Jagdish Bhagwati é professor de economia e
direito na Columbia University e membro associado em questões de economia
internacional do Conselho de Relações Exteriores. É autor de "In Defense
of Globalization" (em defesa da globalização, em inglês). Copyright:
Project Syndicate, 2012. Este artigo foi publicado no VALOR ECONÔMICO de hoje.
Tanto foi escrito, por tantas pessoas, contra
as confusas ideias que devastaram o bom senso na política de comércio exterior
dos Estados Unidos que é de se imaginar se ainda resta algo a dizer. Vale a
pena lembrar, portanto, o que Pierre-Joseph Proudhon disse ao intelectual russo
Alexander Herzen, segundo se noticiou: "E você acha que uma vez dito
algo, isso é suficiente? [...] É preciso inculcá-lo nas pessoas, precisa ser
repetido de novo e de novo."
O que precisamos agora é uma cartilha sobre
as principais concepções equivocadas, na esperança de que ao contrário da Lei
de Gresham - segundo a qual a má moeda tende a expulsar a boa moeda do mercado
- as ciências econômicas boas expulsem as más. Quatro pontos, em particular,
precisam ser corrigidos.
A primeira ideia equivocada é a de que as
exportações criam empregos, enquanto as importações, não - uma falácia cuja
origem Harry Johnson, um grande economista especializado em comércio, atribuiu
ao mercantilismo e que os EUA ressuscitaram. Na verdade, em um mundo em que peças
e componentes chegam de todos os lugares, interferir com as importações
coloca em risco a competitividade. O sucesso das empresas de entregas, por
exemplo, depende das importações, que precisam ser trazidas das fronteiras para
o interior do território, assim como das exportações.
Fraudes financeiras e uso de informações
privilegiadas tornam fácil aceitar que o setor financeiro precisa ser
tributado. A visão quase marxista de que nossa moralidade decorre de nossa
posição econômica negligencia o papel moralizador da família, religião, cultura
e arte.
O segundo ponto é o fato de o
credo "comércio, em vez de ajuda" ter dado lugar à crença equivocada
de que o comércio é menos importante do que o auxílio internacional. O
eleitorado trabalhista, sempre temeroso da concorrência das importações, minou
a política de comércio exterior. Também desviou a política de auxílio para
diretrizes que priorizam áreas em que os retornos pelos esforços dos EUA são
relativamente minúsculos.
O Departamento de Estado dos EUA, portanto,
deixou de ser defensor da liberalização multilateral do comércio, apesar de
décadas de ganhos maciços decorrentes da remoção de obstáculos comerciais. Em
vez disso, seu braço de programas de auxílio financeiro, a Agência para o
Desenvolvimento Internacional (Usaid), retrocedeu e passou a dedicar-se a
projetos de baixo rendimento, concebidos como experimentos aleatórios. Essa
técnica impressiona Bill Gates e o novo administrador da Usaid, Rajiv Shah, tem
experiência na área. No entanto, mesmo se todos esses programas forem
bem-sucedidos, seus benefícios seriam uma pequena fração dos ganhos
documentados que foram acumulados com o comércio e outras políticas na esfera
macroeconômica, nas quais os EUA perderam o interesse.
Terceiro, muitos acreditam que a indústria
merece apoio preferencial. Esse praticamente é o mantra do governo do
presidente dos EUA, Barack Obama, o que lhe custou o apoio de muitas pessoas,
seja da área econômica ou não, como Christina Romer, que presidiu seu Conselho
de Assessores Econômicos. Em recente, comentário na imprensa, ela refutou
praticamente todos os argumentos apresentados por lobistas do setor industrial
em busca de tratamento especial.
Podemos somar aos críticos o prêmio Nobel de
economia Robert Solow, defensor ferrenho do Partido Democrata de Obama. Ele concorda que há
atividades que rendem maiores retornos sociais do que privados. O problema,
ressalta, é que nem ele nem qualquer outra pessoa pode chegar a saber quais são
essas atividades, enquanto os lobistas dizem que as conhecem com precisão.
Os defensores da política da "indústria
em primeiro lugar" argumentam que "grupos" de empresas são mais
produtivos do que empresas individualmente. Mas são difíceis de encontrar os
efeitos resultantes de grandes agrupamentos. Os economistas Glenn Ellison e
Edward Glaeser descobriram que os agrupamentos são apenas marginalmente
melhores do que quando as empresas são distribuídas aleatoriamente. Além disso,
é difícil não aceitar que estamos cada vez mais vendo a "morte da
distância", para usar as famosas palavras da economista Frances
Cairncross.
Por fim, o setor financeiro passou a ser
visto como a ruína da moralidade. Em um mundo de fraudes financeiras e
negociações com informações privilegiadas, é fácil acreditar nisso e aceitar
que o setor financeiro precisa ser tributado. A moralidade, no entanto, está em
todos os setores. Há muita gente honesta, assim como desonesta, em todas as
áreas da vida. A visão quase marxista de que nossa moralidade decorre de nossa
posição econômica negligencia o papel moralizador da família, religião, cultura
e arte.
Tendo em vista essas ideias equivocadas, o
protecionismo ressurgiu como um terrível inimigo. Em 1999, quando o
encontro ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) viu-se em meio a
ameaças de bombas e caos, perguntei ao então diretor-geral da instituição, Mike
Moore, se não deveríamos estar preparados para morrer pela grande causa do
livre comércio. Eu deveria ter dito: pelo menos deveríamos estar preparados a
viver por ela.
Entre velhas e novas confusões e a certeza de
que a demolição de cada má ideia apenas permite que outras ganhem raízes e cresçam
em seu lugar, a tarefa do defensor do livre comércio nunca termina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário