Thomas Friedman, em sua coluna no The New York Times, aqui reproduzida através da Folha de S. Paulo, comenta um dos principais assuntos do ano.
O conflito no Iraque foi desde o
princípio uma guerra opcional. Como eu nunca acreditei no argumento de que Saddam
Hussein possuía armas nucleares, para mim a decisão foi derivada de uma escolha
diferente: poderiam os Estados Unidos colaborar com o povo iraquiano para
modificar a trajetória política desse Estado estratégico situado no coração do
mundo árabe e ajudar a inclinar a região na direção de uma trajetória
democrática? Após o 11 de Setembro, a ideia de ajudar a modificar o contexto da
política árabe e de atacar as causas fundamentais da falta de funcionalidade do
Estado Árabe e do terrorismo muçulmano – causas que foram identificadas no
Relatório de Desenvolvimento Humano Árabe de 2002 como sendo déficits de
liberdade, de conhecimento e de poder da mulher – me pareceu ser uma escolha
estratégica legítima. Mas teria sido ela uma escolha inteligente?
Eu tenho duas respostas: “Não” e
“Talvez, mais ou menos, vamos ver”.
Eu digo “não” porque, não importa o que
venha a acontecer no Iraque, ainda que o país se transforme em uma Suíça, nós
pagamos caro demais pelo que foi feito. E, por isso, tudo o que eu sinto é
arrependimento. Nós pagamos um preço demasiadamente elevado em vidas, em
feridos, em valores maculados, em dólares e na falta de foco no desenvolvimento
dos Estados Unidos. E é claro que os iraquianos também pagaram um preço
altíssimo.
Um dos motivos pelos quais os custos
foram tão elevados foi o fato de o projeto ter sido tão difícil. Outro motivo
foi a incompetência da equipe de George W. Bush em conduzir a guerra. Outra
razão, no entanto, foi a natureza do inimigo. O Irã, os ditadores árabes e,
sobretudo, a Al-Qaeda não desejavam uma democracia no coração do mundo árabe, e
eles procuraram fazer tudo o que estava ao seu alcance – no caso da Al-Qaeda, o
uso de centenas de homens-bombas com o financiamento dos petrodólares árabes –
no sentido de semear o medo e a discórdia sectarista a fim de fazer com que
esse projeto de democracia fracassasse.
Portanto, não importa quais sejam as
razões originais para a guerra, no fim das contas, tudo se resume a isto: os
Estados Unidos e os seus aliados iraquianos derrotariam a Al-Qaeda e os seus
aliados no coração do mundo árabe, ou a Al-Qaeda e os seus aliados derrotariam
os norte-americanos? Graças ao movimento Despertar Sunita no Iraque, e ao
aumento do número de tropas, os Estados Unidos e os seus aliados foram os
vencedores e criaram as condições necessárias para o mais importante produto da
Guerra do Iraque: o primeiro contrato social voluntário da história entre
sunitas, curdos e xiitas para a divisão de poder e de recursos em um país árabe
e para que eles governassem a si próprios de uma maneira democrática. Os
Estados Unidos ajudaram a intermediar esse contrato no Iraque, e agora todos os
movimentos democráticos árabes estão tentando replicá-lo – sem a intermediação
dos Estados Unidos. Dá para ver como isso é difícil.
E isso nos conduz à outra resposta,
“Talvez, mais ou menos, vamos ver”. É possível pagar demais por algo que, ainda
assim, gere transformações. O Iraque obteve os seus benefícios estratégicos: a
remoção de um ditador genocida; a derrota da Al Qaeda no país, o que reduziu a
capacidade da organização de nos atacar; a intimidação da Líbia, o que fez com
que o ditador daquele país desistisse do seu programa nuclear (e ajudou a expor
a rede nuclear de Abdul Qadeer Khan); o nascimento do Curdistão como uma ilha de
civilidade e de mercados livres e a criação no Iraque de uma imprensa livre e
diversificada. Mas o Iraque só irá se transformar em um fator de transformações
caso ele se torne um modelo no qual xiitas, sunitas e curdos, indivíduos
seculares e religiosos, muçulmanos e não muçulmanos, possam viver juntos e
compartilhar o poder.
Conforme podemos ver na Síria, no Iêmen,
no Egito, na Líbia e no Bahrain, essa é a questão que determinará o destino de
todas as rebeliões árabes. Poderá o mundo árabe desenvolver uma política
pluralista e consensual, com rotatividade regular no poder, na qual os
indivíduos possam viver como cidadãos, sem sentir que as suas tribos, seitas ou
partidos só têm como opções governar ou morrer? Isso não acontecerá da noite
para o dia no Iraque, mas se ocorrer daqui a algum tempo, será um processo
gerador de transformações porque essa é uma condição necessária para que a
democracia se firme na região. Sem isso, o mundo árabe continuará sendo uma
perigosa panela de água fervente por muito, muito tempo.
O
melhor cenário para o Iraque seria o país transformar-se em uma outra Rússia.
Uma democracia imperfeita, corrupta e movida a petróleo que ainda se mantém
coesa por tempo suficiente para que uma nova geração, o agente de mudanças, que
demora nove meses e 21 anos para ser criada, possa chegar à idade adulta em uma
sociedade mais aberta e pluralista. Os atuais líderes iraquianos são um
resquício da era antiga, assim como ocorre com Vladimir Putin na Rússia. Eles
sempre serão influenciados pelo passado. Mas, conforme Putin está descobrindo –
cerca de 21 anos após o início do despertar democrático da Rússia –, essa nova
geração pensa de forma diferente. Eu não sei se o Iraque conseguirá fazer isso.
As chances são de fato precárias, mas a criação dessa oportunidade foi uma
façanha importante, e eu só posso sentir respeito pelos norte-americanos,
britânicos e iraquianos que pagaram o preço para tornar isso possível.
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