sexta-feira, 30 de março de 2012

Do tripé macroeconômico à tripla meta.


Juan Jensen, sócio da Tendências Consultoria e professor do Insper e Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, escreveram no Valor Econômico de hoje o artigo abaixo

As ações e declarações das autoridades econômicas, embora frequentemente confusas e contraditórias, induzem à conclusão de que o tripé de políticas macroeconômicas presente desde 1999 (metas para inflação, taxas flutuantes de câmbio e geração de superávits primários) está sendo substituído (não de forma necessariamente explícita) por uma gestão macroeconômica que visa atingir simultaneamente três objetivos no curto prazo: câmbio depreciado em termos reais; crescimento econômico ao redor de 5% ao ano e taxa de juros reais baixas (menores do que no passado recente, pelo menos). Sem contar outros objetivos declarados na retórica oficial, como combater a "desindustrialização", reagir à "guerra cambial" e ao "tsunami monetário".

Esta conclusão ganhou força com a última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) que, ao acelerar o corte sem justificativas, evidenciou que o Banco Central (BC) não tem mais apenas como objetivo a estabilidade de preços, mas também posicionar a taxa básica de juros no patamar mais baixo possível, tendo em vista impulsionar a atividade econômica e conter a apreciação do real.

O fato é que na consecução desses objetivos simultâneos, as políticas monetária, fiscal e cambial não necessariamente seguem o tripé: o câmbio é cada vez menos flutuante, o regime de metas cada vez mais "flexível" e a política fiscal, cada vez mais "anticíclica". Além disso, instrumentos "heterodoxos" são utilizados com frequência maior, como controle administrativo do câmbio, controle do crédito, uso dos bancos oficiais como forma de estimular a economia, controle dos preços dos combustíveis pela Petrobras e assim por diante.

A recorrente discussão sobre desindustrialização, por exemplo, que retornou com força ao debate, tem afetado as decisões de política econômica. O Planalto tornou a defesa dos interesses da indústria como uma questão de Estado, central para o crescimento de longo prazo da economia. Acontece que a simples opção por formular políticas públicas para alterar a dinâmica do setor não representa acerto no caminho escolhido. O "salvamento" da indústria está passando pelo sacrifício da política macroeconômica, o que põe em risco a estabilidade, condição básica e necessária para o crescimento sustentável do país.

A questão central diz respeito à capacidade da "nova política econômica" de assegurar uma trajetória sustentável de crescimento com estabilidade monetária nos próximos anos. Em uma perspectiva mais pessimista, o abandono do tripé pode levar à gradual deterioração do ambiente macroeconômico e institucional, num processo de "argentinização" da política econômica no Brasil, embora, provavelmente, sem atingir os extremos dos nossos "hermanos".

Se os livros-texto de macroeconomia estão corretos, não é necessária muita reflexão para se concluir que as chances de a política macroeconômica atual ser sustentável são reduzidas no médio prazo, a não ser, talvez, se estivessem sendo acompanhadas por reformas estruturais que implicassem mudanças nos fundamentos que afetam a oferta agregada, como aumento da poupança doméstica e do investimento e elevação da taxa de crescimento da produtividade. Porém, não se nota no diagnóstico do governo, e menos ainda em suas ações, que avanços nestes temas estejam em curso. O que se observa é estímulo à demanda, como se isso fosse resolver todos os problemas. O resultado é vazamento de demanda ao exterior, refletido no aumento das importações. Então, limitam-se as importações. As medidas são feitas de forma incremental, atabalhoada, sem racionalizar que o diagnóstico inicial é que pode estar equivocado.

Por outro lado, cabe observar que a vida útil da política da "tripla meta" depende de alguns fatores conjunturais, entre os quais, evidentemente, o mais importante é a situação econômica mundial. Ou seja, enquanto o mundo desenvolvido estiver em dificuldade, ampliando a liquidez monetária, e a China estiver demandando nossas commodities, traduzida em boa situação de nossos termos de troca, a política deve persistir.

De todo modo, em algum momento, o governo vai se defrontar com escolhas difíceis. A inflação poderá se desgarrar da meta o suficiente para causar incômodo na sociedade e nos mercados e alguma (ou algumas) das suas metas triplas deve ser abandonada. Na melhor hipótese, o tripé é retomado. Na pior, aprofundam-se os assassinatos institucionais, o que nos conduziria à trajetória semelhante à da Argentina. Lá, como aqui, os objetivos também foram fazer crescer o PIB, manter desvalorizado o peso e praticar juros baixos, tudo ao mesmo tempo. Não está sendo possível e a contabilidade da inflação acabou grosseiramente forjada.

Vale notar que o momento do ciclo político pode ser determinante na escolha do caminho a trilhar. Para Dilma Rousseff, o pesadelo seria se os desequilíbrios aflorarem com força em 2014, ameaçando sua reeleição, mesmo no contexto de uma oposição inerme. Nesta hipótese, as chances de o governo redobrar as apostas nas políticas equivocadas serão maiores. Para infelicidade do Brasil e dos brasileiros.

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