terça-feira, 19 de julho de 2011

Quem tem medo do calote dos EUA?

Eduardo Campos, no VALOR ECONÔMICO de hoje, pergunta: Quem tem medo do calote dos EUA?

A semana começou com um clássico movimento de saída de risco. Bolsas e commodities caíram, enquanto o dólar apontou para cima.

A justificativa para tal movimento não é nova. O tema é o endividamento soberano, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. E o problema nos dois lados do Atlântico parece ser um só, a falta de liderança na solução dos problemas.

Nos EUA, segue o embate entre Republicanos e Democratas sobre a elevação do teto do endividamento federal. Os EUA precisam gastar mais que os atuais US$ 14,3 trilhões e precisam de autorização para isso.

O que mais se ouve sobre o assunto é que a birra política será levada até o último momento, mas que no fim das contas o governo receberá autorização e os EUA não entrarão em um impensável default.

Apenas uma ou outra análise chama atenção para a "loucura" de parte dos Republicanos, que impediriam o aumento do teto só para ver o circo pegar fogo.

Mas mais do que discurso, sinais do próprio mercado mostram que um calote dos EUA é um evento considerado possível, mas tido como pouco provável.

O seguro da dívida de curto prazo (CDS - Credit Default Swap de um ano) segue na linha dos 49 pontos (o que é alto, mas não explosivo). E mesmo na iminência de um default, a demanda pelos papéis americanos segue firme. Sinal claro disso é a taxa de retorno do papel de 10 anos, que voltou a cair para baixo dos 3%.

Quem em sã consciência compraria os papéis de um governo que está para dar o calote, ainda mais a taxas decrescentes? O mesmo tipo de questionamento vale para o dólar, que ontem voltou a ganhar de seus principais rivais.

Nem medidas correlatas captam esse risco de calote dos EUA.

Vamos a um exemplo doméstico. O Brasil, que fechou maio (dado mais recente) com estoque de US$ 211 bilhões em dívida americana, quinto maior financiador mundial, não vê uma disparada de seu risco.

O economista da Gradual Investimentos, André Perfeito, tem interessante abordagem sobre o tema: é impossível um país dar calote na própria moeda. Basta ligar a máquina e imprimir dólares. Os EUA sempre fizeram isso. A situação é mais simples ainda, pois há gente disposta a financiar os americanos.

Por isso, o economista discorda um pouco das abordagens que vêm sendo dadas ao problema. Para Perfeito, esse aceno de default vai além dos embates políticos domésticos.

Essa ameaça de calote seria um jogo de cena. Mais uma jogada para tentar se fazer o que não se conseguiu com a política do dólar fraco.

O economista lembra que, desde o início da crise, os EUA jogaram a taxa de juros a zero para conseguir, entre outras coisas, que o dólar se desvalorizasse. O objetivo era compensar o baixo crescimento doméstico via demanda externa.

Não por acaso os EUA pressionaram a China por maior liberdade cambial. Tudo no âmbito da tal "Guerra Cambial". Mas os americanos não conseguiram um naco da demanda chinesa. Os dirigentes chineses foram irredutíveis e, para despistar, adotaram uma banda de oscilação que pouco mudou o preço do yuan.

Para Perfeito, o que os EUA querem é ajuda para crescer. "Os EUA estão começando a apertar o resto do mundo para fazer à força o que era para ser feito via diferencial de juros", diz o economista.

No mercado local, o dólar começou a semana em alta, mas terminou a jornada longe das máximas do dia.

Depois de subir a R$ 1,585, o dólar comercial terminou o dia com alta de 0,12%, a R$ 1,579 na venda.

Na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), o dólar para agosto apontava queda de 0,06%, também a R$ 1,579, antes do ajuste final. O contrato fez máxima a R$ 1,5895, mas no fim da tarde devolveu os ganhos junto com uma melhora de sentimento que tirou força do dólar, reverteu o movimento de baixa na taxa dos títulos americanos e zerou as perdas do euro. Ainda se procura explicação crível, racional e bem fundamentada para isso.

O estado indutor que precisamos.

No VALOR ECONÔMICO, escrevendo sobre O ESTADO INDUTOR QUE PRECISAMOS, o chistoso DELFIM NETTO.

Há alguns sinais preocupantes no horizonte para os quais temos de prestar atenção. O primeiro é a clara desarrumação política nos EUA revelada pelo cabo de guerra entre democratas e republicanos. O segundo é com relação à sucessão na China: há indícios de desacordos e ela não parece tão tranquila quanto as últimas. Ninguém sabe ao certo quando alguns problemas econômicos e sociais escondidos revelarão a sua cara. O terceiro é que a Eurolândia continua a tratar um problema de insolvência como se fosse de liquidez, o que a levará a maiores dificuldades. E o quarto é a visível mudança da mídia internacional com relação às perspectivas brasileiras. A impressão é que o setor financeiro se fartou de comer nosso peru com farofa fora do dia de Ação de Graças! Agora os "vendidos" parecem inquietar-se com os mecanismos que, em legítima defesa, o ministro Mantega tem tentado implementar.

A situação americana é realmente complicada: o presidente Obama aproveitou muito mal o "we can" que empolgou o país. Perdeu a confiança do setor real da economia. No início foi mal aconselhado política e economicamente pelos assessores que já devolveu à Academia. Em lugar de prestar atenção ao problema dos honestos que perderam o emprego, exagerou na salvação dos desonestos que produziram a crise. Os efeitos da política econômica com relação ao desemprego, que é a forma mais cruel de desperdício humano, podem ser vistos no gráfico 1, onde se compara a saída da crise de 2007/09 com as quatro que ocorreram desde o início dos anos 70. Ele revela o nível do desemprego nos EUA tendo como referência o mês em que o National Bureau of Economic Research estima o fim de cada recessão. Vemos que depois de um ano e meio do fim da recessão de 2007/09, a taxa de desemprego ainda ronda quase 10%, quando em todas as outras crises ela já havia se reduzido a qualquer coisa como 7,5%. O pior é que o "jeitão" do gráficoo é nada tranquilizador. Nada vai acontecer se o presidente Obama não recuperar a credibilidade e reduzir as incertezas.

O dado mais sintético, que é a taxa de crescimento do PIB, também não parece confortador, como se vê no gráfico 2. Nele se registra o crescimento anual (trimestre contra o trimestre homônimo). Vemos uma rápida recuperação (em V) que depois de atingir o crescimento de "cruzeiro" (3%) dá sinais claros de enfraquecimento.

A informação fundamental para os emergentes é sobre a possível variação do dólar. Como ele é (e continuará a ser durante muito tempo ainda) a moeda que é a unidade de conta, de liquidação de compromissos e de reserva internacionais, o seu valor é determinante na formação dos preços nominais das "commodities". Isso influencia nossas relações de troca, o que explica, pelo menos em parte, a valorização do real. A trajetória de queda do dólar sugere que ainda há espaço para sua maior desvalorização. Não parece, portanto, que o mundo possa contar com uma recuperação robusta da economia americana antes das eleições de 2012.

Quanto à China, ela provavelmente vai crescer, mas não na mesma intensidade nos próximos 20 anos. Ela continuará a busca das três autonomias que caracterizam as potências: a alimentar (que ela persegue firme internamente com novas tecnologias e externamente com a compra de recursos naturais); a energética (com energias renováveis e métodos modernos da extração do "shale" gás); e a militar (que ela já tem suficientemente "dissuasiva"), com investimentos cada vez maiores para garantir o seu controle do "Mar da China".

É precisoo esquecer com respeito à China (e as nossas relações de troca), que os "preços acabam funcionando" e que seus níveis atuais acabarão elevando a oferta mundial de todos os nossos produtos de exportação (principalmente soja e minério de ferro) com consequências sobre eles.

