Para iniciar o melhor mês do ano, vamos lendo o colega ANTONIO DELFIM NETTO, direto do VALOR, com o sugestivo artigo Para salvar a teoria econômica.
Creio que pelo menos alguns economistas que dominam brilhantemente as “modelagens” matemáticas (se forem um pouco menos cínicos do que o prêmio Nobel Robert Lucas) devem repetir para si mesmos a pergunta que a rainha Elizabeth II fez aos professores da famosa London School of Economics em novembro de 2008: “Como foi possível que, depois de mais de um século de estudos, os senhores foram incapazes de prever a crise que colocou em risco a economia mundial?” O fracasso da macroeconomia em matéria de “previsão” é fato passado em julgado. E (com razão ou não) muitos acadêmicos garantem que “prever” não é obrigação dos economistas e não é a finalidade da teoria econômica “científica”, o que não parece fora de propósito. O fato curioso é que eles mesmos, quando assumem o papel de “analistas” no mercado financeiro (a serviço de bancos, fundos e “tutti quanti”), não fazem outra coisa a não ser “prever”, para induzir “cientificamente” os compradores de seus papéis. Aquela atitude defensiva, entretanto, não poupa a teoria econômica. De um “cientifismo equivocado” que lhe deu imensa visibilidade e prestígio, há pouco mais de uma década, ela hoje é vista com desconfiança, quando não desmoralizada.
O sentimento de frustração é geral. Todas as tribos que constituem a confederação dos economistas sentem esse rebaixamento da opinião pública com relação às suas aspirações de sugerir políticas capazes de manter a economia num estado de equilíbrio dinâmico interno e externo. Em resposta à sua incômoda pergunta, a rainha recebeu duas cartas. Uma assinada por um grupo de economistas “neoclássicos”, encabeçada pelo professor Tim Besley, da British Academy. Outra de economistas relativamente fora do “mainstream”, encabeçada pela professora Sheila Dow, da University of Stirling.
A primeira é um relato das conclusões de um fórum realizado em 17/6/2009 na British Academy (especialmente para responder à perplexidade da rainha). Dele participaram homens de negócios, especialistas do mercado financeiro (da City), reguladores, professores de economia e membros do governo. Ela desfila uma longa lista de dificuldades e justificativas. Em resumo diz a carta:
1) muitos economistas previram a possibilidade da crise, mas não o momento de sua eclosão. O BIS, entretanto, chamou sistematicamente a atenção dos governos e do mercado para tal risco;
2) apesar da imensidão de analistas (apenas um banco inglês que hoje é do governo tinha um time de 4.000!), os riscos eram considerados isoladamente usando “as melhores mentes matemáticas nacionais e estrangeiras”, mas ignorando uma visão global;
3) apesar dos avisos, a maioria estava convencida de que “os bancos sabiam o que estavam fazendo”. Estavam crentes que o “mercado” mudara. Banqueiros e economistas estavam encantados por ele. Os modelos pareciam prever os pequenos riscos no curto prazo, mas poucos economistas estavam equipados para dizer o que aconteceria se as coisas dessem erradas como deram;
4) havia um consenso que seria melhor lidar com as “bolhas” depois que houvessem ocorrido do que explodi-las preventivamente. Como a inflação permanecia baixa, a taxa de juros foi mantida muito baixa por muito tempo, estimulando a ação dos agentes.
Prometendo um novo Fórum da Academia no futuro, a primeira carta termina dizendo: “Tudo isso, combinado com uma psicologia de rebanho e o mantra dos gurus financeiros e governamentais, conduziu a uma receita perigosa. Pequenos riscos individuais podem ter sido estimados corretamente, mas os riscos (não percebidos) do sistema global eram imensos.”
A segunda carta ratifica essas críticas, mas sugere que “a preferência pelas técnicas matemáticas com relação à substância do mundo real desviou os economistas da análise do todo”. Termina dizendo que o que fez falta foi “uma sabedoria profissional informada por seguros conhecimentos de psicologia, das estruturas institucionais e dos precedentes históricos”.
A mesma discussão se processa no mundo inteiro. Não se trata, entretanto, de abolir a matemática. Pelo contrário, ela é indispensável, mas deve ser combinada com a história, a geografia, a psicologia etc., com inteligência, moderação e respeito à realidade. Esta não é a primeira vez que o desencanto com as promessas da ciência econômica acontece. Já em março de 1892, W. Cunnigham, num artigo publicado no “Economic Journal”, dizia que “se existe uma coisa que mais do que qualquer outra tem imposto sofrimento à economia política (o velho, sério e modesto nome da atual teoria econômica) é o fato que o público formou uma opinião exagerada do que ela pode realmente fazer e, portanto, desapontou-se porque ela não foi capaz de satisfazer tais expectativas”.
A despeito disso é mais do que evidente que o conhecimento econômico é fundamental para uma administração pública que deseje estimular o crescimento com alguma Justiça social e equilibrios interno e externo, e que ignorá-lo tem custos sociais imensos. O exemplo mais claro é a obediência às identidades da Contabilidade Nacional que governos mais sanguíneos tentam frequente e inutilmente violar e pagam caro por isso.