sábado, 3 de março de 2012

Quatro farsantes da política fiscal.


PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO comenta que "os republicanos que estão gritando sobre o deficit não o reduziriam; fariam o contrário, de fato". 

Mitt Romney está muito preocupado com nosso deficit orçamentário. Ou pelo menos é o que diz; gosta de alertar que os deficit do presidente Obama estão nos conduzindo a um "colapso em estilo grego".

Se isso é fato, por que Romney oferece uma proposta de Orçamento que geraria dívida e deficit muito maiores do que os causados pela proposta do governo Obama?

É claro que Romney não está sozinho em sua hipocrisia. Os republicanos que continuam na disputa pela indicação presidencial são farsantes fiscais. Fazem advertências apocalípticas sobre os perigos da dívida do governo e, em nome da redução do deficit, exigem cortes selvagens nos programas que protegem a classe média e os pobres. Mas propõem desperdiçar todo o dinheiro economizado concedendo novos cortes de impostos aos ricos.

O Comitê por um Orçamento Federal Responsável, apartidário, publicou análises das propostas orçamentárias dos republicanos e da mais recente proposta de Obama. As propostas de Newt Gingrich, Rick Santorum e Romney resultariam todas em dívida nacional maior, em uma década, se comparadas à proposta de Obama para 2013.

Romney afirma que seus cortes não causariam explosão do deficit porque promoveriam crescimento mais rápido, e isso resultaria em alta na arrecadação. Você pode considerar o argumento plausível, mas para isso teria de ter passado as duas últimas décadas dormindo; se não o fez, é provável que recorde que as mesmas pessoas garantiram que o aumento de impostos de Bill Clinton em 1993 resultaria em desastre econômico, e que os cortes de George W. Bush em 2001 gerariam imensa prosperidade. Nenhuma dessas previsões se confirmou.

Assim, os republicanos que estão gritando sobre o deficit não o reduziriam -fariam o contrário, de fato.

Outra organização apartidária, o Centro de Política Tributária, analisou a proposta de Romney. Constatou que, comparada à política vigente, ela elevaria os impostos dos 20% mais pobres, com cortes drásticos em programas como o Medicaid. O 1% mais rico receberia imensos cortes de impostos -e o 0,1% mais rico se sairia ainda melhor.

Os planos republicanos também cortariam os gastos em curto prazo, imitando as catastróficas medidas europeias, e imporiam cortes de impostos capazes de destruir qualquer Orçamento, em prazo mais longo.

A questão é determinar se alguém que ofereça essa tóxica combinação de irresponsabilidade, guerra de classes e hipocrisia será mesmo capaz de se eleger presidente.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Guerra cambial.


Editorial do ESTADÃO afirma que as medidas contra a guerra cambial são insuficientes. 

O aumento da liquidez internacional, para reativar a economia de alguns países do Primeiro Mundo, está trazendo problemas para os países emergentes com a valorização das suas moedas, o que chega a ser um freio para o crescimento.

O governo brasileiro tomou algumas medidas para enfrentar essa guerra cambial, mas até agora o efeito é limitado e o preço, muito alto. A compra de dólares pelo Banco Central o obriga a compensar os gastos em reais, decorrentes da compra, com a emissão de títulos da dívida pública - operação em que o custo não é compensado com a aplicação, em títulos do governo norte-americano, das divisas adquiridas, cujo uso não pode ser especulativo.

Uma primeira medida que se justificaria no momento atual seria colocar pelo menos parte das divisas adquiridas no Fundo Soberano que foi criado no Brasil, no qual se poderia obter uma remuneração mais elevada do que a das aplicações em títulos do Tesouro norte-americano.

Tratando-se de um ativo que pertence ao País, sua utilização teria de corresponder ao menor risco possível, mas com uma remuneração que superasse o custo da emissão de títulos públicos. Atualmente, esse Fundo Soberano é administrado pela Secretaria do Tesouro, mas parece-nos que deveria haver uma modificação nessa responsabilidade, incluindo-se, além do Tesouro, representantes do Banco Central e da Bolsa de Valores.

Atualmente, as compras de divisas pelo Banco Central são destinadas ao aumento das reservas brasileiras. Ora, o efeito disso é atrair mais capital estrangeiro. Alguns economistas estão sugerindo uma quarentena de mais de seis meses para a entrada de dinheiro estrangeiro, complementar às ultimas medidas, como a criação de um Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre empréstimos externos com prazo de até três anos.

Achamos que caberia, também, encontrar meios para reduzir os empréstimos intercompanhias, que no ano passado representaram 18% dos Investimentos Estrangeiros Diretos no País, recursos que certamente foram aplicados em títulos de renda fixa para aproveitar a alta remuneração obtida no Brasil.

Não há dúvida de que uma redução da taxa Selic teria a vantagem de eliminar a atração que a remuneração dos títulos públicos brasileiros exerce sobre o capital especulativo estrangeiro. Seria agora, talvez, a boa hora de modificar a remuneração desses títulos, enfrentando as dificuldades de colocar papéis do governo. Isso traria sobretudo a vantagem de reduzir o déficit nominal.

USP herda o tesouro de Delfim Netto.


Leio no VALOR que anos após comprar uma cobertura, em São Paulo, Antônio Delfim Netto passou a receber alertas do engenheiro responsável pelo prédio. O homem tentava convencê-lo a interromper o processo de expansão de sua coleção de livros, temendo que o peso comprometesse as fundações do edifício. "'Delfim, você está abusando', ele dizia. 'O peso vai abalar as estruturas'", conta o ex-ministro com seu típico bom humor.


A saída foi levar o acervo para destino mais seguro: um sítio em Cotia (SP), onde ele construiu uma das maiores coleções particulares do país, com 290 mil exemplares. Em breve, todo esse material vai se mudar outra vez, mas para uma nova e definitiva casa: a USP.

Gastar é fácil, investir nem tanto.


ROGERIO FURQUIM WERNECK é economista e professor da PUC-Rio. Escreveu este artigo para O GLOBO de hoje.
  
Em artigo publicado há quase cinco anos, o ex-ministro Antonio Palocci fez ponderações sobre entraves aos investimentos do PAC que, a cada dia, soam mais oportunas (O GLOBO, 16/9/2007). Arguiu que, no governo, o investimento costuma ser "a mais difícil das tarefas". E que, em vista das dificuldades envolvidas, não só na escolha dos projetos, como nas fases de planejamento, financiamento e execução, "os gastos correntes tendem a ganhar de goleada dos gastos com investimentos".

O que Palocci queria dizer era que, ao escolher que uso dar aos recursos fiscais adicionais propiciados, ano após ano, pelo crescimento da arrecadação, o governo vinha mostrando preferência inequívoca por aumento de dispêndio corrente. E que, mesmo quando a escolha recaía sobre o investimento, à medida que a execução dos projetos se atrasava, na esteira de incontáveis dificuldades, a sobra de recursos fiscais acabava por viabilizar expansão adicional de gastos correntes.

São ponderações que continuam a merecer atenção. Nos últimos anos, o governo não encontrou dificuldade para expandir em muito seus gastos correntes. Aumentar o investimento público, no entanto, continua sendo muito difícil. E não se trata apenas de evitar que a expansão tão fácil dos gastos correntes acabe por inviabilizar o aumento dos investimentos. Trata-se também, e principalmente, de conseguir fazer o investimento acontecer, quando o financiamento está plenamente garantido.