O Brasil precisa colocar suas barbas de molho! Nosso modelo exportador agromineral induzido será incapaz de garantir empregos de boa qualidade para os 150 milhões de brasileiros que terão entre 15 e 65 anos em 2030. É disso que se trata. Precisamos apoiar um programa de desenvolvimento industrial e de serviços que promova forte competição interna e dê aos nossos trabalhadores e empresários inteligente proteção externa com condições isonômicas para exigir deles capacidade competitiva internacional. É, parece, o que nos oferecerá em breve a presidente Dilma Rousseff.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Acabou o dinheiro vivo?

Anos atrás escrevemos sobre a substituição do “papel-moeda” pelo “cartão plástico”. Recente reportagem do NYT, publicada na FOLHA DE S. PAULO, comenta hoje que o “dinheiro de plástico reduz uso de cédula de dólar.”

WASHINGTON - O volume de notas de dólar que sai das enormes prensas do governo aqui e em Fort Worth, no Texas, é o menor já registrado em tempos modernos. A produção das cédulas de US$ 5 há 30 anos não era tão baixa. E, pela primeira vez nesse período, o Departamento do Tesouro não imprimiu nenhuma nota de US$ 10.

O significado parece claro: o dinheiro vivo está em declínio.

Você não pode usá-lo para compras on-line, nem em aviões para comprar lanches ou produtos "duty-free". No ano passado, 36% das corridas de táxi em Nova York foram pagas com dinheiro de plástico. No Commerce, um restaurante em Manhattan, o cardápio do bar diz: "Só aceitamos cartões de crédito".

Transações em dinheiro são difíceis de rastrear. Mas há uma cifra reveladora. Em 1970, no alvorecer do dinheiro de plástico, o valor circulante em espécie nos EUA equivalia a cerca de 5% da atividade econômica. No ano passado, ficou em torno de 2,5%.

"Hoje pela manhã, comprei um galão de leite por US$ 2,50 em um posto Mobil e paguei com meu cartão de crédito", disse Tony Zazula, sócio do Commerce. "Eu ando, sim, com um pouco de dinheiro, mas só para gorjetas."

É fácil olhar essa tendência e prever o fim do papel-moeda, mas é errado.

O dinheiro em espécie continua sendo a melhor maneira de pagar babás e dar gorjetas em hotéis. Muitas pequenas empresas americanas -as estimativas variam de um terço a metade não aceitam cartão. E os criminosos preferem o dinheiro vivo. Whitey Bulger, um gângster de Boston que morou por 15 anos em Santa Monica, na Califórnia, até ser preso no mês passado, só pagava o aluguel em dinheiro.

As cédulas continuam presentes, e o ritmo da mudança é tão lento que o analista Ron Shevlin, da empresa de pesquisas financeiras Aite Group, calculou que os americanos usarão papel-moeda em 200 anos. "A tendência de queda é clara, mas os partidários da mudança superestimam a rapidez com que essas coisas acontecem", argumentou. Além disso, futuristas que previam o fim do papel-moeda subestimaram a ascensão da nota de US$ 100 como um dos mais populares produtos de exportação dos EUA.

Há duas décadas, a demanda por essa cédula tem explodido, já que ela é estocada como o ouro em lugares instáveis. No ano passado, pela primeira vez, o Tesouro imprimiu mais notas de US$ 100 do que de US$ 1. Há hoje mais de 7 bilhões de notas de US$ 100 em circulação -e o Fed estima que dois terços estejam em outros países.

Isso é muito rentável para os EUA. O dinheiro é impresso pelo Tesouro e posto em circulação pelo Fed. O BC paga ao Tesouro pelo custo da produção das cédulas -cerca de US$ 0,10 cada-, e, então, as troca pelo valor de face por títulos que rendem juros. Quanto mais dinheiro o Fed emite, mais juros ele recebe. E, a cada ano, o Fed faz um polpudo pagamento ao Tesouro -no ano passado, superou os US$ 20 bilhões.

Para dar conta da demanda, o Fed autorizou alguns bancos a operar armazéns de distribuição de dinheiro em Londres, Frankfurt, Cingapura e outros centros financeiros. Em março, em grande parte graças às notas de US$ 100, o valor total das cédulas de dólar em circulação superou pela primeira vez US$ 1 trilhão.

A produção de papel-moeda diminui mais rapidamente do que seu uso, pois as cédulas estão durando mais. Graças à tecnologia, a duração de uma nota de US$ 1 passou de 18 meses há duas décadas para 40 meses. Os bancos enviam notas velhas para o Fed, que substitui as danificadas. Até recentemente, cédulas dobradas acabavam destruídas, porque os "scanners" não conseguiam distinguir vincos de rasgos. Conseguem agora. Em 1989, o Fed substituiu 46% das notas devolvidas.

No ano passado, trocou 21%. As demais foram recolocadas em circulação.

As pesquisas sugerem que, nos EUA, o avanço das formas eletrônicas de pagamento esteja reduzindo o uso do dinheiro -em pedágios, transportes públicos e vales-presentes, por exemplo.

Zazula, o restaurateur, disse que 85% dos seus clientes já pagavam com cartões de crédito, e que levar dinheiro ao banco é um risco. "Ainda há pessoas indignadas por não aceitarmos dinheiro", disse ele, "mas a maioria faz isso só para aparecer porque tem cartão de crédito".

A empresa não é obrigada a aceitar dinheiro. Mas a maioria não vê sentido em frustrar a clientela. "Sempre haverá gente que, por razões boas ou nefastas, usará dinheiro", disse Doug Johnson, vice-presidente de gestão de riscos da Associação Americana de Banqueiros. "Ainda bem que tinha [dinheiro vivo] ontem", contou.

"A correia do ventilador do meu carro estourou, e que bom poder dar uma nota de US$ 20 ao motorista do guincho."

Taxa de juros - previsão COPOM.

Leio no UOL que analistas do mercado financeiro esperam por elevação de 0,25 ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic, na reunião de amanhã (19) e quarta-feira (20) do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Atualmente, a Selic está em 12,25% ao ano.

Além do aumento da taxa nesta semana, os analistas esperam por mais uma elevação de 0,25 ponto percentual neste ano. Assim, de acordo com essa expectativa, a taxa encerrá o período em 12,75% ao ano.

De acordo com a mediana das expectativas dos analistas, ao final de 2012, a Selic estará em 12,63% ao ano e não mais em 12,50% ao ano como previsto anteriormente.

Em 2011, o Copom elevou a Selic em 0,5 ponto percentual, em janeiro e em março, e em 0,25 ponto percentual, em abril e em junho. O comitê reúne-se a cada 45 dias para definir a taxa.

O Copom usa a Selic como instrumento de controle da demanda e, por consequência, da inflação. No cenário de economia aquecida, a procura por bens e serviços cresce e há dificuldade para a indústria, o comércio e o setor de serviços suprirem o consumidor na mesma proporção do aumento da procura.

Como demanda e oferta não têm o mesmo ritmo, os preços sobem, gerando inflação. Então, o Copom eleva a Selic para tornar o crédito mais caro. Ao elevar a taxa, a ideia do BC é estimular a poupança e conter a expansão excessiva da demanda.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, ficou em 6,71% em 12 meses encerrados em junho.

Esse resultado supera o teto da meta fixada pelo governo para este ano, que tem centro de 4,5% e limite máximo de 6,5%.

Mas a expectativa do mercado financeiro é que a inflação em 2011 fique ainda dentro do limite máximo, em 6,31%, a mesma projeção da semana passada. Para 2012, a estimativa é 5,2%.

Cabe ao BC manter a inflação dentro da meta. Segundo o presidente do BC, Alexandre Tombini, a expectativa é que o ritmo de aumento dos preços caia nos próximos meses e que a inflação convirja para o centro da meta somente em 2012.

