Antonio Delfim Netto, no Valor Econômico de hoje.
O sistema de metas
inflacionárias tem características interessantes: 1) O poder incumbente eleito
fixa a "meta" para a taxa de inflação. Reconhecendo as tecnicalidades
e incertezas da tarefa, e a necessidade de preservá-la da influência da política
partidária, escolhe para o comando do Banco Central, e submete ao Senado, nomes
de técnicos independentes e competentes para atingi-la, atribuindo-lhes
inamovibilidade com mandatos fixos; 2) Para cumpri-la, o Banco Central tem que
construir sua credibilidade. Trabalhar não apenas para fazer a sociedade
acreditar que pode fazê-lo, mas ancorar fortemente a "expectativa" da
taxa de inflação com comportamento persistente e coerente; e 3) O Banco Central
tem que criar relações de absoluta confiança com a sociedade, particularmente o
seu setor produtivo (trabalhadores, industriais, banqueiros), com uma
comunicação sem ruídos, total transparência e adequada prestação de contas
("accountability").
A entrega, pelo poder
incumbente, eleito por milhões de votos, a um grupo de cidadãos sem
representação direta, da responsabilidade de administrar um importante bem
público (o valor da moeda) exige uma explicação convincente. Para construir uma
ponte, atendendo à necessidade de quem o elegeu, o poder incumbente procura o
melhor engenheiro especializado para projetá-la. É essa mesma exigência que
justifica, pela especificidade da tarefa, a sua entrega a pessoas com um
conhecimento adequado.
Mas há uma diferença. No
caso da ponte existem conhecimentos físicos objetivos e materiais testados
secularmente, que "garantem" que, em condições normais de pressão e
temperatura ("ceteris paribus" = todo o resto igual), a ponte vai
resistir à carga e servir por muitos anos. No caso da "garantia" do
valor da moeda é diferente.
No sistema econômico, temos
relações tênues entre o que se supõe causa e seu efeito. O tempo para uma causa
produzir um efeito é variável e depende da circunstância que o cerca.
Exatamente porque a complexidade do processo impede a existência de relações
estáveis, o exercício da difícil arte de controlar o valor da moeda precisa ser
entregue a profissionais que têm consciência de tais dificuldades e reconhecem
os limites do seu conhecimento.
É uma grave ilusão supor
que apenas a política monetária pode levar a um resultado satisfatório. Não
apenas a teoria é precária, mas seu exercício envolve alguma bruxaria:
adivinhar qual é a taxa de juro "neutra", qual é o "produto
potencial", qual é a taxa de desemprego "natural" e, acima de
tudo, "prever" a taxa de inflação. Basta olhar com atenção os
resultados da recente pesquisa estimulada pelo Banco Central para senti-la.
As respostas não são
completamente coerentes dentro dos modelos conhecidos. Olhando os gráficos, há
sinais que eles parecem combinar "distribuições" produzidas por
informantes com diferentes modelos e diferentes definições do objeto da
estimativa. Sem o conhecimento de como essas foram produzidas, não há garantia
que a mediana, a média e a moda façam sentido, da mesma forma que ocorre quando
misturamos uma distribuição de pesos de laranja com outra de maçãs...
Nada disso sugere que não
devamos levar a sério o sistema de metas inflacionárias. Quando a expectativa
de inflação está bem ancorada, ele é um instrumento formidável para diminuir as
tensões da distribuição da renda entre o trabalho e o capital. O seu exercício,
entretanto, deve ser cuidadoso, como mostra o exemplo seguinte.
Lars Erik Oskar Svensson é
um competente economista monetário sueco. É conhecido na academia e nos bancos
centrais de todo o mundo como um dos mais importantes pesquisadores do sistema
de metas inflacionárias. Desde 1990, Svensson foi assessor do Sveriges
Riksbank, o banco central da Suécia, que há alguns anos utiliza o sistema. Em
2007, foi nomeado para a diretoria do banco para um mandato de seis anos e
serviu por um ano como um dos seis membros do seu comitê executivo.
Ele acaba de publicar um
artigo imperdível (Svensson, L. - "Practical Monetary Policy: Exemples
from Sweden and the United States", NBER - WP. 17823, Feb. 2012) para mostrar
o papel das "circunstâncias", isto é, das condicionalidades não
explícitas, nas previsões que informam a política monetária. É um breviário
contra a arrogância e a intolerância de alguns analistas.
No terceiro trimestre de
2010, os EUA e a Suécia estavam nas mesmas condições: 1) taxa de inflação
abaixo da meta; e 2) taxa de desemprego maior que a natural. Tanto os EUA (com
sua "meta" escondida, e agora anunciada) quanto a Suécia, que aplica
o regime de metas, tinham de fazer a mesma coisa: reduzir a taxa de juros. Pois
bem, os EUA fez o correto (baixou o juro, fez o QE2) e se deu mal. A Suécia fez
o errado (elevou os juros) e se deu bem. Tudo por conta das
"circunstâncias"...
Isso não é desculpa para
fazermos o errado. A política monetária exige modéstia e cuidado e só funciona
quando apoiada por uma robusta política fiscal. A nossa tem nos servido bem. O
crescimento robusto sem pressões inflacionárias exige que enfrentemos
corajosamente o desequilíbrio do mercado de trabalho e aceleremos a aprovação
dos projetos de mudanças estruturais que estão dormindo no Congresso.
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