David Kupfer é professor e pesquisador licenciado do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES. Escreveu este artigo no VALOR ECONÔMICO. As opiniões expressas são do autor e não necessariamente refletem posições do banco.
Já
se disse que toda unanimidade é burra mas no caso do crescimento do Produto
Interno Bruto (PIB) em 2011, dez entre dez analistas econômicos concordaram que
a taxa de 2,7%, recém-divulgada pelo IBGE, embora muito abaixo das previsões
vigentes ao final de 2010, foi satisfatória para um ano que, ao fim e ao cabo,
revelou-se bastante conturbado, cheio de nuvens negras no cenário internacional
e de reviravoltas na política econômica interna. Em comparação com os
trimestres anteriores na série com ajuste sazonal, após apresentar uma evolução
negativa de 0,1% no terceiro trimestre do ano passado, a informação de que o
crescimento do PIB no quarto trimestre foi ligeiramente positivo, nada mais do
que 0,3%, serviu para afastar o temor de que a economia brasileira pudesse
estar entrando em rota de recessão.
Ao
contrário, a sensação dominante é de que o país superou um miniciclo
contracionista e que nos próximos trimestres os números deverão exibir
comportamento melhor, levando a economia a sua marcha habitual, como expresso
na manutenção pela maioria de expectativas de crescimento para este ano em
torno dos 3,5%.
A
observação do PIB pela ótica da demanda ajuda a dar substância a esse quadro. O
crescimento de 4,1% apresentado pelo consumo das famílias em 2011, em parte
devido ao crescimento da massa salarial (4,8% em termos reais, segundo o IBGE),
em parte devido a evolução favorável do crédito, sugere que o polo dinâmico da
economia brasileira na última década está preservado. Em paralelo, embora a
taxa de investimento como proporção do PIB não tenha conseguido avançar em
relação a 2010 (19,3% ante 19,5%), a formação bruta de capital expandiu-se em
4,7%, um resultado positivo, em particular, quando se observa a expansão do uso
de máquinas e equipamentos, que foi de 6% no ano.
No
entanto, se visível, e mesmo justificável, para o conjunto da economia, essa
sensação de relativo conforto não se aplica igualmente a todos os setores componentes
do PIB. Passando-se para a ótica da oferta, especialmente a evolução da
indústria tem provocado preocupações generalizadas. O recuo da indústria geral,
que foi de 0,5% em relação ao terceiro trimestre de 2011 e, especialmente, a
forte retração da indústria de transformação, cujo desempenho foi de -2,5% em
relação ao trimestre anterior e de -3,1% em relação ao quarto trimestre de
2010, indicam tendências negativas de evolução do produto industrial que não
podem ser compreendidas nem muito menos atribuídas somente às questões de
conjuntura.
Esse
desbalanceamento entre demanda e oferta é revelado pela evolução das
importações de bens e serviços, que cresceram 9,7% em 2011. Levando-se em conta
a variação total do PIB, está-se diante de uma elasticidade-renda na qual para
cada ponto percentual de crescimento do PIB, as importações crescem 3,6%. A
partir dessa relação estrutural, pode-se imaginar qual seria a taxa de expansão
das importações se a economia estivesse em franco crescimento: mantida essa elasticidade,
um hipotético crescimento de 5% do PIB implicaria expansão de 18% das
importações. Trata-se de um montante que evidentemente exerceria pesado impacto
sobre a conta corrente que já vem se mostrando deficitária há alguns anos.
Esse
aumento na propensão a importar da economia, que vem se verificando de forma
contínua nos anos recentes, sinaliza que é inegável que a indústria brasileira
vem percorrendo uma trajetória de perda de competitividade. Parte desse fato
está realmente na questão cambial. Como está claro desde que a poeira da grande
crise financeira de 2008 assentou e tornou possível enxergar a nova arquitetura
da economia mundial, a taxa de câmbio competitiva de hoje é mais desvalorizada
do que a de antes. Quer dizer, mantidas as demais condições de formação de
custos, diante de moedas de referência mais desvalorizadas, preservar a
competitividade efetiva da moeda exigiria desvalorizá-la em alguma proporção,
exatamente o contrário do que ocorreu com o real.
No
entanto, outra parte igualmente importante do problema não está no mundo dos
preços e custos e sim no mundo das quantidades. Com a redução do ritmo de
crescimento das economias líderes, e o consequente aumento da capacidade ociosa
da indústria mundial, ocorreu inegável acirramento na disputa pelos mercados
nacionais em expansão e o Brasil, positivamente, está nesse grupo.
Metaforicamente, nesse novo quadro a produção made in Brazil teria que correr
mais rápido para conseguir permanecer no mesmo lugar.
A
economia brasileira enfrentou 2011 dando sinais de que o mix macroeconômico
que, ao longo de quase 20 anos, vem propiciando alguma estabilidade às custas
de algum crescimento, pode ser reformulado e que o país pode enfim começar a se
beneficiar de juros consistentemente menores e de taxas de câmbio senão
competitivas, pelo menos não tão nocivas à atividade industrial.
Mas
o novo quadro competitivo internacional sugere que o sucesso na mudança do mix
macroeconômico não será suficiente. Políticas competentes de desenvolvimento
industrial que defendam a produção nacional - o que não necessariamente
significa defender os produtores nacionais - e assegurem o crescente conteúdo
tecnológico dessa produção - o que não necessariamente se resume a garantir
qualquer conteúdo local - são imprescindíveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário