Armando Castelar Pinheiro, é coordenador de
Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreveu este artigo
especialmente para o VALOR ECONÔMICO.
Sejam ricos ou pobres, quase todos os países,
da Índia à Suíça, têm bancos públicos. Sua participação na economia foi
maior no passado, diminuiu com a "revolução" liberal do fim do século
XX e, em alguns países, subiu com a crise, quando alguns bancos foram estatizados
para não quebrar.
A existência desses bancos é motivo de
polêmica na literatura econômica. Em tese, um banco público, por pertencer a
todos, foca no interesse coletivo, em anteposição aos bancos privados, cujas
atividades buscariam o interesse de seus acionistas; portanto, de um subgrupo
da população. Ainda que em geral as atividades dos bancos privados beneficiem
toda a sociedade, há em tese circunstâncias em que não se dá essa coincidência,
cabendo aos bancos públicos delas desincumbir-se.
Contrapõe-se a essa explicação
desenvolvimentista uma visão mais cética dos bancos públicos, pela qual, mesmo
que criados com nobres intenções, essas instituições tendem a ser capturadas
por políticos que os comandam com foco nas suas próprias agendas. Basta abrir
os jornais e ler sobre a "faxina presidencial" na seção de política
para entender a que tipo de captura referem-se os que defendem essa segunda
visão.
Essas duas visões levam a conclusões
distintas sobre os impactos dos bancos públicos na economia. Para a visão
desenvolvimentista, eles contribuem para sanar falhas no setor financeiro e
alavancar o crescimento econômico. Já na visão política, eles servem apenas
para transferir renda para os políticos e aqueles a eles ligados, inibindo a
expansão dos bancos privados e atrasando o desenvolvimento.
É mais complicado do que pode parecer
discernir qual das duas visões melhor explica os fatos. Assim, as duas preveem
que os bancos públicos devem ser mais importantes em países pobres e com
sistemas financeiros pouco desenvolvidos, o que de fato ocorre. Da mesma
forma, as duas também preveem que os bancos públicos devem ser menos lucrativos
que os privados, o que também se observa.
Duas estratégias são utilizadas para
discriminar entre essas duas visões. A primeira é olhar o que vem antes, se
os bancos públicos ou a falta de desenvolvimento. A primeira visão
argumenta que as coisas deveriam melhorar, de preferência num horizonte não
muito longo, depois da instalação dos bancos públicos, a segunda defende que
isso não acontece. A outra estratégia examina as atividades dos bancos
públicos, em especial investigando se essas tendem a beneficiar grupos de
interesse bem situados politicamente.
No Brasil, ainda são poucos
os estudos focados nessa questão. Os primeiros trabalhos miraram a alocação
dos empréstimos públicos, para ver se essa era consistente com o foco
desenvolvimentista, e o seu impacto sobre o desenvolvimento econômico e
financeiro.
Mais recentemente, porém, se começou a
pesquisar também se há indícios de que essa alocação é influenciada por fatores
políticos. Uma importante contribuição neste
sentido foi dada por Sérgio Leão, em tese defendida no departamento de economia
da PUC-RJ. O trabalho foca nos bancos comerciais controlados pela União
e analisa a relação entre seus empréstimos e variáveis político-eleitorais.
Há pelo menos duas conclusões importantes do
estudo a esse respeito. A primeira é que esses bancos, controlando para
outras variáveis, em geral emprestam mais em municípios em que o prefeito é
filiado a um partido na base de apoio ao governo do que naqueles em que isso
não ocorre. Utilizando dados para o período 1997-2008, o autor obtém que o
crédito desses bancos nos municípios "alinhados" cresceu 1,3 ponto
percentual a mais, ou 10% mais rápido, que nos não alinhados com o governo
federal. As empresas localizadas nesses municípios foram as mais beneficiadas
por isso.
Em outro estudo, mostra-se que as empresas
que nas eleições municipais de 2004 e 2008 contribuíram para a eleição dos
candidatos da base de apoio ao governo receberam no ano seguinte à eleição, em
média, 9% a mais de crédito dos bancos comerciais federais do que as que
contribuíram com candidatos de fora da base. Sintomaticamente, no ano em si
das eleições não se observa essa diferença. Outro achado interessante é que
mesmo as empresas que contribuem para a oposição, ou para os dois lados, são
beneficiadas, sugerindo que há uma relação entre contribuição financeira e
benefícios creditícios.
Esses achados são consistentes com os de
estudos semelhantes para outros países, reforçando a conclusão de que a
visão política tem relevância para explicar o comportamento dos bancos
públicos, mesmo que não seja a única a influenciar suas decisões. Para um
país em que o capital é um recurso especialmente escasso, esse resultado é de
grande relevância, já que indica que a produtividade do capital pode estar
sendo sacrificada por considerações político-partidárias, comprometendo o
crescimento do país.
A análise empírica do trabalho utiliza
milhares de observações e é robusta a mudanças na forma de estimação, mas é
importante que novos estudos aprofundem suas conclusões.
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