Joaquim Levy, com brilhante memória, na FOLHA.
Planejamento, persistência, gestão de pessoas e alinhamento com os
princípios da missão são elementos essenciais para o sucesso da maior parte das
empreitadas.
Um bom exemplo dessa combinação encontra-se na atuação de George
Marshall, que liderou o Exército americano durante a Segunda Guerra Mundial,
tendo sido indispensável para a sua vitória, especialmente no cenário europeu,
alcançada 70 anos atrás.
O general Marshall anteviu a necessidade de o Exército estar preparado
para defender o país bem antes de ele ser atacado. Já antes do início do
conflito na Europa, ele alertou o presidente americano da imperiosa urgência de
reorganizar e dar meios àquela força.
Como tantos, ele propugnava o desenvolvimento da Força Aérea, que era
então primitiva e pequena. Mas, fiel ao seu feitio, quando foi proposto um
plano de rapidamente se produzirem 10 mil aviões, ele foi contra, preferindo
uma quantidade bem menor de unidades, mas acompanhada dos recursos para treinar
pilotos e desenvolver o apoio logístico indispensável para a efetividade
daquele investimento.
Essa atenção ao equilíbrio e o foco na organização industrial foram
cruciais quando o Exército americano passou de menos de 200 mil soldados em
1939 para 4 milhões quatro anos depois.
Para liderar esse vasto contingente em armas, Marshall valeu-se de alguns
critérios para selecionar generais que havia alinhavado anos antes, preferindo
aqueles que exibissem bom senso, conhecessem seu ofício, estivessem em boa
forma física --demonstrando energia--, fossem otimistas (irradiando um espírito
positivo) e cuja lealdade fosse acompanhada de determinação.
Essas características, sem nada de especial na aparência, em geral se
traduziam na capacidade de trabalhar em grupo, responder sob pressão e não
culpar os outros pela adversidade. Elas também permitiram uma ênfase em
preservar a vida dos seus comandados, o que era raramente visto antes na
condução de um conflito armado.
Esse respeito foi uma regra básica para o bom funcionamento de um
Exército de cidadãos, que abraçaram a missão de defender a democracia. Seu
impacto no moral dos combatentes contribuiu para o Exército superar diversos
reveses e pautar o comportamento da tropa à medida que foram conquistando
território, inclusive em relação aos civis que foram encontrando.
Os princípios de gestão aí ilustrados se aplicam ao grande número de
atividades humanas, e suas manifestações não escaparam aos mais argutos
participantes da FEB (Força Expedicionária Brasileira), que combateu lado a lado
com os Aliados, especialmente os americanos.
Osvaldo Cordeiro de Farias, um dos mais capazes integrantes da FEB,
recordava-se de como os americanos souberam aproveitar os talentos de oficiais
e soldados das mais diversas origens, transformando, por exemplo, um gerente de
supermercado em oficial graduado de logística.
Lembrava-se também de como oficiais com dois ou três anos de experiência
se mostravam tão ou mais capazes do que os próprios oficiais de carreira,
americanos ou brasileiros.
Isso porque mecanismos que aceleravam a difusão de boas práticas e de
experiências malogradas se traduziam no rápido aprendizado a partir de erros
iniciais. Essas lições, sem dúvida, auxiliaram esse notável artilheiro
brasileiro quando passou para a vida civil e liderou um importante grupo
industrial décadas depois.
A confiança na capacidade de pessoas de diversas origens é um dos traços
essenciais da democracia e base da inclusão. Ela também esteve presente na
visão estratégica do general Marshall, que permitiu dar fundamental
contribuição não só para a vitória da guerra mas também para a paz, quando ele
idealizou o plano de auxílio para a Europa no pós-Guerra.
Esse plano, que levou seu nome, ao alavancar o potencial do continente,
permitiu sua recuperação econômica, culminada com a criação do Mercado Comum
Europeu dez anos depois.
Ao se comemorar o fim da maior das guerras no território europeu e
merecidamente homenagear os milhares de pracinhas que o Brasil mandou à Itália
e que voltaram com tantas e variadas experiências, parece mais atual do que
nunca o exemplo desse general que declinou as posições mais visíveis no seu
Exército, para garantir o seu bom funcionamento e as grandes escolhas
estratégicas que lhe trouxeram a vitória.