Diego Viana, no Valor Econômico de hoje, faz uma revisão do passado e a previsão do futuro.
Poucos são os anos que ficam lembrados
como ponto de mudança radical. Pode ser precipitação declarar que 2011 pertence
a essa linhagem, mas é certo que o ano se apresenta como candidato. Os sete
bilhões de humanos que agora caminham sobre o planeta enfrentam um cenário onde
grandes mudanças geopolíticas, econômicas, climáticas e culturais são certas.
No ano em que morreram Osama bin Laden,
Steve Jobs e Amy Winehouse não faltaram notícias. Para o cientista político
francês Dominique Moïsi, autor de "A Geopolítica das Emoções", pelo
menos no mundo árabe 2011 é comparável a 1989 (em que se derrubou o Muro de
Berlim), 1968 (das manifestações de rua através do mundo) ou 1848 (ano de
movimentos modernizadores na Europa).
Os processos iniciados ou revelados nos
últimos 12 meses ainda têm a render. As revoluções árabes estão em marcha. É
difícil prever o que resultará da miríade de greves, protestos e movimentos de
ocupação, em vários formatos - sindical no Reino Unido, inovador na Espanha e
nos Estados Unidos, político-partidário na Rússia. Também é uma incógnita o
mundo que pode emergir da ascensão de novas forças geopolíticas: China, Índia,
Brasil, Turquia. "Acho que 2012 vai ser ainda mais animado que 2011",
diz o cientista político Maurício Santoro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
No próximo ano, o Brasil vai receber a
Rio+20, que debaterá o desenvolvimento sustentável, depois do quase naufrágio
da Conferência de Durban sobre o clima
No Brasil, ainda que a posse de Dilma
Rousseff represente a vitória eleitoral da situação, a primeira mulher a
governar o país assumiu o cargo, em janeiro, com uma proposta que incluía a
promessa de enfatizar os direitos humanos. Mas 2011 ficou marcado pelas
sucessivas denúncias de corrupção, que derrubaram seis ministros (Antonio
Palocci, Alfredo Nascimento, Pedro Novais, Wagner Rossi, Orlando Silva e Carlos
Lupi). "A corrupção pautou o Congresso e a mídia. Mas surgiu um paradoxo.
A corrupção é uma agenda negativa e o efeito sobre os governantes deveria ser
negativo", afirma Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e
Política de São Paulo. Dilma, porém, "talvez por ter mandado embora os
ministros com relativa firmeza", terminou o ano com popularidade maior do
que seus antecessores. Mesmo a oposição teve de se ver com acusações, com o
lançamento, neste mês, do livro "A Privataria Tucana", de Amaury
Ribeiro Júnior.
Na economia, o desafio era manter um bom
ritmo de crescimento sem ceder à pressão inflacionária. A inflação veio,
atingindo o teto da meta (6,5%). Mas a contenção do crédito (medidas
macroprudenciais) e as ondas de choque da crise europeia desaceleraram a
economia, cujo crescimento não deve passar de 3%. "O governo errou a mão
nas medidas macroprudenciais", diz João Sicsú, economista da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para ele, a intenção era desacelerar o PIB
para algo em torno de 4,5%. Ao longo do ano, o debate econômico oscilou em dois
planos - a apreciação do câmbio (o dólar chegou a atingir R$ 1,537) e a
inflação, que deve fechar o ano em 6,52% (IPCA). A valorização do real, que
sufoca a exportação, também segura a alta dos preços, sugerindo que, em outro
cenário, o risco inflacionário seria ainda maior.
Para o economista Fabio Kanczuk, da
Universidade de São Paulo (USP), o estouro da meta de inflação era previsível.
"Estive no Banco Central no começo do ano e a previsão era de 5,2%. Falei
que estava mais para 6% e me chamaram de louco", diz. "Para 2012 o
mais provável é continuar nesse nível. O BC está afrouxando de novo a política
monetária, para estimular o consumo."
Obama é favorito para a reeleição à
Presidência dos Estados Unidos menos por suas qualidades do que pelas
dificuldades dos adversários republicanos
O governo persegue um crescimento acima
de 4% no próximo ano, mas o número será difícil de alcançar. O elemento
determinante é a crise irradiada por uma Europa incapaz de se coordenar. Nesse
meio-tempo, gregos vão às ruas contra os cortes de gastos públicos; governantes
são substituídos em série - na Grécia e na Itália, os novos primeiros-ministros
são técnicos do mercado; a Alemanha de Angela Merkel não quer ouvir falar em
medidas de estímulo; a crise das dívidas soberanas ameaça economias maiores,
como a italiana e mesmo, a distância, a França, quinta maior economia do mundo.
Os mercados voltam os olhos para os líderes europeus, porque a moratória
italiana ou a saída de um país da zona do euro poderia desestruturar o sistema
financeiro global, como aponta Kanczuk. Mas a solução que a cúpula europeia de
dezembro ofereceu foi um tratado de maior união fiscal. Os países prometem
manter os déficits abaixo de 3%. "Até hoje, os únicos países que
conseguiram foram Alemanha, Finlândia e Suécia. Nem a França conseguiu!",
comenta Santoro.
A adoção da austeridade radical na
Europa deverá ser recebida com forte resistência. Foi o que aconteceu na
América Latina, lembra Santoro: "Só que as sociedades europeias são mais
estruturadas e mobilizadas socialmente. As pessoas não vão ficar em casa vendo
seus direitos serem riscados". Porém, a extrema direita, sempre crítica da
cessão de soberania para instâncias supranacionais, tende a sair vencedora.
Dominique Moïsi ressalta um ponto capital: nacionalismo e xenofobia são uma
expressão de medo produzida, acima de tudo, pela falta de perspectivas.
Essencialmente, o maior problema é o desemprego, com índices próximos aos que
havia no norte da África ao eclodir a Primavera Árabe.
A avalanche de protestos irradiados da
Tunísia é o eixo central de manifestações que se espalharam pelo mundo:
protestos estudantis no Chile, acampamentos em Israel, ocupações na Espanha e
nos EUA, confrontos na Grécia, levantes na Rússia. Na África subsaariana,
movimentos democratizantes ganharam fôlego com o sucesso das revoluções ao
Norte. Mas esses movimentos já existiam. "É como um bumerangue, lançado
por Libéria, Quênia, Gana, Costa do Marfim", diz Santoro. "Para o
tunisiano, que é árabe, mas também africano, ver esses países lutando por
democracia provoca pelo menos um pouco."
Vitórias de partidos islâmicos na
Tunísia, no Egito e no Marrocos suscitam especulações sobre um "inverno
islamita". Mas também para esse cenário uma boa comparação pode ser com a
América Latina, onde a democratização, após as ditaduras, foi gradual e
negociada. "A Tunísia seria como o Uruguai; o Egito, como o Chile",
compara Santoro. A sociedade tunisiana, de vasta classe média e sem conflitos
étnicos, elegeu um partido islâmico moderado (Ennahda). O Egito, com a maior
minoria cristã da região (os coptas, 5% da população) e um exército
hipertrofiado política e economicamente, terá uma transição mais dura. Em
outros países, a Primavera Árabe engatinha. Já a Síria flerta com a guerra
civil. "Mas é uma guerra em que o governo tem a mão forte", diz
Santoro. "Por enquanto, Bashar Assad matou 5 mil pessoas. Seu pai, Hafez
Assad, matou 20 mil. Ele ainda está longe de ser derrubado."
O ambiente internacional menos propício
a violações de direitos humanos pode ser uma pedra no sapato do ditador. E a
relação com autocratas árabes pode ser a pedra no sapato da política externa
brasileira. O Brasil recebeu a desconfiança das demais potências por sua
cautela ao lidar com Síria e Irã, bem como pela abstenção na votação da
Organização das Nações Unidas (ONU) que determinou a intervenção na Líbia.
