No VALOR ECONÔMICO, Martin Wolf, editor e principal comentarista econômico do FINANCIAL TIMES, comenta sobre o assunto do momento: a cotação do dólar. Como aqui não é o twitter, é possível postar texto um pouco mais longo.
As moedas dominaram as discussões nos encontros anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) neste ano. Mais precisamente, duas moedas o fizeram: o dólar e o yuan, a primeira por ser considerada desvalorizada demais e a última por ser considerada inflexível. Mas, por trás da briga, há um grande desafio: como administrar melhor o ajuste da economia mundial.
Em sua apresentação do novo Panorama Econômico Mundial, Olivier Blanchard, assessor econômico do FMI, declara: "Alcançar uma "recuperação mundial sustentável, equilibrada e forte" - para citar a meta traçada em Pittsburgh pelo G-20 - não era para ser algo fácil. Exige duas ações de reequilíbrio econômico fundamentais e difíceis."
A primeira é o reequilíbrio interno - que os países avançados voltem a depender da demanda privada e que ocorra a diminuição dos déficits fiscais abertos com a crise. A segunda é o reequilíbrio externo - que os Estados Unidos e alguns outros países avançados dependam mais das exportações líquidas e que alguns países emergentes, mais notavelmente a China, dependam mais da demanda doméstica. Infelizmente, conclui o professor Blanchard, "essas duas ações de reequilíbrio vêm ocorrendo de forma muito lenta".
Podemos considerar esse reequilíbrio em duas dimensões. Primeira, os países avançados precisam desalavancar seus setores privados na jornada em direção ao que Mohamed El-Erian, da empresa de investimentos Pimco, chamou de "o novo normal", em sua palestra na fundação Per Jacobsson. Segunda, as taxas de câmbio reais das economias com posições externas robustas, fortes oportunidades de investimento ou ambas as coisas, precisam valorizar-se, com a expansão da demanda doméstica compensando o consequente obstáculo às exportações líquidas.
Sem meias palavras, os EUA querem inflacionar o resto do mundo, enquanto o resto do mundo tenta deflacionar os EUA. Os EUA deverão ganhar, já que possuem munição infinita: não há limite para os dólares que o Federal Reserve pode criar. O que precisa ser discutido são os termos da rendição mundial: as mudanças necessárias nas taxas de câmbio nominais e das políticas domésticas por todo o mundo.
Se você desejar entender até que ponto a política dos EUA pode tornar-se agressiva, leia um recente discurso de William Dudley, presidente do Fed regional de Nova York. Ele destaca que "nos últimos trimestres, o ritmo de crescimento vem sendo decepcionante mesmo em relação a nossas expectativas mais modestas no início do ano". Por trás disso está a desalavancagem das famílias dos EUA,
Em resumo, as autoridades monetárias dos EUA farão o que for necessário para evitar a deflação. De fato, o Fed prosseguirá até que os EUA estejam satisfatoriamente "reflacionados". O que esses esforços farão para o resto do mundo não é motivo de preocupação para eles.
As consequências globais são evidentes: a política monetária elevará os preços dos ativos de longo prazo e encorajará o capital a fluir para países com políticas monetárias menos expansionistas (como a Suíça) ou com maiores retornos (como as economias emergentes). É isso que está acontecendo. O Instituto Internacional de Finanças (IIF), cuja sede fica em Washington, prevê entrada líquida de capital externo nas economias emergentes de mais de US$ 800 bilhões em 2010 e 2011. Também prevê intervenções maciças dos recipientes de capital, embora em ritmo declinante.
Os recipientes da entrada de capital, sejam países emergentes ou avançados, deparam-se com escolhas incômodas: deixar a taxa de câmbio valorizar e, portanto, prejudicar a competitividade externa; intervir nos mercados cambiais e, portanto, acumular dólares indesejados, ameaçando a estabilidade monetária doméstica e prejudicando a competitividade externa; ou restringir a entrada de capital, via impostos e controles. Historicamente, os governos escolheram combinações dessas três opções. Desta vez, também será esse o caso.
Naturalmente, é possível imaginar uma rota oposta. De fato, a China opõe-se aos imensos déficits fiscais dos EUA e políticas monetárias não convencionais. A China também está determinada a manter a inflação baixa e limitar a valorização de sua moeda. A implicação dessa política é clara: os ajustes nas taxas de câmbio reais deverão ocorrer via queda dos preços domésticos dos EUA. A China quer impor um ajuste deflacionário nos EUA, assim como a Alemanha está fazendo com a Grécia. Isso não vai ocorrer. Nem seria do interesse da China que ocorresse. Como credor, gozaria de um aumento no valor real do que reivindica dos EUA. Mas a deflação dos EUA ameaçaria uma depressão mundial.
O professor Blanchard está evidentemente certo: os ajustes pela frente serão muitos difíceis; e mal começaram. Em vez de uma cooperação nos ajustes das taxas de câmbio e das contas externas, os EUA estão buscando impor sua vontade, via impressão de dinheiro. Os EUA vão ganhar a guerra de uma forma ou de outra: ou inflacionarão o resto do mundo ou obrigarão que suas taxas de câmbio nominal subam em relação ao dólar. Infelizmente, o impacto também será desordenado, com as economias menos protegidas (como Brasil ou África do Sul) sendo obrigadas a ajustar-se e as outras, protegidas por controles de câmbio (como a China), conseguindo administrar melhor esse ajuste.
Seria muito melhor para todos buscar um resultado cooperativo. Talvez os líderes do Grupo dos 20 até sejam capazes de usar seu "processo de avaliação mútua" para alcançar exatamente isso. Quanto à vontade de fazer o necessário, há muitas dúvidas. Na pior fase da crise, os líderes se uniram, pendurando-se juntos. Agora, o Fed está se preparando para pendurá-los separadamente.