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quinta-feira, 21 de maio de 2020

domingo, 19 de abril de 2020

André Lara Resende no O GLOBO de 19/04/2020.



André Lara Resende, um dos autores do Plano Real, avalia que, no mundo pós-pandemia, abre-se a oportunidade para a revalorização do Estado, tornando-o “mais eficiente e a favor da população”. Em entrevista por e-mail, ele prevê um reequilíbrio entre produção nacional e externa e que “o liberalismo econômico primário” será “imperiosamente revertido”.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

A ambiguidade de André Lara Resende: Samuel Pessoa - FSP 31/03

André Lara Resende tem provocado ruidoso debate ao afirmar que equilíbrio fiscal não tem importância e que o BC pode colocar o juro onde deseja.

Fui ler o texto original, “Consenso e contrassenso: déficit, dívida e Previdência”, e não foi o que lá encontrei.

Entendo que André está correto quando afirma que um Estado que emite dívida em sua própria moeda não enfrenta restrição financeira, mas somente a restrição de recursos da sociedade. Keynes nos ensinou esse fato há 80 anos.

No modelo tradicional, a taxa de juros é o regulador da demanda agregada. O BC a fixa para manter inflação na meta. A política fiscal é determinada para garantir a solvência da dívida pública.

André propõe inverter. Manter a taxa de juros baixa —de preferência abaixo da taxa de crescimento da economia— e empregar a política fiscal para regular a demanda agregada.

No modelo tradicional, um parâmetro importante é a taxa real neutra de juros, aquela que mantém o mercado de trabalho a pleno emprego, e a inflação, estável e na meta.

Ao direcionar a política fiscal para o controle da demanda agregada e fixar os juros baixos para não gerar uma dinâmica explosiva na dívida pública, André está nos dizendo que a taxa neutra não é independente da política fiscal, como estabelece há décadas a teoria convencional.

Há anos tenho escrito que um dos motivos que explicam o fato de a taxa neutra de juros ser muito elevada no Brasil é o gasto primário da União crescer sistematicamente além da expansão da economia.

Entre 2008 e 2014, essa pressão sobre a taxa neutra de juros foi agravada pelo BNDES.

Até alguns anos atrás, as melhores estimativas de taxa neutra de juros no Brasil situavam-na em 6% ao ano.

A contenção do crescimento do gasto real da União desde 2015 e a redução das operações com BNDES já reduziram a taxa neutra. Hoje ela situa-se em torno de 3%.

André está certo e faz parte do saber convencional que diferentes regimes fiscais produzirão diferentes taxas neutras de juros.

Por hipótese, como funcionaria a política econômica se André fosse simultaneamente ministro da Fazenda e presidente do BC, no melhor período que tivemos, os anos Lula, quando crescemos 4% em termos reais? Ele fixaria a taxa de juros real abaixo de 4% e faria a política fiscal compatível com essa política monetária e inflação na meta.

Como aqueles foram anos de pressão inflacionária permanente, mesmo com juros reais praticados superiores a 6%, a política fiscal teria de ter sido mais apertada do que foi. Teria sido necessário aprovarmos uma reforma da Previdência e promovermos o ajuste fiscal estrutural desejado 
por muitos em 2005.

O texto de André tem um problema retórico. Para tornar sua proposta mais palatável, não enfatiza as implicações fiscais de sua sugestão de alteração do regime de política econômica.

Ele tem ainda um problema histórico. O regime de André era o desejado, por exemplo, por Keynes, que defendeu contração fiscal para enfrentar o excesso de demanda no Reino Unido em 1937. 

A experiência do pós-guerra nos ensinou que a política fiscal é muito lenta, pois depende essencialmente do tempo da política, enquanto a política monetária tem a agilidade necessária para manter a inflação controlada.

Com relação à proposta mais polêmica de André, manter os juros reais bem baixos, é sempre possível. Basta convencer o Congresso a produzir a política fiscal compatível com esse juro real baixo e inflação estável.

André fez muito barulho por nada.

domingo, 2 de março de 2014

Ambição real.

Editorial da FOLHA DE S. PAULO e os 20 anos do Plano Real.

O aniversário de 20 anos da medida provisória 434/1994, que instituiu a URV (Unidade Real de Valor) e preparou o caminho para o lançamento do real, decerto merece celebração.

Não pela nostalgia de um momento de grandes mudanças, quando os artífices do Plano Real demonstraram singular visão de Estado --destaque-se, além do então presidente Itamar Franco e seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, os economistas André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco e Pérsio Arida.

A lembrança é válida pela constatação de que, mesmo em meio às dificuldades daqueles dias, o governo construiu consensos e obteve legitimidade para um salto de qualidade nas instituições. Há, portanto, lições para o Brasil de hoje.

Sem a estabilização da moeda não teriam sido possíveis os avanços posteriores, como o alargamento dos direitos sociais e a redução da desigualdade. O fim da inflação galopante, em si, foi o primeiro passo para isso, pois eram os mais pobres os mais prejudicados.

Houve erros graves, como os desequilíbrios que fizeram o Brasil recorrer ao FMI em 1998. Mas mudanças de monta na condução da economia deram ao país uma estabilidade havia tempo esquecida.

Depois, o presidente Lula construiu sobre esses alicerces, criando um grande mercado interno de massas. Manteve, especialmente no primeiro mandato, a aderência aos pilares macroeconômicos e acelerou a inclusão social.

O bom momento mundial catalisou as ações internas, e o Brasil registrou crescimento acelerado. Foram criados mais de 15 milhões de empregos entre 2003 e 2010.

Nos últimos anos, porém, cessaram as propostas ambiciosas. A administração Dilma Rousseff, em especial, abusou do modelo de consumo, sem enxergar a necessidade de novas estratégias à luz das transformações globais e da baixa produtividade interna.

Reformas em áreas como Previdência e tributação, fundamentais para o equilíbrio das contas públicas e recuperação da capacidade de investimento do Estado, permanecem paralisadas enquanto as autoridades de turno vendem a ilusão de que tudo vai muito bem.

O ex-presidente Fernando Henrique tem razão quando fala da natural fadiga que acomete grupos políticos instalados por muito tempo no poder --regra que vale para todos os partidos, em todos os níveis da Federação.

Fundamental, nesse sentido, oxigenar o debate --não necessariamente com novos mandatários, mas sem dúvida com novas ideias.


Forças governistas e seus opositores poderiam se inspirar nos exemplos do passado. Pouco importam, no fundo, discussões sobre o mérito do que já desbota no tempo; o país demanda uma visão de futuro. O ano é propício.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Juros: equívoco ou jabuticaba?

Recebi a pouco do Professor Carlos Pio, artigo abaixo do economista André Lara Resenda, com o sugestivo título: Juros: equívoco ou jabuticaba, publicado no VALOR ECONOMICO de hoje.

Os juros no Brasil continuam a causar perplexidade. Enquanto no mundo todo, desde a crise financeira de 2008, as taxas estão excepcionalmente baixas, o Brasil é uma exceção. A taxa de juros continua alta; não apenas alta, mas muito alta.

Durante duas décadas, entre o primeiro choque do petróleo em 1973 e o Plano Real em 1994, a inflação brasileira desafiou políticos e intelectuais em busca de uma saída para um mal que corroía os salários, concentrava a renda, distorcia os preços, aumentava a incerteza e dificultava a avaliação dos investimentos. Independentemente da velocidade com que governos, ministérios e métodos foram testados e substituídos, a inflação seguia seu curso, parecia alimentar-se das tentativas fracassadas de controlá-la e ameaçava até mesmo a estabilidade institucional.

A inflação brasileira do último quarto do século XX era diferente da inflação encontrada nos países desenvolvidos à mesma época. Não era a mesma inflação, apenas mais alta, como a totalidade dos analistas externos e a grande maioria dos analistas no Brasil supunham. Tinha um elemento novo, uma especificidade própria, que lhe dava um caráter essencialmente distinto*.

A inflação no Brasil tinha se tornado uma doença crônica. Após anos de inflação, formas de conviver com a alta generalizada de preços foram desenvolvidas e até mesmo inteligentemente institucionalizadas nas reformas modernizadoras de 1965. Os mecanismos de indexação de salários, preços e contratos tinham se generalizado. A indexação permite conviver com uma inflação moderada sem desorganizar completamente o sistema de preços relativos, mas em contrapartida, por ser retroativa, projeta a inflação passada na inflação futura. Introduz uma rigidez no processo inflacionário que o torna muito mais resistente aos esforços para controlá-lo. Uma vez atingido um determinado patamar, ainda que na ausência de novas pressões, a taxa de inflação perpetua-se, por meio do que se convencionou chamar de inércia inflacionária.

A indexação permite melhor conviver com a inflação, mas introduz um forte componente inercial que a torna resistente aos métodos tradicionais para combatê-la. Um longo período de altas taxas de inflação, numa economia onde há indexação generalizada, muda a natureza do processo inflacionário e lhe dá características e complexidades específicas, diferentes das inflações moderadas encontradas nas economias desenvolvidas da segunda metade do século XX.

