sexta-feira, 2 de março de 2012

Livre comércio 'ad nauseam'.


Jagdish Bhagwati é professor de economia e direito na Columbia University e membro associado em questões de economia internacional do Conselho de Relações Exteriores. É autor de "In Defense of Globalization" (em defesa da globalização, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2012. Este artigo foi publicado no VALOR ECONÔMICO de hoje.

Tanto foi escrito, por tantas pessoas, contra as confusas ideias que devastaram o bom senso na política de comércio exterior dos Estados Unidos que é de se imaginar se ainda resta algo a dizer. Vale a pena lembrar, portanto, o que Pierre-Joseph Proudhon disse ao intelectual russo Alexander Herzen, segundo se noticiou: "E você acha que uma vez dito algo, isso é suficiente? [...] É preciso inculcá-lo nas pessoas, precisa ser repetido de novo e de novo."

O que precisamos agora é uma cartilha sobre as principais concepções equivocadas, na esperança de que ao contrário da Lei de Gresham - segundo a qual a má moeda tende a expulsar a boa moeda do mercado - as ciências econômicas boas expulsem as más. Quatro pontos, em particular, precisam ser corrigidos.

A primeira ideia equivocada é a de que as exportações criam empregos, enquanto as importações, não - uma falácia cuja origem Harry Johnson, um grande economista especializado em comércio, atribuiu ao mercantilismo e que os EUA ressuscitaram. Na verdade, em um mundo em que peças e componentes chegam de todos os lugares, interferir com as importações coloca em risco a competitividade. O sucesso das empresas de entregas, por exemplo, depende das importações, que precisam ser trazidas das fronteiras para o interior do território, assim como das exportações.

Fraudes financeiras e uso de informações privilegiadas tornam fácil aceitar que o setor financeiro precisa ser tributado. A visão quase marxista de que nossa moralidade decorre de nossa posição econômica negligencia o papel moralizador da família, religião, cultura e arte.

O segundo ponto é o fato de o credo "comércio, em vez de ajuda" ter dado lugar à crença equivocada de que o comércio é menos importante do que o auxílio internacional. O eleitorado trabalhista, sempre temeroso da concorrência das importações, minou a política de comércio exterior. Também desviou a política de auxílio para diretrizes que priorizam áreas em que os retornos pelos esforços dos EUA são relativamente minúsculos.

O Departamento de Estado dos EUA, portanto, deixou de ser defensor da liberalização multilateral do comércio, apesar de décadas de ganhos maciços decorrentes da remoção de obstáculos comerciais. Em vez disso, seu braço de programas de auxílio financeiro, a Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), retrocedeu e passou a dedicar-se a projetos de baixo rendimento, concebidos como experimentos aleatórios. Essa técnica impressiona Bill Gates e o novo administrador da Usaid, Rajiv Shah, tem experiência na área. No entanto, mesmo se todos esses programas forem bem-sucedidos, seus benefícios seriam uma pequena fração dos ganhos documentados que foram acumulados com o comércio e outras políticas na esfera macroeconômica, nas quais os EUA perderam o interesse.

Terceiro, muitos acreditam que a indústria merece apoio preferencial. Esse praticamente é o mantra do governo do presidente dos EUA, Barack Obama, o que lhe custou o apoio de muitas pessoas, seja da área econômica ou não, como Christina Romer, que presidiu seu Conselho de Assessores Econômicos. Em recente, comentário na imprensa, ela refutou praticamente todos os argumentos apresentados por lobistas do setor industrial em busca de tratamento especial.

Podemos somar aos críticos o prêmio Nobel de economia Robert Solow, defensor ferrenho do Partido Democrata de Obama. Ele concorda que há atividades que rendem maiores retornos sociais do que privados. O problema, ressalta, é que nem ele nem qualquer outra pessoa pode chegar a saber quais são essas atividades, enquanto os lobistas dizem que as conhecem com precisão.

Os defensores da política da "indústria em primeiro lugar" argumentam que "grupos" de empresas são mais produtivos do que empresas individualmente. Mas são difíceis de encontrar os efeitos resultantes de grandes agrupamentos. Os economistas Glenn Ellison e Edward Glaeser descobriram que os agrupamentos são apenas marginalmente melhores do que quando as empresas são distribuídas aleatoriamente. Além disso, é difícil não aceitar que estamos cada vez mais vendo a "morte da distância", para usar as famosas palavras da economista Frances Cairncross.

Por fim, o setor financeiro passou a ser visto como a ruína da moralidade. Em um mundo de fraudes financeiras e negociações com informações privilegiadas, é fácil acreditar nisso e aceitar que o setor financeiro precisa ser tributado. A moralidade, no entanto, está em todos os setores. Há muita gente honesta, assim como desonesta, em todas as áreas da vida. A visão quase marxista de que nossa moralidade decorre de nossa posição econômica negligencia o papel moralizador da família, religião, cultura e arte.

Tendo em vista essas ideias equivocadas, o protecionismo ressurgiu como um terrível inimigo. Em 1999, quando o encontro ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) viu-se em meio a ameaças de bombas e caos, perguntei ao então diretor-geral da instituição, Mike Moore, se não deveríamos estar preparados para morrer pela grande causa do livre comércio. Eu deveria ter dito: pelo menos deveríamos estar preparados a viver por ela.

Entre velhas e novas confusões e a certeza de que a demolição de cada má ideia apenas permite que outras ganhem raízes e cresçam em seu lugar, a tarefa do defensor do livre comércio nunca termina. 

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