Outros temas sensíveis para um país que pretende aumentar sua participação nas
decisões multilaterais e globais são a agenda ambiental e os direitos humanos,
justamente a área que a presidente determinou como prioritária ao assumir o
cargo.
A agenda ambiental ganha importância num
ano que se abriu sob o signo dos desastres naturais. Entre eles, destacam-se os
deslizamentos de terra na Serra Fluminense, que mataram mais de 900 pessoas. Em
março, o tsunami do Japão deixou pelo menos 16 mil vítimas e atingiu a usina
nuclear de Fukushima, a maior tragédia atômica desde Chernobyl, há 25 anos.
Nesse contexto, o Brasil se destacou positiva e negativamente. Foi criticado
pela iminente aprovação do novo código florestal, que, na prática, permite o aumento
dos desmatamentos na Amazônia e nas encostas urbanas. Mas seus diplomatas
receberam elogios por evitar o naufrágio da Conferência de Durban, que discutiu
a mudança climática. "Havia o risco de enterrar de vez Protocolo de Kyoto.
No contexto da crise, em que os países querem estimular as economias a qualquer
custo, o pouco que se conseguiu foi uma grande vitória", sugere Santoro.
No próximo ano, o Brasil receberá a conferência Rio+20, que debaterá o
desenvolvimento sustentável.
Em 2012, também se espera do Brasil que
dê uma satisfação a críticas quanto à tortura no regime militar. Condenado pela
Organização dos Estados Americanos (OEA) por não investigar o paradeiro dos
mortos durante a guerrilha do Araguaia, e comparado a vizinhos como Argentina e
Uruguai, que reviram suas leis de anistia para condenar os responsáveis por
torturas, o Brasil instaurou a Comissão da Verdade. "É uma comissão sem
poder de punição e com poucos membros, mas é melhor do que não ter comissão
nenhuma", estima Santoro. "Pode incitar discussões sobre a tortura
aos presos mesmo na democracia."
A exigência sobre o Brasil reflete a
mudança de seu lugar no mundo e os fenômenos internos à sociedade. A classe
média ganha novos membros e "as pessoas se satisfazem com o que têm dentro
de casa, mas se irritam com o que está fora, como o transporte público e os
equipamentos urbanos", assinala Sicsú. "Se a economia cresce, o país
se depara com seus gargalos." O sistema energético, a formação de mão de
obra e a infraestrutura do Brasil não aguentam uma taxa de crescimento como a
de 2010 (7,7%). Para o economista da UFRJ, é possível enfrentar esses gargalos
com um crescimento de 4,5%. O gargalo político está na exigência de moralidade,
como diz Fornazieri. "A população tolera menos a corrupção, mas isso só
terá efeito se for traduzido em leis e punição", diz. Ele não vê sinais de
que o próximo passo esteja para ser dado.
No Brasil e no mundo, 2012 será ano
eleitoral. A tendência nos EUA e na Europa é a mesma de 2011: quem está no
poder perde, como na Espanha, onde a esquerda foi rechaçada, e na França, onde
a direita perdeu as eleições legislativas de todas as regiões, exceto a
Alsácia. Barack Obama é favorito para a reeleição menos por suas qualidades do
que pelas dificuldades dos adversários republicanos, que não têm um nome
convincente. Nicolas Sarkozy é um grande candidato a perder o emprego para
François Hollande em Paris e mesmo o russo Vladimir Putin terá de fazer frente
a uma oposição capaz de lhe causar dificuldades.
As eleições municipais brasileiras
prometem menos emoções, a não ser pela participação de um novo partido, o PSD.
Quando Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, anunciou a fundação da sigla, o
DEM quem mais lutou para evitar a sangria: suas hostes foram as mais
desfalcadas. Segundo Fornazieri, "o surgimento da sigla só é possível no
quadro de derrocada das oposições", mas o efeito sobre as eleições não
deve ser significativo.
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