Vai mesmo faltar trabalhador no Brasil?

Octavio de Barros é economista-chefe do Bradesco, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO, sobre “Vai mesmo faltar trabalhador no Brasil?”

Aquecimento convencional não geraria as pressões que estamos assistindo.

Na verdade já estão faltando trabalhadores em algumas áreas. O desemprego no Brasil, nesse momento, é um dos cinco mais baixos do G-20. Está cada vez mais difícil aferir a taxa de "desemprego natural" diante de tantas mudanças estruturais observadas na economia brasileira, possivelmente relacionadas a um silencioso aumento de produtividade. Qual seria a taxa de desemprego compatível com uma estabilidade inflacionária, considerando a meta de inflação perseguida? Se alguém me disser que esse número passou a ser 5% ou menos, confesso que eu não teria a menor convicção para desqualificar essa previsão. Estaria o mercado de trabalho dando os sinais qualitativamente adequados sobre o aquecimento da atividade ou estaríamos assistindo a transformações que vão muito além disso? Acredito nessa segunda hipótese. Um simples aquecimento convencional da economia não teria jamais, por si só, a capacidade de gerar as pressões que estamos assistindo. O fio condutor das pressões inflacionárias recentes vem inequivocamente da dimensão difusa do investimento privado.O ciclo de investimentos em curso no Brasil, que tem uma abrangência setorial sem precedentes, faz com que praticamente todas as empresas pressionem o mercado de trabalho (e também o mercado de bens) ao mesmo tempo. Estamos falando de algo raro, depois de muitos anos de sub-investimento. O investimento, que é uma variável cíclica, circunstancialmente tem se tornado menos cíclico. O que quero dizer com isso é que o empresário que investe nesse momento está, em certa medida, desprezando o cenário de curto prazo de desaceleração do PIB, resultante do combate à inflação, e está mirando 10 anos à frente. Em outras palavras, é como se as empresas tivessem um "departamento de investimento" que recebe instruções do comando da organização para não olharem para a conjuntura. "Olhem só para frente! Deixem que para a conjuntura olho eu!", diria um controlador típico sem querer perder um minuto sequer, porque sabe aonde quer chegar lá na frente com o seu negócio. Isso tem tudo a ver com a resistência da economia brasileira exibida durante e após a crise. O país tornou-se mais previsível, a despeito de todos os problemas que ainda perturbam muito a vida das empresas e das famílias brasileiras.

O que quero transmitir aqui é que a velha ideia de que a oferta de trabalhadores no Brasil é ilimitada está gradualmente deixando de ser verdadeira, na medida em que os investimentos se espraiam setorialmente. O aperto monetário em curso circunstancialmente tem impactado relativamente pouco na demanda por mão de obra. Há muitas evidências de falta de caminhoneiros, carência de engenheiros e até mesmo dos chamados "peões de obra". Eu tenho uma tese, que venho testando com várias empresas, de que o problema não é tanto a falta mão de obra qualificada, apesar de este ser cada vez mais um tema desafiador para o Brasil. O que falta no Brasil, neste momento, é pura e simplesmente mão de obra barata. Os salários reais aumentaram muito, a política de salário mínimo tem sido historicamente agressiva e as políticas sociais geraram novas oportunidades para jovens e mulheres que estudam cada vez mais e adiam o ingresso no mercado de trabalho. Mudou o patamar salarial no Brasil. Empregadas domésticas tornaram-se manicures. Manicures progrediram a vendedoras de lojas. Vendedoras de loja tornaram-se gerentes de loja e assim por diante. O que se paga hoje para um trabalhador não especializado é o que se pagava há três anos para o trabalhador qualificado. As empresas me sinalizam que os projetos em curso não estão se inviabilizando por isso e que nem tampouco serão abandonados. Mas os novos custos salariais já redefinem a taxa de retorno dos mesmos apesar dos aumentos de produtividade obtidos nos últimos anos.

A população economicamente ativa (PEA) - os que estão trabalhando ou procurando emprego na semana de referência - precisaria crescer bem mais daqui para frente e em linha com o crescimento da população efetivamente ocupada. Mas o que temos visto é que a população ocupada está crescendo sistematicamente bem mais do que a PEA (2,5% contra 1,6% em média nos últimos anos). Por isso que o desemprego cai seguidamente. No ritmo atual e considerando que a População em Idade Ativa (PIA, no critério que consideramos o mais adequado, pessoas de 15 a 70 anos) crescerá menos por razões estritamente demográficas (as mulheres geram cada vez menos filhos a la economias maduras e a cada ano existem mais idosos na população total), a taxa de desemprego chegaria a zero em 2017, dentro de 6 anos. Mesmo sendo esse um cenário absolutamente hipotético e de impossível concretização, ele revela, no entanto, uma inequívoca restrição potencial ao crescimento, com a necessidade de importar trabalhadores, adiar o momento da aposentadoria dos mais velhos ou contar com outros caminhos para que isso possa ser evitado.

A rigor, uma das possibilidades seria o incremento da força de trabalho, fazendo com que pessoas em idade ativa que não trabalham aceitem ingressar na população economicamente ativa. É preciso também aumentar bastante a produtividade de quem já trabalha. Na direção do primeiro caminho, devem-se dar melhores condições para que as mulheres ingressem no mercado de trabalho e aumentem sua taxa de participação, até atingir níveis mais próximos aos dos homens. Atualmente, apenas 58% das mulheres em idade ativa são economicamente ativas, enquanto que para os homens esse percentual ultrapassa 80% (considerando mais uma vez as pessoas de 15 a 70 anos). Essa diferença já foi estreitada no período recente e pode diminuir ainda mais, caso sejam oferecidas condições adequadas para que as mulheres criem seus filhos, com, por exemplo, o aumento da oferta de creches de boa qualidade.

Por outro lado, a qualificação média do brasileiro ainda é baixa, e esforços para a melhoria desse indicador podem prover ganhos de produtividade significativos, com muita tecnologia e inovação para liberar mão de obra qualificada ou mesmo não especializada para setores carentes dela. Além dos investimentos governamentais já realizados para a universalização dos ensinos básico e médio, e do atual esforço de ampliação do ensino superior, as empresas também vêm treinando intensamente os seus funcionários. A evidência anedótica sugere a ocorrência de um fenômeno excepcional, ainda que de difícil mensuração. Por fim, os investimentos em capital por parte de empresas e governo trazem perspectivas para a mudança do mix produtivo, em direção a uma economia que utiliza seus recursos escassos de maneira mais eficiente.

O chavismo perde a cabeça.

Mac Margolis, colunista do ESTADO, correspondente da "NEWSWEEK" no Brasil e editor do site WWW.BRAZILINFOCUS.COM, escreve que ‘O CHAVISMO PERDE A CABEÇA.

Hugo Chávez não está bem. Não me refiro ao câncer que ele e seus aliados tentaram esconder. Tampouco à luta de poder deflagrada pela perspectiva de sua eventual incapacidade. Seu problema agora é de ordem existencial e ameaça a pedra fundamental ideológica na qual ele ergueu sua revolução bolivariana e passou a vendê-la ao mundo.

É que Chávez acaba de receber um puxão de orelha de Noam Chomsky. Em carta aberta, o renomado linguista americano fez duras críticas ao governo pelo tratamento desferido a Maria Lourdes Afiuni, magistrada venezuelana presa em 2009 e humilhada desde então.

A ofensa de Afiuni foi mandar soltar um banqueiro acusado de corrupção pela promotoria chavista. E, na cartilha bolivariana, indultar banqueiro ou empresário - isto é, aqueles que não se corromperam - é afagar o inimigo. O próprio Chávez colocou querosene na fogueira ao exigir, furioso, que a juíza fosse condenada a 30 anos de cadeia - pena máxima.