No ano passado, o governo não tinha qualquer intenção de conter seus gastos de investimento. Muito pelo contrário. Ainda assim, o que se constatou, afinal, foi que tais gastos permaneceram estagnados, em nível equivalente ao de 2010. Não por ter havido contingenciamento de verbas ou qualquer outra forma de restrição ao financiamento. Mas, simplesmente, porque, em ministérios infestados por esquemas de corrupção, o governo se viu obrigado a desmantelar as cadeias de comando que acionavam o investimento. E ainda não conseguiu remontá-las.

A remontagem promete ser bem mais complexa do que o governo antevia, como bem ilustram as dificuldades de reconstrução do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o emblemático Dnit. De acordo com seu novo diretor, o órgão teria de contar com o dobro dos funcionários com que agora conta, para que pudesse ter chance de desempenhar a contento o papel que dele se espera, na gestão dos programas de investimento público sob sua responsabilidade. Em vista dessas dificuldades, já há quem argua que talvez faça mais sentido reconstruir o Dnit em outras bases.

Além de corrupção escancarada, o atrofiado esforço de investimento que ainda subsiste no orçamento federal vem enfrentando os custos do problemático loteamento de cargos que vem sendo feito pelo governo, em nome de um presidencialismo de coalizão que parece já ter ido bem mais longe do que seria razoável. A mídia tem dado destaque à licença com que políticos agraciados com a gestão de determinados órgãos da administração pública interpretam os poderes de que foram investidos. Proliferam casos de gestores que se permitem concentrar a maior parte dos investimentos dos órgãos que administram em projetos de interesse exclusivo dos Estados de onde são oriundos.

A grande vantagem da presidente é que dela não se pode dizer que lhe falte reflexão prévia sobre esses problemas. Desde o primeiro mandato do presidente Lula, Dilma Rousseff está mobilizada com o desafio de assegurar que os programas de investimento público avancem conforme previsto. E foi exatamente isso que, na transição do governo anterior para o atual, assegurou tão alto grau de continuidade na gerência dos programas de investimento público. Prestes a completar sete anos de envolvimento diário com tais problemas, a presidente já não tem como alegar surpresa diante de qualquer dos desafios envolvidos na complexa gestão dos investimentos do governo. Não pode se dar ao luxo de apresentar mais um ano de desempenho medíocre nessa área.

Livre comércio 'ad nauseam'.


Jagdish Bhagwati é professor de economia e direito na Columbia University e membro associado em questões de economia internacional do Conselho de Relações Exteriores. É autor de "In Defense of Globalization" (em defesa da globalização, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2012. Este artigo foi publicado no VALOR ECONÔMICO de hoje.

Tanto foi escrito, por tantas pessoas, contra as confusas ideias que devastaram o bom senso na política de comércio exterior dos Estados Unidos que é de se imaginar se ainda resta algo a dizer. Vale a pena lembrar, portanto, o que Pierre-Joseph Proudhon disse ao intelectual russo Alexander Herzen, segundo se noticiou: "E você acha que uma vez dito algo, isso é suficiente? [...] É preciso inculcá-lo nas pessoas, precisa ser repetido de novo e de novo."

O que precisamos agora é uma cartilha sobre as principais concepções equivocadas, na esperança de que ao contrário da Lei de Gresham - segundo a qual a má moeda tende a expulsar a boa moeda do mercado - as ciências econômicas boas expulsem as más. Quatro pontos, em particular, precisam ser corrigidos.

A primeira ideia equivocada é a de que as exportações criam empregos, enquanto as importações, não - uma falácia cuja origem Harry Johnson, um grande economista especializado em comércio, atribuiu ao mercantilismo e que os EUA ressuscitaram. Na verdade, em um mundo em que peças e componentes chegam de todos os lugares, interferir com as importações coloca em risco a competitividade. O sucesso das empresas de entregas, por exemplo, depende das importações, que precisam ser trazidas das fronteiras para o interior do território, assim como das exportações.

Fraudes financeiras e uso de informações privilegiadas tornam fácil aceitar que o setor financeiro precisa ser tributado. A visão quase marxista de que nossa moralidade decorre de nossa posição econômica negligencia o papel moralizador da família, religião, cultura e arte.

O segundo ponto é o fato de o credo "comércio, em vez de ajuda" ter dado lugar à crença equivocada de que o comércio é menos importante do que o auxílio internacional. O eleitorado trabalhista, sempre temeroso da concorrência das importações, minou a política de comércio exterior. Também desviou a política de auxílio para diretrizes que priorizam áreas em que os retornos pelos esforços dos EUA são relativamente minúsculos.

O Departamento de Estado dos EUA, portanto, deixou de ser defensor da liberalização multilateral do comércio, apesar de décadas de ganhos maciços decorrentes da remoção de obstáculos comerciais. Em vez disso, seu braço de programas de auxílio financeiro, a Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), retrocedeu e passou a dedicar-se a projetos de baixo rendimento, concebidos como experimentos aleatórios. Essa técnica impressiona Bill Gates e o novo administrador da Usaid, Rajiv Shah, tem experiência na área. No entanto, mesmo se todos esses programas forem bem-sucedidos, seus benefícios seriam uma pequena fração dos ganhos documentados que foram acumulados com o comércio e outras políticas na esfera macroeconômica, nas quais os EUA perderam o interesse.

Terceiro, muitos acreditam que a indústria merece apoio preferencial. Esse praticamente é o mantra do governo do presidente dos EUA, Barack Obama, o que lhe custou o apoio de muitas pessoas, seja da área econômica ou não, como Christina Romer, que presidiu seu Conselho de Assessores Econômicos. Em recente, comentário na imprensa, ela refutou praticamente todos os argumentos apresentados por lobistas do setor industrial em busca de tratamento especial.

Podemos somar aos críticos o prêmio Nobel de economia Robert Solow, defensor ferrenho do Partido Democrata de Obama. Ele concorda que há atividades que rendem maiores retornos sociais do que privados. O problema, ressalta, é que nem ele nem qualquer outra pessoa pode chegar a saber quais são essas atividades, enquanto os lobistas dizem que as conhecem com precisão.

Os defensores da política da "indústria em primeiro lugar" argumentam que "grupos" de empresas são mais produtivos do que empresas individualmente. Mas são difíceis de encontrar os efeitos resultantes de grandes agrupamentos. Os economistas Glenn Ellison e Edward Glaeser descobriram que os agrupamentos são apenas marginalmente melhores do que quando as empresas são distribuídas aleatoriamente. Além disso, é difícil não aceitar que estamos cada vez mais vendo a "morte da distância", para usar as famosas palavras da economista Frances Cairncross.

Por fim, o setor financeiro passou a ser visto como a ruína da moralidade. Em um mundo de fraudes financeiras e negociações com informações privilegiadas, é fácil acreditar nisso e aceitar que o setor financeiro precisa ser tributado. A moralidade, no entanto, está em todos os setores. Há muita gente honesta, assim como desonesta, em todas as áreas da vida. A visão quase marxista de que nossa moralidade decorre de nossa posição econômica negligencia o papel moralizador da família, religião, cultura e arte.

Tendo em vista essas ideias equivocadas, o protecionismo ressurgiu como um terrível inimigo. Em 1999, quando o encontro ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) viu-se em meio a ameaças de bombas e caos, perguntei ao então diretor-geral da instituição, Mike Moore, se não deveríamos estar preparados para morrer pela grande causa do livre comércio. Eu deveria ter dito: pelo menos deveríamos estar preparados a viver por ela.

Entre velhas e novas confusões e a certeza de que a demolição de cada má ideia apenas permite que outras ganhem raízes e cresçam em seu lugar, a tarefa do defensor do livre comércio nunca termina. 

Os impasses do contingenciamento.


Mansueto Almeida e Alexandre Manoel (economistas do IPEA) e Helder Rebouças escreveram este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO.  

O aperfeiçoamento da gestão e a busca do equilíbrio das contas públicas são, indiscutivelmente, preocupações que vêm marcando o governo da presidente Dilma. Nesse contexto, cabe um exame mais detalhado dos impactos do contingenciamento orçamentário, uma prática que tem sido comum no esforço de vários governos de cumprir as metas anunciadas de superávit primário. O tema é oportuno porque, recentemente, o governo contingenciou, por meio do Decreto nº 7.680, de 17 de fevereiro de 2012, cerca de R$ 55 bilhões de despesas do orçamento da União.

O contingenciamento é amparado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, na hipótese (exclusiva) de expectativas de "frustração" de receita que possa comprometer resultados fiscais, como as metas de superávit primário. Vê-se, portanto, que a legitimidade do contingenciamento depende, essencialmente, da consistência e credibilidade das prognoses de "queda" de receitas alegadas pelo Executivo.

Do contrário, o decreto de contingenciamento, por ausência de motivação legítima, se tornaria um ato juridicamente defeituoso. Neste ano, para justificar o contingenciamento, o governo estimou uma redução de R$ 29,5 bilhões na receita líquida primária em relação às previsões trazidas pela lei orçamentária anual.

Em 2011, por exemplo, a lei de orçamento aprovada pelo Congresso previu receitas de R$ 990,5 bilhões. Naquela ocasião, o executivo, motivando o decreto de contingenciamento, refez sua previsão de receita para "baixo" e estimou que essas seriam de R$ 971,4 bilhões. A quatro meses para encerrar aquele ano, o volume de receitas já havia atingido o montante de R$ 997,4 bilhões, demonstrando que a previsão do executivo estava "equivocada". Em geral, essas inconsistências de prognoses têm ocorrido em vários anos, desde 2000, com consequências jurídicas e econômicas.

Do ponto de vista jurídico, há discussões teóricas importantes sobre a atuação do Judiciário no exame de "déficits" de prognoses de normas. A título de ilustração, o ministro Gilmar Mendes, do STF, produziu instigantes artigos acadêmicos sobre a matéria, chamando a atenção para o fato de que o controle de constitucionalidade comporta o exame das prognoses do legislador. De fato, conforme a posição dominante da doutrina jurídica vigente, quando a administração declara o motivo que determinou a prática de um ato administrativo, fica vinculada à existência do motivo por ela declarado. Assim, se houver desconformidade entre a realidade e o motivo declarado, torna-se possível a declaração de nulidade do ato pelo Poder Judiciário.

Outra dimensão jurídica relevante é a ampla discricionariedade que marca os decretos de contingenciamento. Se um ministério, em 2012, teve cortes de R$ 5 bilhões, por exemplo, como se dá a escolha de quais programas ou ações serão "sacrificados"? Diante do contingenciamento dos restos a pagar - despesas empenhadas e não pagas pelo governo -, como se decide quais delas serão "honradas"? Por que o decreto de contingenciamento inclui ações como "dinheiro direto na escola para o ensino fundamental" e "atenção à saúde da população para procedimentos em média e alta complexidade"? Lembre-se aqui que, no Estado Democrático de Direito, a "discricionariedade" dos decretos de contingenciamento não pode estar fundada somente na letra da lei, mas, principalmente, em princípios constitucionais.

Do ponto de vista econômico, as inconsistências das aludidas previsões geram, entre outras consequências, diminuição da governança do setor público, pois afeta a capacidade de os gestores federais implementarem de maneira eficiente políticas públicas e diminuem a contribuição do superávit primário para a redução da dívida pública federal.

De fato, quando o governo federal "erra" nas suas previsões de receitas nos decretos de contingenciamento, acaba postergando, para muito próximo do final do ano, a efetiva liberação dos recursos, para que as unidades orçamentárias empenhem, liquidem e paguem as despesas orçadas. Em consequência, surgem os restos a pagar, porque já não há tempo hábil para empenhar, liquidar e pagar várias dessas despesas.

Existem duas formas de honrar os restos a pagar. Na primeira, são usadas receitas do atual exercício financeiro, de maneira que os pagamentos dos restos a pagar acabam concorrendo com outras despesas programadas para o ano corrente e, assim, termina dando origem a novos restos a pagar para os próximos exercícios fiscais. Neste ano, por exemplo, o orçamento para investimento da União depois do contingenciamento é de R$ 55 bilhões; valor inferior aos restos a pagar para essa mesma rubrica, que está orçada em R$ 57 bilhões. Em suma, o orçamento, que deveria se orientar para o futuro, torna-se também uma peça de planejamento do passado, diminuindo, portanto, a governança federal.

A outra forma de pagamento dos restos a pagar dá-se pelo aumento de endividamento, por meio do lançamento de títulos no mercado. Diga-se, por oportuno, que, contabilmente falando, os restos a pagar não "entram" nas apurações tradicionais de dívida (dívida bruta ou dívida líquida do setor público), que são os indicadores divulgados sobre a saúde financeira do setor público. Ora, quando o governo lança mão de títulos para honrar os restos a pagar, estes acabam se transformando em operações de crédito, agora, sim, ampliando, por exemplo, a dívida bruta do governo. Esse incremento de dívida pressiona o governo a obter mais superávit, inclusive por meio de novos contingenciamentos, criando-se um verdadeiro círculo vicioso.

Em suma, o superávit das contas públicas, que deveria ser utilizado para efetivo pagamento dos juros e amortizações do estoque da dívida, acaba por "atender" também a essa nova dívida, criada pela emissão de títulos destinados aos restos a pagar. Essa prática pode, inclusive, ser um dos fatores que explicam a resistência da queda dos juros da economia, mesmo diante de "expressivos" superávits primários.

Há, portanto, amplo espaço para que a prática de contingenciamento de despesas no Brasil seja revista. No campo econômico, cabe introduzir regra de efetivo controle do crescimento do saldo dos restos a pagar. Na esfera jurídica, exige-se que os decretos tenham motivação consistente e maior legitimidade democrática, já que o contingenciamento transformou-se em poderoso instrumento de política fiscal, sem, no entanto, submeter-se aos crivos da deliberação pública ou parlamentar.

Os bancos, o público e os políticos.


Armando Castelar Pinheiro, é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO.

Sejam ricos ou pobres, quase todos os países, da Índia à Suíça, têm bancos públicos. Sua participação na economia foi maior no passado, diminuiu com a "revolução" liberal do fim do século XX e, em alguns países, subiu com a crise, quando alguns bancos foram estatizados para não quebrar.