Numa época em que o mundo era menos interligado do que é hoje, em que o desconhecimento do que se passava nas economias periféricas era grande, não se podia contar com o auxílio dos centros acadêmicos desenvolvidos para se debruçarem sobre uma especificidade subdesenvolvida. Ao contrário, toda tentativa de argumentar que o processo inflacionário brasileiro requeria análise diversa e políticas específicas era recebida, no mínimo, com ceticismo e, na maior parte das vezes com ironia. Obrigados a pensar por conta própria, houve no Brasil um intenso debate sobre a natureza da inflação que, depois de muita tentativa e erro, levou-nos, com o Plano Real. A URV, uma moeda indexada virtual, foi solução sofisticada e original para o problema da inércia da inflação crônica.

A alta taxa de juros no Brasil de hoje nos remete à questão do processo inflacionário crônico do século passado. Estamos diante de uma nova especificidade brasileira, uma jabuticaba, ou trata-se meramente de um oneroso equívoco?

Em 2004, Edmar Bacha, Pérsio Arida e eu argumentamos que poderia haver uma especificidade na alta taxa de juros brasileira**. Descartamos como uma mera curiosidade teórica, a hipótese de que a política monetária pudesse estar excessivamente apertada, presa num "mau equilíbrio". Um equilíbrio perverso, onde a taxa excessivamente alta leva a uma despesa excessiva com juros, que aumenta o risco percebido dos títulos públicos, que por sua vez exige taxas mais altas.

A possibilidade de que a própria política de juros altos provoque a necessidade de juros altos, embora tenha grande apelo ideológico à esquerda, foi originalmente formulada por Olivier Blanchard, macroeconomista de credenciais inquestionáveis, atualmente economista-chefe do FMI***. Como a carga fiscal no Brasil já estava entre as mais altas do mundo e à época havia um expressivo superávit primário, procuramos encontrar uma possível razão além de um ajuste fiscal insuficiente e de uma dívida pública muito alta, para que a taxa de juros fosse tão excepcionalmente alta. Não nos parecia viável exigir um novo aperto fiscal pelo lado da tributação e as dificuldades de reformas e de redução dos gastos públicos são conhecidas. Haveria um fator específico na economia brasileira, uma jabuticaba, que pudesse explicar a anomalia dos juros?

Introduzimos a especificidade brasileira como uma conjectura teórica: a possibilidade de que houvesse uma "incerteza jurisdicional". A incerteza da jurisdição brasileira provocaria, por parte dos agentes detentores de poupança, uma resistência insuperável ao alongamento dos prazos das aplicações financeiras. A evidência do risco jurisdicional era o fato de que os mesmos credores, que resistiam a alongar os prazos em reais, estavam dispostos a fazê-lo nos títulos financeiros denominados em outras moedas, contratados em outras jurisdições. A "incerteza jurisdicional" seria decorrente de um viés anti-credor generalizado, encontrado principalmente, mas não apenas, no executivo, que sistematicamente subestimou a correção monetária, aplicou redutores nos contratos financeiros públicos e privados, taxou de forma discriminatória as aplicações financeiras e chegou ao extremo de congelar e expropriar a poupança financeira e monetária privada com o Plano Collor. Gato escaldado tem medo de água fria - o brasileiro, depois de tanto ser maltratado e espoliado, teria desenvolvido uma resistência a poupar a longo prazo, sobretudo em moeda nacional.

Embora tenhamos deixado claro que a incerteza jurisdicional era essencialmente uma percepção, associada a um viés anti-credor histórico de difícil mensuração, algumas tentativas de encontrar evidência da sua presença, em amostras com diferentes países, foram feitas, mas sem sucesso****.

Hoje, com significativos avanços, tanto em relação à conversibilidade do Real, como em relação à extensão dos prazos de financiamentos domésticos denominados em reais, a taxa de juros no Brasil continua extraordinariamente alta. A incerteza jurisdicional pode ter contribuído para que a taxa de juros fosse excepcionalmente alta logo após a estabilização da inflação, mas nos últimos anos, a incerteza diminuiu, o mercado interno de crédito de longo prazo evoluiu e a taxa de juros continua muito alta. Fica evidente que algo mais estrutural está por trás das altas taxas de juros no Brasil.

Há os que atribuem a culpa exclusivamente à política monetária do Banco Central, que teria sido - e continuaria - excessiva e equivocadamente restritiva. Segundo estes, os juros altos têm explicação simples: são resultado do equívoco do Banco Central. Um equívoco que resistiu às mudanças de governo e da composição de sua diretoria, mas apenas um longo e insistente equívoco.