Afiuni passou mais de um ano no Instituto Nacional de Orientação Feminina, onde teria sofrido horrores, de ameaças de morte a tentativa de estupro. Hoje, em prisão domiciliar, está com a saúde fragilizada.

Chomsky denunciou o "tratamento degradante" que a juíza recebeu no cárcere e pressionou por sua libertação imediata.

Normalmente, o comandante nem pestanejaria. Mas o professor Chomsky não é um dissidente qualquer, senão o decano dos críticos do "imperialismo" americano e fiel defensor de regimes indefensáveis, entre eles o de Chávez. "Um mundo melhor está sendo construído", se entusiasmou ele em 2009, depois de uma excursão à Caracas de Chávez.

Ele foi um dos muitos intelectuais de gabarito internacional que assinaram a carta de repúdio ao Human Rights Watch que, em 2008, denunciou o que poucos duvidavam: o chavismo se apoia na sistemática perseguição da oposição, violação de direitos humanos, intimidação da imprensa e interferência no Judiciário.

Chávez correspondeu à gentileza, sugerindo que o presidente Barack Obama contemplasse Chomsky com a indicação para assumir a Embaixada Americana em Caracas. Chomsky continua admirador do homem forte venezuelano e ainda é condescendente com o silêncio de seus aliados intelectuais a respeito dos "ataques maldosos e implacáveis dos EUA e do Ocidente" contra a Venezuela de Chávez.

No entanto, a crítica contundente no caso Afiuni foi um duro recado de que a indulgência tem limite. Doente, com a economia enfraquecida e a violência em alta, Chávez não pode desprezar os amigos que ainda tem. Cuba, aliada fiel, está decadente e politicamente irrelevante.

Os novos líderes do continente elegeram o lulismo - e não o chavismo - como modelo de governo, entre eles o presidente eleito peruano, Ollanta Humala, ex-chavista de carteirinha. A Espanha está prestes a eleger um novo primeiro-ministro de direita, que já decretou o fim da condescendência de Madri com a esquerda latino-americana.

Chávez, porém, ainda tem jogo. Seu experimento bolivariano ocupa uma lacuna fundamental no imaginário do nosso tempo, o de reserva moral do minguante socialismo internacional. Anos atrás, o titular desse papel era Cuba, quando Fidel Castro esbanjava vigor e sua ilha ainda simbolizava a última barreira ao império ianque.

Lembro-me, nos anos 70, dos intrépidos colegas de faculdade que trocavam suas férias por uma passagem para Cuba, onde se juntariam às Brigadas Venceremos, cortando cana-de-açúcar para a revolução.

De lá para cá, Cuba perdeu seu charme e os turistas ideológicos. Hoje, seus órfãos estão encalhados na Venezuela. Destaque para Sean Penn, Benício del Toro, Oliver Stone e Danny Glover - a esquerda festiva de Hollywood, que viu no bolivarianismo a chance de pregar a revolução com a boina alheia. Noam Chomsky, cabeça pensante da turma, acaba de colocar um pé fora do barco, já há muito tempo sem rumo.

Crise europeia sem controle?

LUIZ CARLOS BRESSER – PEREIRA, escreveu hoje na FOLHA DE S. PAULO sobre “Crise europeia sem controle?

Nesta semana o ataque especulativo contra a Itália deixa claro que o verdadeiro problema que a Europa enfrenta hoje não é mais evitar a crise - ela está aí -, mas atravessá-la sob razoável controle.

Os principais obstáculos a uma solução adequada são os burocratas internacionais do Banco Central Europeu e do FMI que rejeitam a restruturação administrada da dívida, e o Institute of International Finance que quer reduzir o custo da restruturação para os grandes bancos que representa mais do que já sendo reduzido.

A Grécia está hoje em situação de insolvência. O documento do IIF reconhece esse fato. Diante disso, a única solução razoável para o problema é o default e a reestruturação da dívida ""a redução do valor total a ser pago e o aumento do prazo de pagamento - feita de maneira negociada e ordenada.

A Alemanha propôs essa solução, que dividiria as perdas entre os Estados e os bancos.

Estes rejeitaram a propostas com o apoio do Banco Central Europeu, do FMI, e da Comissão Europeia, e, há três semanas, a proposta alemã foi descartada em troca de uma alternativa segundo a qual os grandes bancos participariam do socorro total de € 115 bilhões de dólares com a substituição de seus créditos de curto prazo no valor de € 30 bilhões por créditos de longo prazo com um desconto.

O IIF dá agora sua resposta. Quer anulação ou redução de uma parte da dívida pública grega de € 350 bilhões de euros. Concorda, portanto, com a reestruturação que haviam recusado, mas quer que o setor público pague o prejuízo que os bancos tiveram ao emprestar à Grécia.

Os adversários da reestruturação argumentavam que a reestruturação grega contagiaria os demais países. Mas isto já está acontecendo, e se reflete nos juros elevados que os outros países europeus afetados estão sendo obrigados a pagar.

Agora, com o vazamento do documento do IIF, é a Itália o novo alvo. Devido ao excesso de dívida pública, os juros de seus títulos aumentaram perigosamente. Ao que parece o IIF foi longe demais.

Neste fim de semana, diante do agravamento da crise, os ministros de finanças europeus estão reconsiderando a proposta de reestruturação, agora chamada de "default seletivo", que obrigará os bancos credores a aceitar o desconto.

E o FMI dá afinal sinais favoráveis a essa solução.

Não há garantia de que a reestruturação da dívida grega controlada pela União Europeia, o BCE e o FMI garantirá a travessia ordenada da crise, porque o risco do contágio sempre existirá, e porque a solução será parcial.

Resolve o problema da dívida pública, não da dívida privada grega. Nem o problema dos custos de produção excessivos nos demais países devedores, porque o aumento dos salários neles foi maior do que o da produtividade enquanto o inverso ocorria nos países credores europeus, resultando na sobreapreciação implícita da taxa de câmbio.

A solução apenas resolve ordenadamente uma parte do problema. Vamos esperar que a outra parte - a da desvalorização necessária - vá aos poucos sendo resolvida através da adoção de planos de austeridade pelos governos, e através do aumento da produtividade das empresas. O fundamental é manter a economia europeia sob controle.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Adapte-se ou morra.

MICHAEL SPENCE, laureado com o Nobel de Economia, é professor de economia na escola Stern de administração de empresas, Universidade de Nova York, pesquisador visitante no Conselho de Relações Exteriores e pesquisador sênior na Hoover Institution, Universidade Stanford. Escreveu hoje na FOLHA DE S. PAULO sobre a situação econômica atual do mundo.