A existência desses bancos é motivo de polêmica na literatura econômica. Em tese, um banco público, por pertencer a todos, foca no interesse coletivo, em anteposição aos bancos privados, cujas atividades buscariam o interesse de seus acionistas; portanto, de um subgrupo da população. Ainda que em geral as atividades dos bancos privados beneficiem toda a sociedade, há em tese circunstâncias em que não se dá essa coincidência, cabendo aos bancos públicos delas desincumbir-se.

Contrapõe-se a essa explicação desenvolvimentista uma visão mais cética dos bancos públicos, pela qual, mesmo que criados com nobres intenções, essas instituições tendem a ser capturadas por políticos que os comandam com foco nas suas próprias agendas. Basta abrir os jornais e ler sobre a "faxina presidencial" na seção de política para entender a que tipo de captura referem-se os que defendem essa segunda visão.

Essas duas visões levam a conclusões distintas sobre os impactos dos bancos públicos na economia. Para a visão desenvolvimentista, eles contribuem para sanar falhas no setor financeiro e alavancar o crescimento econômico. Já na visão política, eles servem apenas para transferir renda para os políticos e aqueles a eles ligados, inibindo a expansão dos bancos privados e atrasando o desenvolvimento.

É mais complicado do que pode parecer discernir qual das duas visões melhor explica os fatos. Assim, as duas preveem que os bancos públicos devem ser mais importantes em países pobres e com sistemas financeiros pouco desenvolvidos, o que de fato ocorre. Da mesma forma, as duas também preveem que os bancos públicos devem ser menos lucrativos que os privados, o que também se observa.

Duas estratégias são utilizadas para discriminar entre essas duas visões. A primeira é olhar o que vem antes, se os bancos públicos ou a falta de desenvolvimento. A primeira visão argumenta que as coisas deveriam melhorar, de preferência num horizonte não muito longo, depois da instalação dos bancos públicos, a segunda defende que isso não acontece. A outra estratégia examina as atividades dos bancos públicos, em especial investigando se essas tendem a beneficiar grupos de interesse bem situados politicamente.

No Brasil, ainda são poucos os estudos focados nessa questão. Os primeiros trabalhos miraram a alocação dos empréstimos públicos, para ver se essa era consistente com o foco desenvolvimentista, e o seu impacto sobre o desenvolvimento econômico e financeiro.

Mais recentemente, porém, se começou a pesquisar também se há indícios de que essa alocação é influenciada por fatores políticos. Uma importante contribuição neste sentido foi dada por Sérgio Leão, em tese defendida no departamento de economia da PUC-RJ. O trabalho foca nos bancos comerciais controlados pela União e analisa a relação entre seus empréstimos e variáveis político-eleitorais.

Há pelo menos duas conclusões importantes do estudo a esse respeito. A primeira é que esses bancos, controlando para outras variáveis, em geral emprestam mais em municípios em que o prefeito é filiado a um partido na base de apoio ao governo do que naqueles em que isso não ocorre. Utilizando dados para o período 1997-2008, o autor obtém que o crédito desses bancos nos municípios "alinhados" cresceu 1,3 ponto percentual a mais, ou 10% mais rápido, que nos não alinhados com o governo federal. As empresas localizadas nesses municípios foram as mais beneficiadas por isso.

Em outro estudo, mostra-se que as empresas que nas eleições municipais de 2004 e 2008 contribuíram para a eleição dos candidatos da base de apoio ao governo receberam no ano seguinte à eleição, em média, 9% a mais de crédito dos bancos comerciais federais do que as que contribuíram com candidatos de fora da base. Sintomaticamente, no ano em si das eleições não se observa essa diferença. Outro achado interessante é que mesmo as empresas que contribuem para a oposição, ou para os dois lados, são beneficiadas, sugerindo que há uma relação entre contribuição financeira e benefícios creditícios.

Esses achados são consistentes com os de estudos semelhantes para outros países, reforçando a conclusão de que a visão política tem relevância para explicar o comportamento dos bancos públicos, mesmo que não seja a única a influenciar suas decisões. Para um país em que o capital é um recurso especialmente escasso, esse resultado é de grande relevância, já que indica que a produtividade do capital pode estar sendo sacrificada por considerações político-partidárias, comprometendo o crescimento do país.

A análise empírica do trabalho utiliza milhares de observações e é robusta a mudanças na forma de estimação, mas é importante que novos estudos aprofundem suas conclusões.

Nobel de Economia visitará o Brasil.


Leio na FOLHA DE S. PAULO que  o economista indiano e ganhador do Prêmio Nobel em 1998 Amartya Sen participará do ciclo Fronteiras do Pensamento. Em sua palestra, no dia 23/4, às 20h30, na Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, 16, centro), Sen vai abordar os caminhos possíveis para uma sociedade mais justa. Os ingressos para o ciclo estarão à venda a partir de 6/3, em www.ingressorapido.com.br

Momento e oportunidade.


RODOLFO LANDIM, 54, engenheiro civil e de petróleo, é presidente da YXC Oil & Gas e sócio-diretor da Mare Investimentos. Trabalhou na Petrobras, onde, entre outras funções, foi diretor-gerente de exploração e produção e presidente da Petrobras Distribuidora. Escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO.

Aproveitando o período de Carnaval, resolvi tirar duas semanas de férias em parte fazendo um cruzeiro pelas Bahamas e nos demais dias revisitando cidades turísticas nos Estados Unidos. Foram dias que me deram a oportunidade de testemunhar, fora do país, aspectos positivos do momento que vivemos no Brasil e refletir sobre os desafios a serem vencidos para continuarmos a crescer.

A primeira observação feita está associada ao indiscutível crescimento da classe média brasileira e ao maior acesso de nossa população àquilo que, durante anos, apenas fazia parte de seu sonho de consumo. A redução da taxa de juros e o aumento do crédito, associados ao real valorizado, permitem que milhares de brasileiros estejam hoje viajando pelo mundo. O cruzeiro mencionado foi apenas um pequeno exemplo. Dos cerca de 6.100 passageiros, 2.800 eram brasileiros. Só se ouvia falar português por onde quer que você estivesse no navio.

São conhecidas as verdadeiras invasões de brasileiros na Flórida nas férias, notadamente em Orlando, para visitar os parques temáticos, mas jamais na proporção de hoje. Nos shoppings da cidade, são raras as lojas sem vendedores que falam a nossa língua e já há panfletos e informações em português em todos os parques.

Isso sem falar dos anúncios em português para a venda de imóveis. Um corretor com o qual conversei me contou que os brasileiros têm sido os maiores compradores estrangeiros de imóveis na Flórida, algo que seria impensável até mesmo em um passado recente.

Outro aspecto interessante é o geográfico. Anos atrás, os sotaques dominantes eram de São Paulo, do Rio, de Minas Gerais, mas no tal cruzeiro das Bahamas, por exemplo, mais de mil brasileiros eram de Pernambuco. Também sinal dos novos tempos e da recuperação econômica do Nordeste brasileiro.

Mas a mais significativa observação está ligada a recursos humanos e pode mostrar um exemplo a ser seguido pelo Brasil -caso não queira atrasar seu crescimento.

Ao longo das últimas quatro décadas, os EUA conseguiram desenvolver, seja no deserto de Nevada ou nas áreas semipantanosas da Flórida, uma indústria de entretenimento com enorme sucesso e um fator foi fundamental nessa como é em qualquer indústria: mão de obra de qualidade. E, nesse ponto, não há restrição de nacionalidade. As principais atrações tanto dos supershows de Las Vegas como do navio que utilizei são artistas provenientes de todos os cantos do mundo.