O argumento de que se trataria apenas de um equívoco pode variar entre uma versão mais tosca, onde a política exageradamente dura do Banco Central é quase que pura perversidade, até os mais sofisticados, que são variantes da tese da "dominância fiscal" de Blanchard. A mais razoável é a tese de que o Banco Central, sem independência formal e cuja diretoria não tem mandato, está sujeito a pressões políticas. Para ganhar credibilidade precisou ser mais realista do que o rei. Manteve as taxas sistematicamente acima do necessário para conter a inflação dentro das metas.

Para que esta tese se sustente, dado que a inflação nunca esteve abaixo da meta, é preciso recorrer à hipótese do duplo equilíbrio. Existiria uma taxa de juros, mais baixa do que a efetivamente praticada pelo Banco Central, que teria igualmente sido capaz de manter a inflação dentro das metas. O equilíbrio dos últimos anos, desde o Real, seria um equilíbrio perverso, onde alta taxa de juros eleva o custo da dívida pública, agrava o desequilíbrio fiscal, que por sua vez eleva o risco dos títulos públicos e a taxa de juros de equilíbrio. Tudo mais constante, teria sido possível manter a inflação dentro das metas com uma taxa de juros mais baixa e menor risco percebido da dívida pública.

Assim formulada, a tese do duplo equilíbrio é uma possibilidade teórica, mas não há, nem certeza da existência prática de um segundo equilíbrio com taxas de juros mais baixas, nem garantia de que, na hipótese de efetivamente existir um melhor equilíbrio, dado que estamos no "mau equilíbrio", fosse possível atingí-lo pela mera redução, brusca ou gradual, da taxa de juros. Em termos técnicos, o entorno do equilíbrio perverso pode ser instável e não garantir a convergência para o melhor equilíbrio. Do ponto de vista prático, a existência de um equilíbrio superior é irrelevante, dado que o risco fiscal percebido é efetivamente alto, e não se pode correr o risco de baixar os juros e perder controle da inflação.

Parece-me, entretanto, que a hipótese da dominância fiscal e do duplo equilíbrio de Blanchard foi descartada como uma curiosidade teórica, sem que a devida atenção tivesse sido dada à única recomendação prática que dela se pode extrair.

A hipótese de Blanchard inverte a premissa clássica de que existe um "trade-off" entre a taxa de juros real e o déficit fiscal. Este "trade-off" pode ser deduzido da equação de equilíbrio no mercado de bens, onde juros mais altos reduzem a demanda privada e abrem espaço para maior gasto do governo, sem pressão inflacionária. Inverter a relação negativa entre juros e demanda agregada tem sido uma tentação recorrente ao longo dos tempos. Não é difícil compreender por quê. Invertida a relação entre a taxa de juros e a demanda agregada, torna-se possível compatibilizar uma política fiscal e monetária demagógica com a teoria e a racionalidade.

A hipótese de Blanchard, onde esta inversão ocorre pela percepção de risco da dívida pública, quando tanto a dívida como a taxa de juros são muito altas, embora sofisticada e conceitualmente possível, é efetivamente apenas uma conjectura teórica. Dela não se pode extrair a recomendação de que o Banco Central deveria baixar os juros, pois nada garante que um novo e melhor equilíbrio seria encontrado.

Ainda que a hipótese de Blanchard fosse demonstrada verdadeira, a única conclusão possível de ser extraída é de que para baixar a taxa de juros, com garantia de que a inflação se manterá dentro das metas, é preciso reduzir o risco percebido da dívida pública. Para isto, o único caminho direto e seguro é aumentar o superávit fiscal e reduzir a dívida.

Cabe aqui um paralelo entre a questão da taxa de juros hoje e a questão da inflação crônica do século passado. Uma identidade básica das contas nacionais nos mostra que o déficit público deve ser igual à soma da poupança privada e do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos. Ou seja, o déficit público é necessariamente financiado pela poupança privada doméstica e pelo financiamento do déficit da conta corrente, que pode ser chamado de poupança externa. Uma questão fundamental a ser superada por países pobres é a insuficiência de poupança. A insuficiência de poupança decorre tanto da premência das necessidades básicas de consumo, quanto da falta de instituições e hábitos indutivos da poupança. Na ausência de poupança voluntária institucionalmente canalizada para o financimento do investimento, tanto público quanto privado, a inflação pode servir como uma forma de criar poupança forçada. A inflação transfere recursos dos trabalhadores para o governo e as empresas. Se o governo gasta e investe mais do que arrecada, mas não há poupança privada suficiente para financiar o seu déficit, a inflação é a forma de transferir poupança forçada para o setor público, através da redução da renda e do consumo privado. A incompatibilidade, a priori, entre o déficit público e a poupança privada resolve-se, a posteriori, por meio da inflação.

