescimento [no Brasil]. Você tem também alguma queda das commodities, que reduz a inflação e contrabalança um pouco a taxa de câmbio que subiu recentemente. Em termos de inflação, vamos provavelmente para baixo do teto da meta, em um cenário ruim [para a economia mundial]. Não que isso seja alguma virtude, porque a desaceleração global faz com que a inflação recue.
Valor: Qual seria o polo oposto?
Goldfajn As commodities não vão cair tanto assim. Há algumas questões que dão algum suporte, como problemas de oferta. Então mesmo que a inflação recue, não achamos que ela volte para a meta [em 2012]. Até porque o BC está reduzindo os juros. A inflação deve ficar em torno de 5,5%.
Valor: Há algum risco para o déficit em conta corrente?
Goldfajn O câmbio ajuda as exportações e segura [o déficit]. Algumas linhas externas podem secar, no momento da crise. Mas acredito que será algo como em 2008, com uma ida e uma volta rápida [dos fluxos]. Haverá uma tensão e o Brasil vai exportar menos. Mas o câmbio vai ajudar. No âmbito doméstico, vamos desacelerar e importar um pouco menos. Portanto, no geral, uma coisa compensa a outra.
Valor: Os impactos para o Brasil serão prolongados?
Goldfajn Estou vendo um cenário parecido com 2008, quando houve um momento de pico, mas depois voltou ao normal.
Valor: Tem algum prazo para essa volta ao normal?
Goldfajn É muito difícil saber, porque a crise está começando. A Grécia ainda não quebrou. Não sabemos as consequências. Vai depende de como as coisas vão se desenrolar. Mas é uma questão de meses [a volta], não de anos.
Valor: A economia brasileira pode apresentar um maior vigor já em 2012?
Goldfajn Com a queda de juros que o BC está promovendo, a atividade econômica segura um pouco. Acho que a economia brasileira vai crescer 3,7% no próximo ano. Se fosse só pela desaceleração mundial, [o crescimento do PIB] poderia cair um pouco abaixo de 3%. Talvez 2,9%. Mas com o BC reduzindo os juros, [o PIB] volta para 3,7%. Agora, se vier uma ruptura, uma crise muita séria, uma quebradeira, aí é outra questão e a economia cairá mais.
Valor: O cenário que o BC traçou para o mundo na última ata do Copom está se confirmando?
Goldfajn Acho que sim. O cenário internacional está indo mais ou menos em linha com o cenário que eles estavam tentando se precaver.
Valor: Essa antecipação se mostrou positiva?
Goldfajn É positivo que o BC tenha se antecipado à crise. Mas será ainda mais positivo se vier uma reação à crise via juros e não via gastos. Porque aí a queda de juros pode ser muito maior. Se ele de fato for nessa linha, podemos mudar a qualidade da política econômica brasileira.

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