Hoje o Brasil vive um momento extraordinário, com economia estável, longe das crises e com um sistema político consolidado. Sou de uma geração em que muitos perderam a convivência de amigos que tiveram de se aventurar no exterior para encontrar emprego, principalmente nos EUA e na União Europeia. Era uma gente guerreira, destemida e empreendedora que certamente colaborou bastante para o sucesso das nações onde foi morar.

Os tempos mudaram e o movimento agora tende a ser contrário, com muitos estrangeiros de elevado nível de capacitação profissional interessados em fugir do desemprego de seus países e sendo atraídos pela estabilidade e pelas oportunidades de crescimento existentes no Brasil. Será um grande erro se não aproveitarmos a chance de trazê-los para cá.

Os novos desafios para um crescimento econômico sustentável são enormes, e passarão nos próximos anos por uma demanda cada vez maior de ciência e de tecnologia.

E provavelmente a maior dificuldade de todas no Brasil será conseguir contar com uma força de trabalho treinada e capacitada para enfrentá-los.

Por isso, uma política correta de atração de mão de obra especializada do exterior para completar nossos quadros de maior deficiência será fundamental. Essas medidas, aliadas a um plano de educação de médio e longo prazos, dariam ao Brasil as bases necessárias para o continuado crescimento sustentável, pois a natureza já nos dotou favoravelmente de recursos naturais dos mais variados, restando a nós a missão de aproveitá-los da melhor maneira possível.

Eleições demais?


Moisés Naím, hoje na FOLHA DE S. PAULO e sua específica análise sobre como a política (eleições) influenciam a economia (mercados).   

O que Nicolas Sarkozy, Mahmoud Ahmadinejad e Vladimir Putin têm em comum? O fato de que vão enfrentar eleições em breve. O mesmo vale para Barack Obama, Hugo Chávez e muitos outros. Neste ano, haverá eleições presidenciais ou mudanças de chefe de governo em países que, juntos, representam mais de metade da economia mundial. Mas não é apenas isso. Muitos desses líderes são responsáveis por tomar decisões críticas para a humanidade, ao mesmo tempo em que buscam o voto de suas populações. E, com frequência, a política local entra em tensão com as realidades globais.

A Grécia terá eleições em abril. E já vimos que aquilo que acontece na Grécia afeta a todos nós. Hoje acontecem eleições parlamentares no Irã, e o resultado será negativo para o presidente Ahmadinejad. Mas não se alegre: o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, é quem sairá fortalecido. Em todo caso, os dois andam seduzindo seus eleitores ao mesmo tempo em que decidem sobre bombas atômicas, petróleo e economia. E neste domingo a Rússia irá as urnas para escolher seu próximo presidente. Vladimir Putin tem a eleição assegurada, mas seu triunfalismo sofreu com os protestos maciços contra ele. O líder russo também se viu obrigado a combinar cálculos eleitorais com decisões sobre a Síria, o Irã, o Afeganistão e outras emergências globais.

A mesma coisa ocorre com Sarkozy, que em 22 de abril vai enfrentar o socialista François Hollande. E com Barack Obama, que de agora até as eleições de novembro terá que administrar graves crises internacionais e, ao mesmo tempo, cuidar de sua defesa contra os ataques de seu rival republicano.

Na China, o presidente Hu Jintao está encerrando seu mandato. Embora essa transição ocorra sem trauma, a troca de líder do país de cuja saúde econômica e política depende a estabilidade mundial acrescenta ainda mais complexidade a um ano que já é muito complexo.

Mas as mudanças não se limitam às superpotências. Ainda haverá eleição presidencial no Egito (maio ou junho), no México (1º de julho) e na Venezuela (7 de outubro).

No caso do Egito, os resultados terão impacto no Oriente Médio e sobre a própria evolução da Primavera Árabe. No do México, vão influir sobre a expansão das narcoguerras. E, no caso da Venezuela, os resultados vão influir na ascendência de Hugo Chávez sobre seus vizinhos mais pobres, especialmente Cuba e Nicarágua.

Nas democracias, as eleições são normais e desejáveis. Mas não saem de graça. Os cálculos eleitorais fazem com que os dirigentes paralisem ou adiem decisões necessárias ou tomem decisões indesejáveis.

Já sabemos que um dos fatores que agravam as crises econômicas é que os mercados financeiros se movem à velocidade da internet, enquanto os governos avançam na velocidade da democracia. A essa disparidade da velocidade da tomada de decisões é preciso acrescentar a perda de qualidade que sofrem as decisões em períodos eleitorais, em todos os âmbitos, não apenas o econômico. Esse problema não se resolve com menos eleições. Alivia-se com mais e melhor democracia. 

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O vazio pacto fiscal da Europa.


Martin Feldstein é professor de economia em Harvard, foi presidente do conselho de assessores econômicos do presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e foi presidente do Gabinete Nacional de Análises Econômicas dos EUA. Escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO de ontem. 

A força motora da política econômica da Europa é o "projeto europeu" de integração política. O objetivo é refletido no atual foco da União Europeia (UE) de criar um "pacto fiscal", que constitucionalizaria o compromisso dos países-membros com limites de déficit supostamente invioláveis. Infelizmente, o pacto é outro exemplo da subordinação da realidade econômica da Europa ao desejo dos políticos de se vangloriar sobre o avanço em direção a uma "união ainda mais forte".

O plano sobre o pacto fiscal evoluiu rapidamente nos últimos meses, deixando de ser uma "união de transferências", politicamente impopular, para tornar-se um perigoso projeto de austeridade fiscal e, por fim, uma versão modificada do falecido Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1997. No fim das contas, o acordo que emergirá pouco fará para mudar as condições econômicas da Europa.

A forma mais provável de acerto parece ser um acordo bastante moderado obrigando cada país a equilibrar seus orçamentos e que seu descumprimento resulte em penas automáticas, embora seja difícil imaginar quando um país descumpre suas metas

A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, de início, propôs a "união de transferências", na qual seu país e outras economias mais fortes da região do euro transfeririam fundos ano após ano para a Grécia e outros países em necessidade, em troca da autoridade de regulamentar e supervisionar os orçamentos e a arrecadação tributária dos governos auxiliados. A população alemã rejeitou a ideia de transferências permanentes dos contribuintes alemães para a Grécia, enquanto a população e as autoridades gregas rejeitaram a ideia de que a Alemanha controle a política fiscal do país.

O próximo passo foi o plano fiscal acertado em Bruxelas no fim de 2011, que abandonou completamente a ideia de uma união de transferências em favor de um acordo em que cada país da região do euro equilibraria seu orçamento. Pelo esquema, seriam impostas penas financeiras "automaticamente" a qualquer país que infringisse o compromisso. Com orçamentos equilibrados em todos os países, então, não haveria necessidade de transferências fiscais.

Como exatamente, no entanto, se definiria orçamento equilibrado? Em carta para as autoridades que negociam o acordo oficial, Jorg Asmussen, membro alemão do Conselho Executivo do Banco Central Europeu (BCE), enfatizou que um orçamento equilibrado significa exatamente isso. Se um país tiver déficit orçamentário porque enfrenta algum mau momento econômico cíclico que derrubou a arrecadação tributária e elevou as transferências de benefícios sociais, ainda assim, será obrigado a elevar impostos e cortar gastos para voltar a ter um orçamento equilibrado.

