segunda-feira, 5 de março de 2012

Juros em queda, mas não tanto.


Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO de hoje.

A taxa real de juros "neutra" continua em queda no Brasil, avaliam os participantes da oportuna pesquisa realizada pelo Banco Central (BC) entre os agentes de mercado. Em relação à pesquisa anterior - realizada em outubro de 2010 - a média da taxa reportada pelos respondentes caiu de 6,55% para 5,43% ao ano, com 88% dos participantes acreditando que esta taxa caiu nos últimos dois anos, o que sugere que, gradualmente, a taxa de juros de equilíbrio doméstica está convergindo para padrões internacionais.

Contudo, essa boa notícia pode indicar que o BC vem sinalizando uma política excessivamente expansionista para os próximos meses, o que dificultaria o cumprimento da meta inflacionária em 2012 e 2013.

A taxa real de juros "neutra" pode ser conceituada como aquela em que o hiato do produto converge para zero, ou seja, em que o Produto Interno Bruto (PIB) observado se iguala ao PIB potencial que é consistente com a manutenção da estabilidade da inflação ao longo do tempo.

A taxa neutra é influenciada por vários fatores macroeconômicos e não se mantém constante no médio e longo prazo. Entre esses fatores, podem ser citados os choques de demanda e de oferta que tenham certa duração, além de mudanças nos fundamentos econômicos de longo prazo. Adicionalmente, numa pequena economia aberta com liberdade de fluxos de capitais, a taxa neutra é influenciada pelas condições macroeconômicas internacionais.

O economista Alan Blinder, em seu conhecido livro "Central Banking in Theory and Practice", desaconselha o uso da taxa real neutra como base para uma regra mecânica de política de juros pelos bancos centrais, preferindo que ela seja vista mais como um conceito teórico útil para a reflexão sobre política monetária. Isto porque se trata de uma taxa não observável e cujo valor não pode ser estimado com precisão. Ainda assim, sua estimativa é importante para os bancos centrais, auxiliando-os a avaliar, a cada momento do tempo, se a política monetária está sendo contracionista ou expansionista.

No momento em que escrevo este artigo, a taxa de juros real projetada pelo mercado para os próximos 12 meses é de aproximadamente 3,7%, considerando a expectativa de inflação de 5,28% divulgada pelo Boletim Focus. Esse número parece indicar que a política monetária é neste momento francamente expansionista, considerando que é muito inferior à média das opiniões sobre o nível da taxa "neutra" no Brasil (5,43%).

Considerando que o BC brasileiro opera no regime de metas para inflação, há que se indagar o porquê dessa aparente política expansionista, numa conjuntura em que as expectativas de inflação se mantêm acima da meta de 4,5%.

Há pelo menos três hipóteses, não mutuamente exclusivas, a considerar: a) o mercado superestima a taxa real de juros "neutra", que se situaria abaixo dos 5,43% indicados na pesquisa; b) por alguma razão, as expectativas de inflação dos agentes de mercado para os próximos meses estão "infladas"; c) o BC trabalha com uma convergência mais lenta para o centro da meta, o que significa tolerar uma inflação ao redor de 5% em 2012.

A primeira hipótese - superestimativa do nível da taxa de juros real neutra - não pode ser descartada, tendo em vista a já mencionada impossibilidade de estimação de seu valor exato. De toda sorte, os dados da pesquisa realizada pelo BC permitem concluir que apenas um número muito pequeno de participantes estima a taxa neutra abaixo dos 4%.

Esse fato sugere que a possibilidade de o BC não estar, no momento, com uma política monetária expansionista é relativamente baixa, a julgar pela comparação entre os juros observados no mercado e a taxa neutra estimada. Dito de outra forma, os dados podem sugerir que a estimativa própria do BC sobre a taxa neutra situa-se em patamar significativamente inferior à dos agentes de mercado.

Quanto às estimativas da inflação futura, obviamente existe também a possibilidade de que elas estejam superestimadas, vis-à-vis as expectativas do próprio BC. Embora o mercado antecipe a queda das taxas mensais de inflação nos próximos meses, a convergência para a meta de 4,5% não é esperada pela maioria dos respondentes da pesquisa Focus, valendo notar que tanto a curva de juros de mercado como a própria Focus antecipam a necessidade de retomada da alta da taxa Selic no final deste ano ou no início de 2013 para evitar a alta da inflação no próximo ano.

Finalmente, há a possibilidade de o BC estar aceitando uma convergência mais lenta para o centro da meta, seja para evitar uma queda mais forte no crescimento da economia, seja para criar um "colchão" para absorver um choque negativo, na hipótese de agravamento da crise de endividamento na zona do euro.

De todo modo, os resultados da pesquisa sobre a taxa real de juros neutra parecem corroborar a ideia de que o BC vem aceitando um risco maior de a inflação se situar acima do centro da meta, pelo menos nos próximos dois anos.

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