José Roberto Mendonça de Barros e Sergio Vale
no Globo de hoje perguntam e respondem: O que fazer? Gastar!
Todo ano repete-se a discussão sobre o
governo conseguir ou não fechar o superávit do setor público em 3,1% do PIB. Antes costumávamos
duvidar da capacidade do governo em atingir tal objetivo, mas agora acreditamos
100% que o governo fará esse resultado. Como? Com a criatividade usual, que vai
de jogar investimentos e custeio em restos a pagar cada vez maiores a manobrar
com dividendos das estatais.
Mas essa discussão não depende apenas desses
movimentos. Grande parte disso vem da expansão das receitas além do crescimento
do PIB, algo que temos tido recorrentemente nos últimos anos. Em termos
práticos, a cada aumento de 1% no PIB a receita real tem crescido em torno de
1,7% sistematicamente nos últimos anos. Isso se explica por vários motivos.
Primeiro, nosso sistema tributário é progressivo nos impostos diretos e o
aumento da classe média num ritmo maior do que o resto da economia ajuda a
explicar parte do aumento de receita. Segundo, nosso sistema também tributa
mais via impostos indiretos do que diretos, algo diverso do resto do mundo, mas
dado que são esses setores que mais crescem na economia, como telecomunicações,
combustíveis, financeiro e energia, é natural que contribua com maior
arrecadação do que setores industriais tradicionais, por exemplo. Terceiro, a
formalização tem aumentado ano a ano e permitindo aumento além da média
tradicional do imposto de renda e outros tributos. Quarto, mesmo com perda de
impostos importantes, como a CPMF, o governo achou um substituto à altura no
IOF, que já tem nível de arrecadação semelhante ao finado "imposto do
cheque". Como se espera que esse imposto vá aumentar pelas majorações
recorrentes de alíquota, também é mais uma receita que cresce acima da média do
PIB. Não podemos esquecer que o governo aproveitou o momento para trazer à
discussão novamente aumentos de alíquotas de IPI de bebidas e cigarros, algo
compensador das desonerações recentes.
Tudo isso fica mais evidente quando um setor
como a indústria sofre mais do que o resto da economia como aconteceu em
2008/2009: a receita tributária acaba crescendo num ritmo ainda maior do que o
PIB comparado com momentos sem crise. Nesses dois momentos, o governo tem
optado pelo caminho mais prejudicial para o crescimento, que é aumentar os
gastos num momento em que havia a oportunidade de desonerar de forma mais
ousada a economia. Ou seja, mudamos de patamar de gastos, que se tornam
rígidos, e não ajudam a indústria no longo prazo. Agora isso ocorre da
mesma forma. A oportunidade perdida aqui não é simplesmente de se pensar num
superávit primário maior do que já temos. Com 3,1% do PIB em 2016 chegamos a
uma dívida líquida de 32% do PIB, um número bastante baixo sob qualquer
critério. O que se perde é a possibilidade de pensar numa desoneração mais
ampla e ousada que de fato significasse redução de custos para as empresas.
Isso não acontece em grande parte porque o governo tem uma visão equivocada de
acreditar que o câmbio é o grande vilão industrial. Algo que ficou muito
claro no anúncio da nova política industrial. Além disso, acredita que parte do
problema também é falta de financiamento, aportando mais recursos no BNDES.
Tudo isso apenas ajuda a distorcer mais o
sistema fiscal, premiando uns em detrimento de outros, e amarrando ainda mais o
financiamento de longo prazo no BNDES, um aporte que se torna um custo
relevante para o Tesouro por se financiar pela Selic. Por mais relevante que
seja o banco, e acreditamos que o seja, seu foco recente tem sido apoiar
grandes campeões nacionais de forma pouco eficiente deixando de lado o que
deveria ser um objetivo natural, que é o financiamento da inovação.
Daí a alusão no título ao fato de o governo
amarrar as novas receitas com mais gastos. Mas não necessariamente gastos em
si. O gasto aqui é de tempo desperdiçado ao não pensar em uma estratégia de
longo prazo para a indústria. Países como Coreia do Sul e Taiwan não viram suas
indústrias florescerem com políticas curto-prazistas. Ao fazer isso o governo
joga fora novamente a oportunidade de estimular a indústria voltando a dar
diretrizes para o setor. Um saudosismo das câmeras setoriais dos anos 80 que
não nos cheira bem.