Se essa proposta fosse de fato adotada, teria como consequência tornar pequenas recessões em grandes retrações econômicas.

A forma mais provável de pacto fiscal, atualmente, parece ser um acordo bastante moderado obrigando cada país a "equilibrar seus orçamentos ao longo do ciclo econômico". Embora seu descumprimento, em teoria, resulte em penas financeiras automáticas, é difícil imaginar como seria possível determinar que houve descumprimento em um país como a Espanha. Em que momento, no futuro, se obrigaria a Espanha, com índice de desemprego persistente em mais de 15%, a elevar impostos e diminuir as transferências sociais? A decisão de obrigar a Espanha poderia caber à Comissão Europeia, com o que se trataria de uma decisão política, em vez de uma condição técnica "automática" como prometido por seus defensores.

Se essa for a essência do pacto fiscal que vai acabar sendo acertado, não terá efeito previsível no comportamento dos países da região do euro. Seu único efeito será permitir que líderes políticos da região do euro possam sair dizendo que criaram uma união fiscal e, portanto, direcionaram a Europa a uma união política mais coesa, o que é seu objetivo final.

Uma união fiscal concebida dessa forma, no entanto, é completamente diferente do que a maioria das pessoas entende pelo termo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo central arrecada cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e paga mais ou menos o mesmo. A centralização dos impostos e gastos cria um estabilizador automático para qualquer região que passe por um mau momento econômico: os residentes da região afetada pagam menos dinheiro a Washington e recebem mais transferências.

O papel fiscal centralizado nos EUA também permite que todos os Estados operem com orçamentos verdadeiramente equilibrados, modificados apenas por fundos relativamente pequenos para os "dias chuvosos".

Embora o atual processo político europeu não vá criar uma forte disciplina fiscal, os mercados financeiros provavelmente obrigarão os governos da região do euro a reduzir suas dívidas soberanas e limitar déficits fiscais. Durante os primeiros dez anos da moeda única, a crença dos investidores do setor privado na uniformidade de todos os bônus soberanos da região do euro manteve as taxas de juros relativamente baixas nos países periféricos, mesmo enquanto seus governos acumulavam grandes déficits e dívidas maciças. Os investidores não repetirão o erro: mordidos uma vez, agora serão duplamente cautelosos.

Para os governos da região do euro, isso significa que os mercados financeiros colocarão em prática o que o processo político não consegue. O pacto fiscal da UE, não importa qual seja sua forma, será pouco mais do que uma questão secundária

Prof. Dorival.


Antonio Delfim Netto, hoje na FOLHA DE S. PAULO e sua homenagem a um professor. Um texto emocionante e verdadeiro.     

Peço permissão à Folha e aos seus leitores para usar este espaço lembrando e homenageando um velho e querido professor e amigo.

Ele influenciou de forma importante várias gerações de economistas formados na FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), na USP, nos idos dos anos 1950 e 1960. Morreu, no começo de fevereiro, aos 96 anos.

O professor Dorival Teixeira Vieira (1915-2012) formou-se na Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP no final da década de 1930.

No campo da economia, que concentrou posteriormente seu interesse, recebeu as lições de alguns docentes de economia política, todos franceses de orientação literária e institucional.

Como todos os economistas brasileiros do início da década de 1940, foi praticamente um autodidata que se produziu no isolamento intelectual imposto pelos anos de guerra (1939-45).

Foi um mestre sério, assíduo e exigente. Um pouco rabugento, mas sempre disposto a ajudar os alunos que o procurassem. Devido à falta absoluta de profissionais, ele acumulava quatro disciplinas e acompanhava os alunos do segundo ao quarto ano.

Naquele tempo, a disciplina teoria do valor era autônoma e ocupava o segundo ano inteiro. Dorival percorria a história do pensamento econômico desde Aristóteles até os austríacos com as sutilezas psicológicas que o agradavam enormemente.

Quando chegava a Marx, entretanto, a teoria do valor-trabalho era submetida a uma complicada tortura intelectual que, paradoxalmente, terminava mal ajeitada e pouco convincente.

No terceiro ano, Dorival ministrava um curso trabalhoso sobre a teoria dos preços. Por meio de geometria plana, em quadros negros quadriculados adrede e cuidadosamente preparados, com giz de várias cores, explorava um grande número de possíveis "tipos" de mercado e sua formação de preços. Nem uma só equação.

A definição de "elasticidade" usava apenas acréscimos finitos. Não raramente, portanto, as aulas terminavam em interessantes discussões sobre a generalidade das conclusões. A sua tese de cátedra foi sobre um dos regimes de formação de preços (monopólio bilateral) e foi obscurecida por aquelas razões.

Ainda no terceiro ano, ele promovia interessantes lições sobre a teoria da moeda. Quantitativista e repetindo sua ênfase histórica, ia de Locke até o Keynes de 1930.

No quarto ano, ele ministrava um excelente curso sobre teoria do comércio internacional.

Dorival Teixeira Vieira foi um grande brasileiro e excelente professor.

Ele deixa saudades! 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Crise na Zona do Euro.


Editorial do VALOR ECONÔMICO de hoje registra que sobe o tom do debate sobre as eventuais saídas da crise.

O debate a respeito da incompatibilidade entre a austeridade que está sendo exigida dos países em crise na zona do euro e a recuperação econômica ganhou fôlego nos últimos dias. Dois pesos-pesados da economia mundial voltaram a torpedear a receita adotada pela União Europeia, capitaneada pela chanceler alemã Angela Merkel.

O prêmio Nobel Paul Krugman, em sua coluna da semana passada no "The New York Times", disse que, apesar de a austeridade ser necessária, os programas "destrutivos" impostos aos países em crise têm se revelado um fracasso catastrófico. Posição semelhante tem o financista internacional George Soros que disse à revista alemã "Der Spiegel" que a política de Merkel para resolver a crise é um desastre. O problema é que a receita fica apenas na austeridade, nas ações de ajuste, o que conduzirá os países a "uma espiral deflacionária de endividamento". Para ele, essas medidas precisam ser complementadas por um programa de estímulos à economia.

O ministro das Finanças Wolfgang Schäuble saiu em defesa da posição alemã e respondeu, na mesma revista, que "quando as políticas fiscais e financeiras estão descontroladas e os níveis da dívida e do déficit deixam de ser sustentáveis, os métodos keynesianos para um relançamento rápido da economia deixam de funcionar".

É exatamente essa discussão que está pondo em dúvida o sucesso a longo prazo do pacote de resgate da Grécia, aprovado na semana passada. O pacote prevê a injeção de € 130 bilhões em dinheiro novo, fornecido pela troica - a União Europeia, o Banco Central Europeu além do FMI - a juros mais baixos, o que ajudará a Grécia a diminuir a dívida pública dos atuais 160% do Produto Interno Bruto (PIB) para 120,5% até 2020. Mas outra parte importante é o programa de cortes de € 3,3 bilhões que Atenas se comprometeu a fazer, que inclui a redução de 22% no salário mínimo e de pensões. A receita da União Europeia à Grécia pressupõe que o PIB do país terá que reagir, saindo de uma contração de 4,5% neste ano e estagnação em 2013. No entanto, a própria Comissão Europeia acaba de divulgar em suas previsões que a Grécia enfrentará o quinto ano de retração, com um encolhimento de 4,4%, depois dos 6,8% de 2011.