A estrutura política que comprovadamente serve melhor às grandes economias emergentes se concentra não apenas na estabilidade monetária ou nos aspectos macroeconômicos, mas também na adaptação. Essa adaptação é orientada por uma avaliação projetiva das variações estruturais microeconômicas e macroeconômicas e das medidas necessárias a dar-lhes sustentação. E quanto aos grandes países avançados? Por motivos históricos, as atitudes de política econômica se provam menos flexíveis e adaptáveis. Um exemplo: em 8 de julho, depois do anúncio dos mais recentes e decepcionantes números sobre o emprego nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama expressou a opinião, compartilhada por muitos, de que um acordo sobre o limite das dívidas federais e sobre a redução do deficit público reduziria as incertezas que estão prejudicando o investimento em negócios, o crescimento e o emprego. Em outras palavras, os problemas fiscais dos Estados Unidos explicam sua recuperação econômica extremamente fraca. Assim que um acordo sobre a situação fiscal seja concluído, o governo poderá se afastar e permitir que o setor privado impulsione as mudanças estruturais necessárias a restaurar um padrão de crescimento inclusivo. Os comentaristas econômicos e financeiros parecem cada vez mais confusos quanto à fraca recuperação dos Estados Unidos. As diferenças entre a situação atual e as demais recuperações norte-americanas posteriores à Segunda Guerra Mundial são tão grandes que o uso do termo "recuperação" chega a ser dúbio. Mas os líderes norte-americanos ainda assim aceitam a visão cíclica da economia, analisam a recuperação fraca e imputam a culpa por ela a erros políticos posteriores à crise. Mas a conclusão sensata é a de que não vivemos uma recuperação cíclica, e sim o começo de um processo postergado de adaptação estrutural às mudanças na economia mundial, ao crescimento das economias emergentes e à variação nas vantagens comparativas e a poderosas forças tecnológicas. É claro que ninguém nega que existiram elementos cíclicos na crise de 2008. Mas vieram acompanhados de desequilíbrios estruturais que se acumularam por pelo menos 15 anos e que ocupam posição central na incapacidade da economia dos Estados Unidos para retomar seu nível normal de atividades. Os céticos podem bem questionar por que, se esses supostos desequilíbrios estruturais estão agora impedindo o crescimento do PIB e do emprego, eles não se tornaram aparentes antes da crise. A resposta é que já o eram, mas não nos números do emprego e do crescimento. Os demais sinais foram desconsiderados, ignorados ou tratados como pouco importantes. Um resumo curto desses sinais incluiria o consumo excessivo (que agora desapareceu) e a deficiência na poupança, baseados em uma bolha de ativos e em alto endividamento; um deficit em conta-corrente persistente e cada vez maior (sinalizando que o consumo e os investimento internos excediam a renda e a produção nacionais); e o crescimento líquido ínfimo do nível de emprego (ao longo de duas décadas). Com a queda na demanda interna agregada, o único propulsor de crescimento em operação, o comércio externo de bens e serviços, não serve à criação de empregos. Ignorar todos esses sinais gerou a ilusão de emprego e crescimento sustentáveis, antes da crise, e ajuda a explicar por que ela, e não aquilo que a causou, vem sendo vista como culpada pelos problemas. A "grande barganha" à qual Mohammed El-Erian, o presidente-executivo da Pimco, se referiu recentemente ao descrever a resposta correta à atual situação dos Estados Unidos precisa incluir um plano de estabilização fiscal. Mas também requer a adoção de uma estrutura política que reflita com precisão a natureza não cíclica das adaptações estruturais de prazo mais longo que serão necessárias para restaurar o crescimento e o emprego.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Obama e falácia do fluxo de capitais.

Paul Krugman, no ESTADÃO, posta em seu blog sobre que Obama e a falácia do fluxo de capitais

A coletiva de imprensa do presidente Obama não foi tão ruim quanto poderia ter sido; na verdade, mais ou menos ele disse que o estímulo precisa ser sustentado, salvo que não é politicamente possível. Mas também invocou a fada da confiança – e introduziu uma nova falácia, mostrando que ele e os seus assessores ainda não apreenderam a essência da macroeconomia numa armadilha de liquidez.

“Penso que, se o país como um todo, percebe que Washington age responsavelmente, compromissos estão sendo feitos, o déficit e a dívida sendo e tratados para um prazo de 10,15, 20 anos, que isso dará mais confiança às empresas para investirem com mais vigor neste país, os investidores dizendo que os EUA passaram a atuar unidos, dispõem-se a investir. E isso pode então ter um impacto positivo no campo do emprego e do crescimento em geral.”

OK, no começo surgiu a fada da confiança. Mas essa história de “investidores estrangeiros” foi, de fato, a parte pior.

Pense nisto: as taxas de juros nos Estados Unidos estão baixas; não observamos nenhum “crowding-out” (eliminação das despesas e dos investimentos privados) neste momento; NÃO existe uma escassez de poupança.

Assim, se os investidores estrangeiros decidirem que nos amam, o que isso provoca? Um aumento no valor do dólar, o que reduz as exportações e conduz a um menor número de postos de trabalho.

Isso parece familiar? Está intimamente relacionado ao raciocínio de que o acúmulo de reservas em dólar pelos chineses afeta inequivocamente a economia americana quando estamos numa armadilha de liquidez. E o que acabamos de perceber é que a Casa Branca ainda não entendeu isso.

Contudo, esta falta de compreensão é secundária comparado com o que vem ocorrendo no Congresso. Mas ainda assim é decepcionante e deprimente.

Sadia e Perdigão - união total.

ARTHUR BARRIONUEVO é professor da FGV-SP, especialista em concorrência e regulação e ex-conselheiro do Cadê, escreveu na FOLHA DE S. PAULO sobre “o que podemos esperar da fusão entre Sadia e Perdigão?

A aprovação pelo Cade da fusão Sadia-Perdigão, condicionada a um acordo negociado com a BR Foods (resultante da fusão), levanta muitas dúvidas sobre os seus impactos para o consumidor de baixa renda. Embora a avaliação seja complexa, dado o conjunto de mercados afetados pela operação, algumas feições do acordo permitem a discussão preliminar dos seus efeitos. A BR Foods deve: (a) vender 80% da capacidade da Perdigão no mercado interno (bem menos do que 80% de sua capacidade, já que ela é exportadora), incluindo fábricas, abatedouros, granjas, fábricas de ração e centros de distribuição; (b) retirar a marca Perdigão por um período de três a cinco anos, dependendo do produto, e retirada da marca Batavo em alimentos processados e carnes e; (c) vender as marcas Rezende, Wilson e outras. Para altas concentrações, existem dois tipos de remédios. O primeiro é o de desinvestimentos de ativos, e deve permitir ao seu comprador agir como concorrente viável e significativo. O segundo, comportamental, de compromissos que obrigam a empresa a seguir certas condutas. Os problemas com os desinvestimentos ocorrem quando os ativos vendidos não geram uma empresa sustentável, ou que é pequena para afetar o mercado, ou, ainda, dependente de insumos da empresa vendedora dos ativos. Os remédios comportamentais incluem o licenciamento de marcas/patentes, o que é difícil de administrar e que fracassa se não houver monitoramento. No nosso caso, existem desinvestimentos de ativos e marcas secundárias e a retirada temporária da marca Perdigão - que não segue a experiência internacional de licenciamento de marcas, tendo apenas o malsucedido caso Kolynos (1996) como precedente no Brasil. A questão é que, enquanto o voto do conselheiro Ragazzo era fundamentado e apresentava medida coerente com seu diagnóstico - venda de uma das marcas líderes e de ativos relacionados -, agora se trocou o certo pelo duvidoso. Ainda que a BR Foods repasse cadeias inteiras de produção e marcas secundárias, qual estudo garante que a nova empresa terá escala para concorrer com ela? Ou que exercerá influência nos preços? Qual o efeito da retirada da marca Perdigão? Igual ao caso Kolynos, onde a Colgate herdou os consumidores? A BR Foods detém a marca Sadia e a maior capacidade produtiva, logo, é a herdeira natural dos consumidores da marca Perdigão. Assim, muito ainda há a ser respondido do ponto de vista do interesse público.

O fim do euro?

Hoje, em entrevista publicada no UOL, NIALL FERGUSON afirma: é necessário acabar com a união monetária para salvar a União Européia.

O historiador Niall Ferguson, professor da Universidade de Harvard, nos EUA, sempre foi um crítico do uso de uma moeda única na União Europeia (UE).

Em 2000, após a adoção do euro, ele já previa que o moeda não duraria dez anos devido às diferenças fiscais entre os países.

Agora, afirma, a Europa precisa agir rápido: acabar com a união monetária para salvar a União Europeia.

Ferguson deu nesta quarta-feira uma palestra em Edimburgo (Escócia) dentro da TED, conferência sobre tecnologia, entretenimento e design que termina na quinta-feira.