Sem inflação, mas mantida a incompatibilidade entre o déficit público e a poupança voluntária - a taxas de juros razoáveis - é preciso recorrer a taxas de juros extraordinariamente altas para inibir o consumo privado e estimular a poupança. Na raiz das altas taxas de juros do Brasil de hoje está a mesma incompatibilidade entre a poupança voluntária e o desejo de investimento e consumo, público principalmente, que alimentou o processo inflacionário crônico do século passado. Apesar dos inegáveis avanços, ainda não conseguimos superar integralmente a restrição de poupança interna necessária para financiar nossas ambiciosas metas de investimentos e de gastos públicos.

Pode-se sempre recorrer à chamada poupança externa. A poupança externa é equivalente ao déficit em conta corrente que o resto do mundo está disposto a nos financiar. O excesso de importações sobre as exportações de bens e serviços é consumo interno financiado pela poupança do exterior. O recurso à poupança externa pode efetivamente aliviar a restrição da poupança interna, mas precisa ser utilizado com cautela, ao menos para os países que não são emissores de moedas-reserva*****. Financiar o excesso de gastos sobre a renda com déficits em conta corrente significa sujeitar-se às mudanças de humores, quase sempre bruscas, dos investidores internacionais. Pode ser uma forma legítima de aliviar a restrição doméstica de poupança e acelerar o crescimento, se o déficit em conta corrente estiver sendo utilizado para financiar o investimento e não - como ocorre com frequência - o consumo.

De toda forma, para que a poupança externa reduza a pressão sobre as finanças públicas é preciso que a moeda nacional possa flutuar livremente. É preciso aceitar, nos períodos em que o financiamento externo é abundante, uma valorização expressiva da moeda, com todas suas implicações favoráveis e desfavoráveis. Da mesma maneira, é preciso aceitar os impactos simultaneamente inflacionários e contracionistas decorrentes da redução, ou até mesmo do desaparecimento temporário, do financiamento externo. Se o Banco Central intervém para evitar a valorização percebida como excessiva da moeda, a necessidade de esterilizar os recursos emitidos para a compra de reservas internacionais restabelece a pressão sobre a necessidade de financiamento do setor público. A existência de financiamento externo só alivia a restrição de poupança interna para o financiamento público se a moeda puder flutuar livremente e não houver intervenção esterilizada para evitar a sua valorização. ******

À época da formulação do Real, insisti que era um equívoco pensar que o fim da inflação pudesse depender apenas de um plano de curto prazo. A inflação é sempre um sintoma. Sintoma de problemas que podem ser muito diferentes, mas que exigem um longo e consistente processo de superação. Não me parece exagero afirmar que alta taxa de juros brasileira de hoje ainda é decorrente da estabilização inacabada. Há uma agenda de reformas modernizadoras que foi abandonada e esquecida. Mais do que isso, houve reversão do projeto de tornar o estado menos ineficiente e a economia mais competitiva. A poupança privada pode ser estimulada através do desenvolvimento institucional e da educação, mas os resultados não são imediatos. A curto prazo só há um remédio: reduzir a despesa pública para compatibilizá-la com a taxa de poupança privada disponível, ou seja, reduzir o déficit público.

Tenho consciência de quão anticlimático é concluir que para baixar a taxa de juros é preciso reduzir a despesa e a dívida pública. Logo após o fracasso do Plano Cruzado, com a inflação explodindo para níveis até então nunca vistos, Pérsio Arida e eu, já fora do governo, mas ainda com restos da áurea de milagreiros, fomos convocados ao Palácio da Alvorada para uma reunião com o presidente da República. Ao terminarmos nossa exposição sobre a necessidade imperiosa de reduzir o déficit público, como condição para qualquer tentativa de controlar a inflação, o presidente José Sarney desabafou: "Para controlar a inflação por meio da redução dos gastos públicos eu não preciso de economistas brilhantes".

Infelizmente, com ou sem economistas brilhantes, para reduzir a taxa de juros e manter a inflação sob controle, a poupança voluntária deve ser capaz de financiar o investimento, público e privado, almejado. Para isso é preciso que as despesas correntes, especialmente os gastos correntes do setor público, sejam mantidas em níveis compatíveis com a taxa de poupança nacional. Em economia ao menos, não há milagres nem jabuticabas.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...