Com as medidas de austeridade previstas no pacote, não se espera outra coisa no próximo ano. O desemprego, que chega perto de 20%, deve aumentar porque cerca de 150 mil postos serão extintos nos próximos três anos. A recessão fez com que o governo grego elevasse sua projeção para o déficit fiscal do país neste ano de 5,4% para 6,7% do PIB. Paradoxalmente, se a queda do PIB for maior do que pressupõe o plano, a troica terá que exigir mais austeridade.

Outros países submetidos a programas de ajuste estão na mesma encruzilhada. A Espanha está pedindo à União Europeia para flexibilizar o compromisso de reduzir o déficit fiscal a 4,4% neste ano, quase a metade dos 8% de 2011. Com o enfraquecimento da economia, o governo espanhol acredita que o déficit fiscal deste ano ficará em 5% do PIB, na melhor das hipóteses. Segundo a Comissão Europeia, a economia espanhola vai encolher 1% depois de ter crescido meros 0,7% em 2011.

Portugal também receia não conseguir reduzir o déficit fiscal de 6% para 4,5% do PIB neste ano. Depois de ter encolhido 1,5% em 2011, a economia portuguesa deve ter o pior desempenho da região depois da Grécia, com uma retração de 3,3%, e já se fala na necessidade de um novo pacote de socorro para o país.

Em reunião preparatória para o encontro dos ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais do G-20, realizado no fim de semana no México, o secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría, alertou para a necessidade de reformas estruturais para estimular o crescimento e criar empregos. Em comunicado emitido ao final da reunião, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, afirmou que as grandes nações não podem deixar de lado a preocupação em restaurar o crescimento global enquanto discutem o reforço dos fundos de resgate de países.

A receita da UE para enfrentar a crise claramente manca de uma perna: traz um alívio temporário, mas não garante a solução dos problemas de longo prazo. É preciso que seja complementada com medidas que estimulem a competitividade dos países em crise, não só com redução de salários e de preços, mas com alternativas de recuperação da economia.

Keynes e os juros.


José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) e escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO de hoje.

Recentemente o Banco Central (BC) solicitou às instituições financeiras estimativas a respeito do valor da taxa de juros neutra para a economia brasileira, ou seja, o valor da taxa real de juros para o qual a demanda agregada é igual ao produto potencial de forma que a inflação seja mantida constante ao longo do tempo. Essas estimativas apontam para uma taxa neutra em torno de 5,5% ao ano, o que significa uma redução de 1,25 ponto percentual desde novembro de 2010, quando uma consulta indicou a taxa neutra em torno de 6,75%. A redução observada na taxa neutra seria o resultado de "mudanças estruturais significativas na economia brasileira", segundo a ata do Copom, não tendo nenhuma relação com a condução da política monetária.

Uma reflexão um pouco mais aprofundada sobre quais seriam essas mudanças estruturais significativas, contudo, não aponta para nenhuma mudança em particular. De fato, a condução da política fiscal continua basicamente a mesma do segundo mandato do presidente Lula, a poupança pública não apresentou nenhuma melhoria significativa, o crédito doméstico continua se expandindo a taxas elevadas, o grau de indexação formal da economia brasileira ainda é alto e os títulos pós-fixados mantêm uma participação expressiva na dívida pública. Daqui se segue que não há nenhuma razão concreta para se acreditar que tenha ocorrido nos últimos anos um aumento da eficácia da política monetária e/ou uma redução da taxa de juros de "equilíbrio". Sendo assim, como explicar a mudança nas expectativas do mercado a respeito da taxa de juros neutra?

Na sua Teoria Geral do Emprego, Keynes criou o conceito de taxa de juros segura, ou seja, o valor da taxa de juros que o público acredita que irá prevalecer no longo prazo. A taxa de juros segura nada mais é do que uma convenção social, ou seja, uma crença compartilhada entre os agentes econômicos a respeito do valor em torno do qual a taxa de juros flutua ao longo do tempo. Essa convenção não está baseada em "fatores objetivos" como pensa a teoria neoclássica. Em particular, a taxa de juros segura não é equivalente ao conceito de taxa natural de juros dos modelos Dynamic Stochastic General Equilibrium (DSGE) tão em voga atualmente. A taxa natural de juros é tida, nesses modelos, como independente da política monetária, sendo determinada pela produtividade do capital e pelas preferências intertemporais das famílias.

Do ponto de vista keynesiano, o conceito de taxa natural de juros é um completo nonsense porque pressupõe a independência entre o produto potencial e a demanda agregada. Isso porque, em função da existência generalizada de economias de escala e de equilíbrios múltiplos gerados a partir de efeitos de histerese no mercado de trabalho, o produto potencial não é uma variável exógena, mas é dependente da trajetória seguida pelo produto efetivo (e, portanto, pela demanda agregada) ao longo do tempo.

Voltando à taxa de juros segura, Keynes afirma na sua Teoria Geral que: "A autoridade monetária controla, com facilidade, a taxa de juros a curto prazo, não só pelo fato de não ser difícil criar a convicção de que sua política não mudará sensivelmente em um futuro muito próximo, como também em virtude de a possível perda ser pequena, quando comparada com o rendimento corrente (a não ser que este chegue a ponto de ser quase nulo). Mas a taxa a longo prazo pode mostrar-se mais recalcitrante no momento em que caia a um nível que, com base na experiência passada e nas expectativas correntes da política monetária futura, a opinião abalizada considera "inseguro".

Isso não quer dizer, obviamente, que o Banco Central não seja capaz de influenciar a taxa de juros de longo prazo. Ele poderá fazê-lo desde que consiga induzir uma mudança nas expectativas que os agentes econômicos formulam a respeito da taxa segura de juros. Em outras palavras, uma redução da taxa de juros de longo prazo envolve necessariamente a mudança da convenção prevalecente no mercado financeiro sobre o valor da taxa segura. Se o BC não for capaz de produzir uma mudança nas convenções sobre a taxa de juros segura, então a redução da taxa de juros de longo prazo resultante da redução do valor corrente da taxa de juros de curto prazo irá induzir uma expectativa de elevação da taxa longa no futuro próximo. Em função disso, as expectativas a respeito dos valores futuros da taxa de juros serão reajustadas para cima, produzindo o realinhamento do valor corrente da taxa longa na direção da taxa de juros segura.

Daqui se segue que uma condição fundamental para que o BC seja capaz de influenciar a taxa de juros de longo prazo é que a política monetária tenha credibilidade. Credibilidade não significa o compromisso único e exclusivo da autoridade monetária com uma taxa de inflação baixa, como entendem os economistas neoclássicos; mas deriva-se do entendimento por parte dos agentes econômicos de que a política monetária é compatível com o interesse público, sendo conduzida com convicção por parte de uma autoridade monetária, que não corra o risco de ser suplantada. Sendo assim, "uma política monetária que a opinião pública considere experimental em sua natureza e facilmente sujeita a mudanças pode falhar no seu objetivo de reduzir consideravelmente a taxa de juros a longo prazo".