Autor do livro "Civilization: The West and the Rest" (Civilização, o Ocidente e o Resto), falou sobre o declínio do Ocidente, após mais de 500 anos de domínio sobre o resto do mundo.

Depois, conversou com jornalistas sobre a crise econômica na Europa e nos Estados Unidos.

O que a Europa deve fazer para conter a crise da dívida?

Quando a Europa adotou o euro, eu já dizia que não iria funcionar, porque você não pode ter uma união econômica sem união fiscal. Em 2000, escrevi que a moeda não duraria mais de dez anos, porque as enormes diferenças entre os países causaria o colapso do sistema. É o que vemos agora.

A política de empréstimos não está revolvendo o problema. O que fazer?

Há duas opções para a Europa hoje, ou se transformar numa federação, como os Estados Unidos, ou abandonar essa ideia de moeda única. Mas não há vontade política para a federação. Estamos muito próximos de uma crise enorme. Os mercados já se voltaram para países como Itália e Espanha. Não faz sentido manter uma política de moeda única se você questionar a participação desses países.

Não é possível excluir países e salvar a moeda?

Eu acho que é preciso acabar com a moeda única para salvar a UE. Não há outra solução. A Grécia não vai ser competitiva com a mesma política monetária da Alemanha. Portugal também não. Há seis meses, ainda era possível manter o euro e excluir da união monetária um país ou outro. Mas essa solução foi sendo adiada e hoje não é mais uma opção.

Por que a Europa está demorando para tomar uma atitude mais drástica?

Porque as pessoas em Bruxelas (sede da UE) e em Frankfurt (sede do Banco Central Europeu) continuam a negar a realidade.

E o problema do déficit nos Estados Unidos?

Essa discussão sobre calote é estúpida. Entramos num território muito perigoso quando encontramos na mesma manchete de jornal os termos EUA e calote. Mesmo com o enorme problema fiscal dos EUA, não devemos falar de calote nesse momento. É incrível que os republicanos tenham ficado tão doutrinários que não queiram nem sequer discutir o fim de buracos no sistema tributário e nas despesas do país para reduzir o déficit. Para quem não tem um cérebro histérico, essa ideia de calote nos Estados Unidos é chocante.

terça-feira, 12 de julho de 2011

A sincera análise de Krugman.

Paul Krugman, em seu blog aqui publicado pelo ESTADÃO, escreve sobre Por que a Itália? Porque não os Estados Unidos?

Boa a pergunta de alguns leitores. Mas é uma questão sobre a qual já escrevi anteriormente:

Especificamente, o motivo pelo qual a Grécia (e a Irlanda e Portugal, e até certo ponto a Espanha) enfrentam tantas dificuldades é que, com a adoção do euro, estes países não previram a possibilidade de uma boa saída para se esquivarem dos efeitos colaterais da bolha pré-2008. Para recuperar a competitividade, eles precisam de uma deflação maciça; mas esta deflação, além de envolver um longo período de desemprego muito elevado, agrava a carga real representada por sua dívida vendida. Os países que mantiveram suas moedas, não se defrontam com os mesmos problemas.

Os desafios da política macroeconômica.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO, sobre os desafios da política macroeconômica.

Os desdobramentos da grande crise financeira, a ascensão da China e mudanças estruturais pelas quais passa a economia global e a economia brasileira nos últimos anos colocam enormes desafios aos economistas brasileiros. Vivemos uma época histórica ímpar em que somos obrigados a repensar a economia diante das mudanças impostas pela necessidade de enfrentar os novos problemas ou velhos problemas em novos contextos.

Os desafios e os problemas estão postos, mas o verdadeiro debate nem começou ainda. Os economistas ainda se reúnem em grupos doutrinários e de interesses, continuam defendendo as suas "verdades", contidas nos seus pressupostos ou aquelas que convêm aos seus interesses. Em vez de destilar doutrinas, é preciso caminhar para um debate pragmático para enfrentarmos os problemas novos que nos apresentam.

Vamos nos restringir ao problema da inflação que ganhou novos componentes e impõe alguns desafios, particularmente o fato de os instrumentos até agora utilizados tornarem-se insuficientes diante do novo contexto trazido pelas mudanças tanto na economia global, como doméstica. Além disso, sabemos que, para cada problema, devidamente convertido em objetivo da política, é necessário um instrumento para resolvê-lo. Hoje, os instrumentos utilizados são em número muito menor do que as metas e objetivos a serem enfrentados.

Hoje todos concordam que a inflação tem origens externa e interna. Do lado externo, a elevação dos preços das commodities causada pelo excesso de demanda global gerado pela rápida expansão econômica da China e de outros países asiáticos. Esse novo quadro inflacionário veio substituir o quadro anterior de desinflação, em função da contenção dos salários nos países desenvolvidos, pelo "deslocamento" das fábricas e empregos para China e outros países com baixos salários e da queda nos preços das manufaturas pela acirrada competição global. No quadro desinflacionário, a política de metas de inflação, com os bancos centrais perseguindo uma única meta, com um instrumento, a taxa de juros, podia ser aceitável, já que a meta de emprego ou de crescimento era providenciada pelo "boom de crédito". Com a crise financeira, a política monetária assumiu novas funções e a política de metas de inflação precisará ser repensada, incorporando no mínimo novos instrumentos e metas.

Essa elevação generalizada dos preços de commodities, especialmente no caso dos alimentos, é um fenômeno novo, pelo menos no período pós-guerra, e tem também uma inovação. A causa original do excesso de demanda global tem sido impulsionada pela inovação financeira, que converteu as commodities e as moedas de países produtores em ativos financeiros, objeto hoje de forte especulação. No novo quadro inflacionário, o instrumento taxa de juros tem eficácia limitada, pois a demanda tanto de alimentos como de petróleo são inelásticas e não consegue inibir a especulação financeira.

Além disso, a atual pressão inflacionária não é passageira, decorrente de simples quebra de safra, mas um deslocamento persistente para cima na demanda, em função do rápido crescimento da China e Índia em que a oferta só conseguirá eliminar o excesso de demanda no longo prazo. E mais, a elevação da taxa de juros atrai fluxo de capitais e aprecia a taxa de câmbio e tem efeitos perversos. Taxa de juros elevadas e taxa de câmbio apreciada inibem novos investimentos em vez de ampliar a oferta de commodities e geram déficits em transações correntes. O aumento do fluxo de capitais acaba expandindo a oferta de moeda e de crédito.

Do lado interno, a causa da aceleração da inflação no Brasil que preocupa neste momento é a elevação dos salários, acima da produtividade, e que está pressionando principalmente o setor de serviços. Aqui há um fenômeno novo, pois, pela primeira vez, atingimos o "pleno emprego" e, com isso tudo indica que a chamada "curva de Phillips" que estabelece um "trade off" entre variação da taxa de salário e taxa de desemprego começa a valer de fato no Brasil. Não é o esgotamento da capacidade ociosa na indústria, nem a depreciação da taxa de câmbio ou algum choque de oferta doméstica que pressionam a inflação, mas o esgotamento relativo do excesso de oferta de trabalho.

Mudanças demográficas ocorridas ainda na década de 70 e 80, com redução na taxa de natalidade e que já há alguns anos vem diminuindo o número de trabalhadores que procuram o seu primeiro emprego, modificou completamente a dinâmica do mercado de trabalho no Brasil.

Além disso, é do setor de não "tradables" que vem a maior pressão inflacionária, pois a apreciação da taxa de câmbio não tem efeito anti-inflacionário neste setor, ao contrário, a apreciação, ao elevar os salários, geram pressões de demanda e inflação, exatamente em setores não expostos à competição das importações. É importante lembrar que a apreciacão da taxa de câmbio significa elevação relativa de preços dos setores não "tradables" onde a produtividade aumenta menos do que no setor de "tradables", expostos a competição internacional. Isso somado à desindustrialização fará com que a produtividade cresça lentamente na economia brasileira, fazendo com que os custos unitários de trabalho tenham que ser repassados aos preços. Os desafios estão postos: "pleno emprego" e inflação do setor de serviços estão aí para exigir muito maior eficácia da política de juros do que no passado.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Uma aula sobre a China.

Durante décadas, o ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger, 88, foi um observador da China. Ele falou à "Der Spiegel" sobre seus encontros com Mao Tse-Tung, o futuro do Partido Comunista chinês e a rivalidade crescente entre Beijing e Washington.
Spiegel: Sr. Secretário, você acaba de celebrar seu 88º aniversário, o que significa que é quase tão velho quanto um dos partidos políticos mais influentes da história mundial - o Partido Comunista da China (CPC), que fez 90 anos na semana passada. Ainda é correto chamar o CPC de comunista? A China, tema de seu livro mais recente, ainda é comunista?
Kissinger: Não é um país comunista da forma como foi historicamente definido - com o estado gerindo a economia, determinando a distribuição de renda, e detendo o monopólio de todos os aspectos da vida intelectual. As reformas de Jiang Zemin no início da década de 2000 tentaram ampliar a base do Partido Comunista pela doutrina dos Três Representantes. Mas a China continua sendo um partido comunista no sentido de que o Partido Comunista detêm um monopólio do poder político.
Spiegel: Você se lembra de quando percebeu pela primeira vez o CPC como um movimento histórico, talvez até como uma ameaça histórica?
Kissinger: Nos anos 60, eu teria considerado a China com seu CPC um país mais dinâmico ideologicamente do que a União Soviética. Mas a União Soviética era estrategicamente mais ameaçadora.
Spiegel: E mesmo assim você e o presidente Richard Nixon não evitaram retomar as relações diplomáticas com a liderança comunista chinesa, a partir de 1973.
Kissinger: A Inglaterra e a França haviam estabelecido relações diplomáticas anos antes. Nossas conversas com Pequim serviram a um propósito estratégico: pensávamos que se China e a União Soviética compensassem uma à outra seria do interesse estratégico ocidental. Além disso, acreditávamos que era muito importante demonstrar para o povo norte-americano, na época dividido pela Guerra do Vietnã, uma nova noção de paz internacional.
Spiegel: Quando você se encontrou com os chineses na época, percebeu o imenso prejuízo humano que esses líderes haviam infligido a seu próprio povo - a Revolução Cultura, o Grande Salto Adiante? Isso não o incomodou?
Kissinger: Esses eventos foram uma catástrofe.
Spiegel: E foram bem documentados na época de suas negociações na China. O Grande Salto sozinho custou até 45 milhões de vidas, de acordo com estimativas dos historiadores.
Kissinger: O sofrimento e a fome eram conhecidos, mas não em sua total dimensão. Em todo caso, nos lidamos com a China enquanto um estado; não endossamos sua direção moral. Todos nossos aliados europeus e o Japão aplaudiram esse caminho.
Spiegel: É uma escolha que você fez porque suas considerações de política externa superavam as morais?
Kissinger: Não. Porque nós achávamos que promover a paz também era uma virtude moral, e porque a segurança também era um objetivo importante. Nós pensaríamos que a conclusão alternativa teria sido não ter nenhum contato com a China.
Spiegel: Você acredita que o CPC ainda existirá daqui a mais 90 anos?
Kissinger: O partido terá que ampliar sua base. Há muitas forças novas na China, e os líderes do atual partido estão proclamando que são necessárias mudanças. A questão essencial, é claro, é se os chineses permitirão em tempo a existência de partidos alternativos.
Spiegel: O CPC tem uma esquerda ideológica em seu cerne, ou ele é apenas um veículo conveniente de poder para as elites chinesas.
Kissinger: O partido se desenvolverá na direção do partido PRI (Partido Institucional Revolucionário) que governou o México por cerca de sete décadas fazendo ajustes pragmáticos. Pode haver um componente ideológico no cerne que, entretanto, não fará o papel amplo que fazia no período de Mao.
Spiegel: A abertura de relações, que você iniciou, tem com frequência sido divulgada como um triunfo político estrangeiro. Mas pode-se argumentar que ela começou um processo que agora tornou os Estados Unidos mais fracos e a China mais forte. O atual déficit comercial dos EUA com a China é gigante, e Pequim tem quase US$ 900 bilhões em títulos do tesouro dos EUA.
Kissinger: Você pode dizer isso só se não viveu naquela época como um participante consciente no debate. Quando a relação começou, a ideia de que a China se tornaria um competidor econômico para os Estados Unidos parecia inimaginável. Mas qual era a alternativa? Se um país de um bilhão de pessoas se organiza, ele pode se transformar num enorme concorrente. O desequilíbrio fiscal não é causado pela abertura mas por políticas norte-americanas equivocadas.
Spiegel: A secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton já expressou sua frustração com a China ao dizer: "como você pode ser duro com o seu banqueiro?"
Kissinger: Quando você deve dinheiro para o banco, isso se torna um arranjo mutuamente suicida. Se os chineses tentarem usar sua posição como banqueiros, eles podem fazê-lo sob o risco de perder as exportações que os tornaram o principal banqueiro em primeiro lugar.
Spigel: Então você ficaria menos preocupado com o débito dos EUA com a China do que Clinton?
Kissinger: É difícil jugar os graus de preocupação. Eu não acredito que a relação de banqueiro como tal é impossível de gerenciar. Entretanto, ela não é viável para que os Estados Unidos tenham déficits imensos indefinidamente sem colocar em risco seu crédito geral independentemente do que os chineses façam com a dívida que eles têm.
Spiegel: Clinton também foi crítica com a reação da China em relação à Primavera Árabe. Ela disse que os chineses estão "com medo" dela e tentando fazer a história voltar atrás. O quanto Pequim está preocupada com os acontecimentos recentes no Oriente Médio?
Kissinger: Não é sábio, nem tática nem psicologicamente, dizer a um país com 4 mil anos de história sem interrupções que compreendemos sua história melhor do que eles próprios. Mas sem dúvida, a possível aplicação dos princípios da Primavera Árabe à China é um motivo de preocupação para a liderança chinesa.
Spiegel: O que aconteceria se os protestos sociais emergissem na China e houvesse uma repetição do massacre na Praça Tiananmen? Como o mundo reagiria?
Kissinger: A posição formal norte-americana foi a de se opor à violência por parte de governos contra seus povos. Esse princípio não deveria ser abandonado. As implicações disso em casos individuais, entretanto, precisam ser vistas no contexto geral da política externa.
Spiegel: Isso deixa muito espaço de manobra.
Kissinger: Temos de defender essas questões de direitos humanos que consideramos de fundamental importância, mas também precisamos entender que há um preço em política externa a ser pago por essa atitude.
Spiegel: Você parece preferir lidar com temas de direitos humanos atrás de portas fechadas, e não em público.
Kissinger: Eu sempre disse que em relação à China, o engajamento é preferível.
Spiegel: Mas quando a China está irritada com outro país ou, por exemplo, com o Comitê do Prêmio Nobel por laurear o dissidente chinês Liu Xiaobo, ela diz isso, em alto e bom som. Esta é uma questão de dois pesos e duas medidas - por que o Ocidente não deveria criticar Pequim em público?
Kissinger: Eu não critico as pessoas que assumem uma postura pública em questões de direitos humanos. Expresso meu respeito por elas. Mas algumas pessoas são mais influentes sem uma confrontação pública.
"Pequim quer melhorar as relações com os EUA"
Spiegel: Quando o presidente Barack Obama assumiu o poder, ele tentou dialogar com a China. Mas mais tarde o debate sino-americano ficou concentrado em controvérsias - discussões na Conferência do Clima em Copenhague, debates fervorosos sobre a taxa de câmbio chinesa ou a fria recepção que Obama teve durante sua visita à China.
Kissinger: Obama gostaria de melhorar as relações com a China. A China também quer melhorar suas relações com os Estados Unidos. O que não está acontecendo é encontrar uma gramática para o diálogo, e parte disso é um problema cultura. Os norte-americanos veem a política externa como uma série de questões pragmáticas, em parte porque todos os problemas que foram reconhecidos como problemas nos EUA tiveram solução. Então, lidamos com os chineses numa série de temas específicos.
Spiegel: E isso é diferente para os chineses?
Kissinger: Os chineses olham para a política externa como uma série de eventos inter-relacionados. Veja o debate sobre a taxa de câmbio chinesa: nós discutimos mais estreitamente se a moeda chinesa deve se valorizar. Os chineses veem isso em termos da relação econômica geral com os EUA.
Spiegel: E eles só ajustariam sua moeda se os norte-americanos estivessem dispostos a retribuir?
Kissinger: Exatamente. Deve haver algum ajuste norte-americano em alguma área significativa para os chineses.
Spiegel: Então os chineses estão pensando de forma mais estratégica em termos de política estrangeira?
Kissinger: Não, apenas mais amplamente.
Spiegel: Os chineses sentem atualmente que estamos finalmente retornando às glórias do passado?
Kissinger: Os chineses costumam ser descritos como uma "potência em ascensão". Mas eles não pensam em si mesmos como uma potência em ascensão, porque durante 18 dos últimos 20 séculos, seu PIB foi o maior do mundo. Eles percebem o último século e meio como uma aberração e humilhação.
Spiegel: Você está descrevendo a mentalidade da liderança chinesa com grandes detalhes, mas tendo visitado a China mais de 70 vezes, você conheceu chineses comuns?
Kissinger: Eu não sei o que você quer dizer com "chineses comuns". Na maioria das visitas, eu faço o mesmo que eu faço na Alemanha, que é encontrar um grupo de intelectuais e pessoas que eu posso alcançar.
Spiegel: Você encontrou o ditador Mao Tse-Tung várias vezes nos anos 70. O que ele acharia da China moderna?
Kissinger: Mao estava interessado nessa noção de purificação ideológica da China mais do que numa recuperação econômica do país. Em nossas conversas, ele não mostrava praticamente nenhum interesse na cooperação econômica com o Ocidente. Então ele poderia considerar a China atual muito materialista. Ele provavelmente não gostaria dos modernos "yuppies" de Pequim ou Xangai.
Spiegel: "Pureza" - é este o ideal a que você associa Mao?
Kissinger: A definição de pureza de Mao era baseada em premissas diferentes do que as do Ocidente. Ele infligiu um sofrimento monstruoso ao povo chinês. Mas estou apenas apontando que a atitude chinesa é mais complexa. Eles apreciam o fato de que ele uniu o povo chinês.
Spiegel: Os chineses estão começando a pensar que talvez Mao tivesse algum outro objetivo?
Kissinger: A geração do ex-líder chinês Deng Xiaoping (que governou nos anos 80 e 90) considera a Revolução Cultural um desastre sem precedentes. Acredito que foi um imenso desastre, também. Mas há pessoas hoje na China que olham para as políticas lançadas por Mao como algo que poderia ter algum significado, mesmo quando foram longe demais.
Spiegel: As empresas norte-americanas que investiram na China reclamam sobre violações massivas aos direitos autorais. Autoridades norte-americanas lamentam o chamado "novo colonialismo chinês" na África. Como é possível abordar esses temas, dadas as sensibilidades chinesas que descreveu?
Kissinger: Em questões que afetam o interesse nacional imediatamente, você defende. Isso é normal quando se fala sobre o impacto de uma nação além de suas fronteiras. Minha visão é de que na relação com a China, nossos interesses estão mais bem servidos ao criar uma noção de coevolução do que pelo confronto constante.
Spiegel: Quando a China se envolve em outros países, ela parece estar preocupada apenas com interesses empresariais ou recursos naturais. Diferentemente dos EUA, Pequim não desenvolveu ainda tendências ideológicas missionárias.
Kissinger: Os norte-americanos acreditam que podem alterar as pessoas por conversão, e que todos no mundo são norte-americanos em potencial. Os chineses também acreditam que seus valores são universais, mas não acreditam que podem converter os outros a se tornarem chineses, este são apenas os que nasceram no país.
Spiegel: O seu livro será publicado na China?
Kissinger: Não sei ainda. Não aceitarei cortes, então será interessante ver se isso acontece ou não.
Spiegel: Sr. Secretário, muito obrigado por esta conversa.
Entrevista conduzida por Gregor Peter Schmitz e Bernhard Zand.

O que OBAMA quer.

PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO, esclarece "O que Obama quer".
Sejamos francos. Está ficando cada vez mais difícil confiar nas motivações do presidente Barack Obama na luta em torno do Orçamento, em vista do desvio à direita que seu discurso econômico vem fazendo.
Se você apenas ouvisse os discursos dele, poderia concluir que ele compartilha o diagnóstico republicano sobre o que está errado em nossa economia e o que deveria ser feito para resolvê-lo. Talvez essa não seja uma impressão equivocada.
Um exemplo desse desvio à direita se deu no discurso em que Obama disse o seguinte sobre a base econômica do Orçamento: "O governo precisa começar a viver com os recursos dos quais dispõe, assim como fazem as famílias. Precisamos cortar gastos com os quais não podemos arcar, para colocar a economia sobre uma base mais estável e proporcionar a nossas empresas a confiança de que precisam para crescer e gerar empregos".
São três das falácias econômicas favoritas da direita em apenas duas sentenças. Não, o governo não deve traçar seu Orçamento como fazem as famílias; pelo contrário, tentar equilibrar o Orçamento em tempos de dificuldades econômicas constitui uma receita para aprofundar o declínio. Cortes nos gastos, neste momento, não "colocariam a economia sobre uma base mais estável". Eles reduziriam o crescimento e elevariam o desemprego. E as empresas não estão se contendo porque lhes falte confiança nas políticas do governo, mas porque não têm fregueses suficientes, problema que seria agravado, e não aliviado, por cortes de gastos no curto prazo.
As pessoas têm me perguntado por que os assessores econômicos do presidente não estão lhe dizendo para não acreditar na afirmação, popular entre a direita, mas avassaladoramente refutada pelas evidências, de que reduzir gastos diante de uma economia deprimida vá gerar empregos de maneira mágica. Minha resposta é: "Que assessores econômicos?". Quase todos os economistas destacados da gestão Obama ou já a deixaram ou a estão deixando. E não foram substituídos.
Quem está definindo as posições econômicas da administração? Parte do que temos ouvido está vindo, presume-se, da equipe política.
De qualquer maneira, não acredito que tudo isso se deva a cálculos políticos. Assistindo a Obama, é difícil não ter a impressão de que ele está procurando conselhos de pessoas que creem que o deficit, e não o desemprego, é o problema mais premente que a América enfrenta atualmente e acreditam que a parte maior da redução do deficit deveria vir de cortes nos gastos.
Nem os republicanos sugeriam cortes na Previdência Social; isso é algo que, aparentemente, Obama quer como um fim em si.
E isso levanta a grande pergunta: se um acordo em relação à dívida for fechado de fato, e se ele refletir de modo avassalador as prioridades e a ideologia conservadoras, deveriam os democratas no Congresso votar em favor dele?
O pessoal de Obama vai argumentar que seus correligionários deveriam confiar nele. Mas é difícil entender por que um presidente que vem se dando a muito trabalho para ecoar a retórica republicana e endossar visões conservadoras falsas deve merecer essa confiança.
PAUL KRUGMAN é economista, vencedor do Prêmio Nobel (2008).

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...