Nesse contexto, as convenções prevalecentes a respeito do valor da taxa de juros segura podem ser alteradas se o público perceber que a política monetária é conduzida de maneira lógica e firme por parte do BC. Via de regra, isso exige mudanças moderadas e graduais na taxa de juros de curto prazo, dando tempo para que o público se acostume com patamares mais baixos de taxas de juros.

Com base nesse arrazoado, uma explicação possível para a redução observada das estimativas da taxa neutra é que nos últimos anos o BC tem sinalizado de forma clara e consistente seu desejo de reduzir gradualmente o patamar dos juros. Como essa sinalização é vista pelo mercado como baseada no julgamento técnico da autoridade monetária, e não como resultado de ingerência política no BC, segue-se que a mesma é vista como compatível com o interesse público e, portanto, crível. Mantidas essas condições, o BC poderá obter uma redução ainda maior da taxa de juros se persistir com sua política gradualista.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Entrevista com o Nobel Michael Spence.


Na FOLHA de hoje, entrevista com Michael Spence, Nobel de economia americano.

Para o economista americano Michael Spence, ganhador do Nobel em 2001, o discurso de que a China rouba empregos dos outros países não faz sentido. Para ele, a atração de mão de obra barata não é boa estratégia econômica.

Spence ainda afirma que o país asiático está prestes a deixar de ser a fábrica barata do mundo. Segundo ele, a tendência é que outros emergentes, em fases anteriores de desenvolvimento, assumam esse papel, conforme já aconteceu com outros centros manufatureiros nas décadas passadas.

O especialista também argumenta que os países emergentes estão mais ricos e mais conectados uns com os outros e que tendem a se desassociar da crise na Europa.

Ele diz que o Brasil pode sustentar seu crescimento econômico, mas deve ficar atento à diversificação da economia.

Folha - A crise econômica de 2008 se espalhou rapidamente em todo o mundo e terminou de forma relativamente rápida em países como o Brasil. O sr. acha que a crise atual será mais longa?

Michael Spence - A crise tinha uma história de alavancagem excessiva, desequilíbrios e problemas estruturais. A crise atual é em parte uma extensão das mesmas questões. Se a Europa avançar, será menos grave. Haverá apenas um período longo e difícil de ajustamento estrutural para restaurar padrões sustentáveis de crescimento e emprego. Mas outro cenário é uma grande recessão na Europa causada por uma incapacidade de lidar com as questões da zona do euro. Nesse segundo cenário, a crise será dura e de longo prazo.

Qual é o caminho para evitar esse cenário mais duro?

Não existe maneira de certamente eliminar os riscos do cenário pessimista. Se a Grécia eventualmente sair, criará riscos de contágio. Mas o fator principal para controlar o risco é conduzir reformas bem-sucedidas na Itália e na Espanha. E ter a Alemanha e o Banco Central Europeu de volta para estabilizar bancos e dívidas dos governos, com o FMI (o que significa o resto do mundo) apoiando. As reformas institucionais para a disciplina fiscal também têm que prosperar. Se todas essas coisas funcionarem, o risco permanece em nível controlável. Mas devo dizer que haverá retração econômica por um ano ou dois, mesmo no cenário mais positivo.

O senhor vê a possibilidade de diminuição no número de países que compõem a zona do euro?

Definitivamente sim. Os líderes estão tentando evitar esse desfecho, mas eu não acho que seja sábio. Nem é bom para Grécia e provavelmente tampouco para Portugal. Uma zona do euro menor e mais homogênea poderia ser um bom resultado. Ela poderia se expandir depois. Mas realmente eles têm que elaborar um mecanismo de ajuste para quando os países deixam de ser competitivos e têm problemas de produtividade. Ninguém tem uma boa resposta para essas questões ainda.

O senhor acha que os países emergentes vão repetir o desempenho que tiveram na crise passada, quando mantiveram a demanda por commodities e garantiram algum crescimento global?

Há desaceleração nas economias emergentes, mas é relativamente leve até agora. Deve haver uma espécie de repetição do desempenho pós-2008, desde que a Europa avance.

Os fatores que garantiram o crescimento de países como China, Índia e Brasil podem ser sustentados agora? E por quanto tempo?

Indefinidamente. São países saudáveis fiscalmente e geridos de forma eficaz do ponto de vista macroeconômico. Eles estão mais ricos, maiores e negociam muito uns com os outros. Estão parcialmente dissociados [da crise], embora não completamente. Ainda dependem de uma quantidade substancial de demanda agregada dos países avançados. O grau de dissociação irá aumentar gradualmente ao longo do tempo.

De que maneira o grau de dissociação aumentará? E caso a Europa não avance e o impasse político impeça a resolução dos problemas econômicos, quais seriam as principais formas de contágio para os emergentes?

Existem dois canais. Um é a economia real. Se a economia decresce, cai a demanda por importações, com consequências para os emergentes. O impacto varia entre os diferentes países porque eles sentem de modo diverso os movimentos de preço das commodities e a demanda por serviços (no caso da Índia). O segundo canal é o financeiro. Os mercados emergentes estão voláteis agora com a combinação de riscos domésticos e globais. Essa volatilidade tornará empresários e consumidores mais cautelosos, o que pode reduzir a demanda doméstica. Tendo dito isso, o nível de dissociação continua aumentando. Só não está completo.

Há rankings em que o Brasil aparece como a sexta maior economia do mundo. Como o senhor analisa a trajetória de crescimento do país?

A trajetória de crescimento do Brasil é excelente. A inclusão está aumentando e ajudando a sustentar o crescimento e a reduzir a desigualdade de renda. É um padrão sustentável. A gestão macroeconômica é muito boa. É preciso cuidado para não permitir que o aumento do preço das commodities, que beneficiou o Brasil, cause uma redução no padrão de diversificação da economia e reduza as oportunidades de emprego. Um fundo soberano bem administrado seria uma boa ideia, eu acho.

No discurso do Estado da União [em que anualmente o presidente americano presta contas ao Congresso], Barack Obama pediu a empresários para trazerem de volta os empregos que haviam deslocado para a China. Esse tipo de apelo é eficaz?

Não faz sentido trazer empregos de baixo valor agregado da China ou de outros países em desenvolvimento. O que podemos fazer é competir em empregos de maior valor agregado -mas não nos empregos muito tops, em que vamos bem de qualquer forma. Os modelos deveriam ser mais a Alemanha, o Japão e a Coreia do Sul.

A base para atrair empresas para a China tem sido a mão de obra barata. Essa situação persistirá?

Isso está prestes a mudar, tal como aconteceu na Coreia do Sul e no Japão no passado. A China irá se mover para rendimentos mais elevados e o trabalho intensivo nas manufaturas irá migrar para emergentes em fases anteriores de desenvolvimento.

A migração já começou? Para onde?

Começou, por exemplo, para o Vietnã, Bangladesh e para a Índia em alguma medida. Isso não é novo. A Coreia costumava fabricar sapatos e vestuário nos anos 1980 e 1990 e isso migrou para Vietnã, China, Indonésia etc. Hong Kong costumava fabricar vestuário e houve mudança para Cingapura e outros países.

Oscar 2012.


Parabéns Meryl Streep pela sua marcante presença como Margaret Thatcher no filme “A dama de ferro”. 
Desta vez a academia não poderia errar.    

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...